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Laura Fernades
Publicado em 8 de abril de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Jussilene Santana não conhecia Kristen Stewart, Robert Pattinson e a saga Crepúsculo. Também não fazia ideia de quem era Gisele Bündchen quando a supermodelo já tinha começado a fazer sucesso no mundo. Por isso a jornalista, atriz e pesquisadora baiana não se surpreende quando alguém diz não conhecer Martim Gonçalves (1919-1973), figura emblemática que fez uma passagem fulminante pela Bahia, em suas palavras.
“Todo mundo é desinformado de alguma coisa. Todo mundo nasce desconhecido, até vir uma propaganda mostrando para você”, sorri Jussilene que é diretora do Instituto Martim Gonçalves. Portanto, se alguém não conhece a trajetória de um dos importantes nomes do teatro brasileiro, a exposição virtual e gratuita Martim Gonçalves - Homem de Teatro (1919-1973) dá uma chance. Martim Gonçalves criou a Escola de Teatro da Ufba (Foto: Acervo Instituto Martim Gonçalves) Disponível de quinta-feira (8) ao dia 8 de maio, no YouTube, a mostra reproduz digitalmente o passeio que os visitantes poderão fazer por um dos ambientes do Instituto Martim Gonçalves, que ainda não possui uma sede física apesar de atuar desde 2017. São fotos, documentos, desenhos, poemas e jornais que fizeram parte da vida do pernambucano Eros Martins Gonçalves Pereira.
Ainda na quinta, às 20h, Jussilene faz uma live no Instagram do instituto sobre Teatro Infantil e a Escola da Criança do MAM na Bahia. A proposta é falar sobre essa criação “que ninguém conhece”, feita por Martim e a arquiteta e amiga Lina Bo Bardi (1914-1992). “Só vou falar sobre isso e sobre a formação do indivíduo, do sujeito, da sensibilidade de forma integral”, destaca, sobre a atividade complementar.
A exposição “é uma pequena amostra desse acervo, é um drops, um convite”, já que acompanha em 15 minutos os 100 anos da vida de Martim. São 25 itens pinçados de um acervo com quase 30 mil documentos, colhidos ao longo de 15 anos em dez países. “A gente tenta dar conta dessa história em 15 minutos. Quem é Martim? É uma apresentação. Sinceramente, um bom resumo”, convida.
‘Não conheço’ E o convite não é só para quem conhece, mas também para quem não sabe nada sobre o cenógrafo, pintor, ilustrador, desenhista, escritor, professor e diretor teatral que foi co-fundador do Tablado, no Rio de Janeiro, com Maria Clara Machado. Martim não só emprestou o nome ao teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba), como fundou a primeira Escola de Teatro do país ligada a uma instituição de ensino superior.
A partir da criação da Escola de Teatro da Ufba, nos anos 1950, marcou a trajetória de atores como Othon Bastos, Nilda Spencer (1923-2008) e Antonio Pitanga, além do cantor Caetano Veloso e do cineasta Glauber Rocha (1939-1981). “Ainda conheço pouquinho, mas fico de cara com o fato de ter feito tanta coisa e, mesmo assim, ter sido apagado da história do teatro brasileiro”, comenta a atriz Luísa Ascenção, 24 anos.“Ainda conheço pouquinho (a história de Martim Gonçalves), mas fico de cara com o fato de ter feito tanta coisa e, mesmo assim, ter sido apagado da história do teatro brasileiro” - Luísa Ascenção, atriz paulistaTrainee responsável pela divulgação e produção da exposição, Luísa foi contratada depois de dizer na entrevista de emprego: “Não conheço Martim Gonçalves”. Receosa de perder a vaga, optou pela verdade. “Por que não admitir que a gente não conhece um montão de coisa, né?”, questiona. Hoje, em seu Instagram, Luísa se dedica a chamar a atenção de quem desconhece esse ícone do teatro, com criatividade.
Passar adiante esse conhecimento “representa nos apossarmos da nossa própria história”, justifica a atriz paulista. “Toda história merece ser contada. Quando falamos de alguém que fez tanto pela cultura do país, fomentou a educação e produziu obras artísticas de peso, esse alguém se torna patrimônio nacional. É preciso dividir a responsabilidade do cultivo à memória”, defende. A atriz e jornalista baiana Jussilene Santana é diretora do Instituto Martim Gonçalves (Foto: Divulgação) Radioativo Ao clicar no botão que dá acesso ao tour virtual da exposição, o telespectador sente como se estivesse em um museu. O salão dispõe os documentos ao longo de sua parede digital em um formato igualzinho ao que os frequentadores presenciais já conhecem. Aos poucos, são mostradas as fotos, os recortes de jornal, desenhos e outros documentos que contam a história de Martim, também com legendas em inglês.
Entre os itens expostos (veja a seguir), vale destacar uma carta na qual a arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi corrige uma informação publicada no Jornal A Tarde em julho de 1961, sobre a Exposição Bahia, que não era dela. Apresentada na V Bienal de São Paulo, a mostra “foi pensada, planejada e realizada pelo diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, professor Martim Gonçalves”, diz Lina, na nota.
“Lina era a italiana mais brasileira de todos os tempos. Ela esteve na Bahia em 1958 e foi acolhida pela Escola de Teatro, Martim formou com ela uma dupla inseparável até sua morte, em 1973. Era amizade mesmo, cumplicidade entre os dois que não pode ser esquecida. Você não entende quem é Lina Bardi se não entender a amizade dela com Martim”, defende Jussilene. A arquiteta Lina Bo Bardi, que era amiga de Martim, aparece ao lado do cenógrafo Hélio Eichbauer montando a Exposição Martim Gonçalves, no Museu de Arte de São Paulo, em agosto de 1973 (Foto: Acervo Instituto Martim Gonçalves) Assim, aos poucos, a exposição Martim Gonçalves revela detalhes esquecidos da história dessa figura que marcou a forma de fazer teatro na Bahia. Os atores Wagner Moura e Vladmir Brichta, por exemplo, foram lançados com o espetáculo A Casa de Eros, feito por Martim em 1996. “Não existiria Capitão Nascimento, não existiria o artista Wagner, ou Vlad sem Martim”, destaca Jussilene.
A importância do acervo, em sua opinião, é manter viva essa história. “Martim foi uma figura desconhecida ou mal revelada. Morreu muito jovem. Na Bahia foi completamente perseguido e no Rio de Janeiro as pessoas lembram dele, mas só de uma faixa etária. A gente sofre de Alzheimer social”, critica Jussilene, que está em busca de apoio para manter o instituto e montar sua estrutura inteiramente virtual.
Em seguida, a atriz que tem mestrado e doutorado sobre Martim ressalta que na busca por documentos históricos “a gente pesquisa o esquecimento, lida com o silenciamento e, mais grave ainda, com o apagamento. E Martim sofreu os três”. Por isso, a pesquisadora deixa o convite para conhecer o acervo: “É de uma riqueza tremenda. Todo mundo que chega perto, eu digo: ‘Cuidado, esse acervo é radioativo”, sorri.
Serviço O quê: Exposição Virtual Martim Gonçalves – Homem de Teatro Quando: De 8 de abril a 8 de maio Gratuito Onde: YouTube (/institutomartimgoncalves)
O quê: Aulão ‘Teatro infantil e a Escola da Criança do MAM na Bahia’ Quando: Quinta-feira (8), às 20h Onde: Instagram (@institutomartimgoncalves) Gratuito
Doações ao Instituto Martim Gonçalves Chave PIX Banco NU Bank CNPJ 28.658.013/0001-71
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Destaques da exposição
Carta de Lina Bo Bardi Arquiteta ítalo-brasileira corrige a informação de que a Exposição Bahia seria de sua autoria, em carta ao Jornal A Tarde publicada no dia 11 de julho de 1961. Lina afirma que a concepção e realização da mostra leva a assinatura de Martim Gonçalves. Além da exposição, a carta pode ser vista no livro Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia (Ed. Vento Leste, 2009), de Jussilene Santana.
Exposição Masp Foto mostra Lina Bo Bardi ao lado do cenógrafo Hélio Eichbauer montando a Exposição Martim Gonçalves, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em agosto de 1973, depois da morte de Martim. No texto de apresentação, Lina destaca que ele “foi obrigado a se defender. (...) Ninguém nunca o tomou a sério, nem quando procurou dar dignidade verdadeiramente universitária a uma profissão de autodidatas marginalizados: os atores”.
Crítico de jornal Martim Gonçalves foi, durante seis anos, o crítico de teatro do Jornal O Globo e acompanhou, fazendo o contraponto, tudo o que aconteceu na cena brasileira. Sua atuação veio antes de Bárbara Heliodora (1923-2015), um dos principais nomes da crítica teatral do país. Martim escreveu para o jornal de 1966 até 1972, quando adoeceu.
Cinema Martim e o cineasta Alberto Cavalcanti (1897-1982) em foto tirada durante a produção do filme Ângela Vera Cruz. A imagem ilustra a participação de Martim na Companhia Cinematográfica Vera Cruz, criada por estrangeiros. Ele foi o primeiro diretor. Martim não ficou na assinatura final, porque saiu no fim das filmagens.
Spotify Uma playlist feita para Martim Gonçalves reúne músicas e cantores que ele gostava, coisas que ouvia a trabalho, músicas que o citam e gente que recebeu sua influência direta. A trilha da exposição virtual Martim Gonçalves – Homem do Teatro pode ser acompanhada a seguir.