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Procuram-se bonecas pretas: crianças ainda sofrem com falta de representatividade

Pais e educadores defendem que brinquedos são importantes ferramentas de transformação social

  • D
  • Da Redação

Publicado em 28 de maio de 2018 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

É batata! Com um brinquedo nas mãos, a criança é capaz de criar mundos. Às vezes, nem precisa ser um brinquedo de verdade. Basta um cabo de vassoura, um pedaço de papel dobrado ou qualquer outro objeto que funcione como base para sua imaginação. Mas e quando ela tem acesso a um brinquedo que é a cara dela?! Pais e educadores  garantem que a experiência é transformadora. Convictos disso, têm estado cada vez mais atentos à possibilidade de os pequenos se sentirem representados nos bonecos que carregam. Coordenadora pedagógica da Escolinha Maria Felipa, na Federação, a professora Bárbara Carine ressalta dimensão formativa da brincadeira, que lida com aspectos da realidade social em que a criança está inserida (Foto: André Frutuoso) “A brincadeira tem sim uma dimensão de fantasia, mas tem uma dimensão muito forte da vida real, já que a gente impregna aspectos constitutivos da realidade social”, destaca Bárbara Carine, 30, professora da Ufba e consultora pedagógica da Escolinha Maria Felipa. É a partir dessa compreensão que a discussão sobre a diversidade racial nas bonecas tem ganhado força nos últimos anos no Brasil, onde metade da população se declara negra. Em Salvador, cidade mais preta do país, o assunto ganha contornos ainda mais fortes. “As bonecas são fundamentais para romper com o paradigma de gênero - porque boneca é brinquedo e brinquedo não tem gênero -, quanto para apresentar a diversidade étnico-racial da sociedade brasileira”, continua Bárbara Carine. 

Semana passada, a atriz Giovana Ewbank, mãe da fofa Titi, 4, fez um relato indignado nas redes sociais por não encontrar bonecas negras como a filha nas lojas.  "Todas as vezes que eu passo nessa loja [no aeroporto de São Paulo] eu presto atenção nisso e fico muito revoltada. Só que não é só nessa loja, gente. A gente passa por isso o tempo todo em todas as lojas de brinquedo. Sempre que a gente vai em uma loja para comprar para Títi ou para um amiguinho uma boneca ou boneco negro, não tem! A única que chega perto é a Moana", disse, se referindo à personagem do filme da Disney. "Todas as bonecas são brancas, milhares... e nenhuma negra!", escreveu a atriz, que se disse frustrada, triste e revoltada.

Pesquisa Assim como Titi, são muitas as crianças negras que podem ver bonecas parecidas com elas nas prateleiras das lojas de brinquedos. Por meio da campanha Cadê Nossa Boneca?, a organização social Avante, detectou que apenas 7% de todas as bonecas fabricadas no Brasil são negras. O estudo já tinha sido feito há dois anos, quando se chegou ao índice de 6,3% (saiba mais abaixo). Giovana Ewbank já tinha mostrado algumas das bonecas pretas de Titi para seus seguidores no Instagram (Foto: Reprodução) “O cenário não mudou. A gente continua aprendendo muito precocemente que o negro não tem espaço, que ele não é bonito, que ele não é desejado”, destaca a psicóloga Mylene Alves, 41, uma das responsáveis pelo estudo. Para ela, o desafio segue sendo o de fazer com que indústria de brinquedos mude, assim como aconteceu com a indústria da moda e dos cosméticos.  “Quando vamos falar dos brinquedos comercializados, a realidade é ainda pior, porque a indústria ainda tem um passivo. Os lojistas não expõem nas prateleiras, dizem que não há demanda. No momento da compra, ainda fica empacado”, lembra Mylene, que encara esse tipo de brinquedo como exercício de tolerância e alteridade para as crianças de todas as etnias. “Vejo com uma perversidade da indústria de brinquedos, que produz um elemento de educação, regido por normas, fiscalizado, e mesmo assim passa por cima de todas essas questões. Não há essa sensibilidade, essa responsabilidade social”, considera Mylene.

A rapper Karol Conka conta que teve, quando criança, uma boneca preta, presente da madrinha. "Não tinha noção de representatividade, mas queria aquela bonequinha", lembra, ao dizer que era normal alguém dizer que a boneca era feia, mas que a Karol era bonita. "Era como se eu virasse branca, porque elas me conheciam por dentro. Eu não era negra. As mães de minhas colegas falavam: não gosto de preta, mas da Karol eu gosto", recorda. Mãe de Jorge Conka, de 12 anos, Karol lembra que o filho costumava pintar os bonecos com canetinha ou esmalte marrom. "Quando ele achou um Lego que tinha uma personagem negra, ele me mandou uma foto e ficou super feliz, porque as pessoas querem se sentir representadas", diz. Para ela, o desafio é achar brinquedos de artistas negros. "Cadê as marcas me chamando pra fazer uma boneca minha? Tinha que ter uma boneca da Karol, da Taís Araújo...", questiona.Mudança Na contracorrente da indústria, tem aumentado o número de artesãs especializadas nos chamados brinquedos afirmativos. Caso da designer Geo Nunes, 27, que percebeu a ausência de bonecas pretas nas prateleiras das lojas quando decidiu procurá-las para presentear crianças de um projeto social que ela integrava. “Encontrei poucas bonecas negras e todas bebês, nenhuma era médica, motorista, dançarina...Fiquei com esse inconformismo e comecei a procurar moldes de bonecas de pano na internet”, recorda. Hoje, a cada peça vendida, uma é doada e a loja ainda promove uma série de ações em escolas e feiras. “Observo que há um crescimento nesse movimento de bonequeiras, que acaba sendo uma alternativa à indústria que não fornece esses produtos e ainda cobra muito caro, como se fosse item de colecionador”, pondera. "Meus pais sempre me deram bonecas pretas de presente. Sempre. Era uma forma de acrescentar representatividade ao meu dia a dia. Eles também procuravam filmes, livros e músicas que tivessem personagens negros para que eu me visse e me identificasse. Isso fez toda a diferença no meu processo de crescimento e amor próprio. Trouxe algumas bonecas comigo quando me mudei e até hoje eles me presenteiam com Barbies negras. Quando a minha sobrinha vem brincar comigo, a primeira coisa que ela me pergunta é: onde estão as suas bonecas? E a gente faz a farra a tarde toda. Ela não se refere às bonecas como bonecas negras, ela simplesmente vê bonecas, ponto. Quando eu estava grávida ela pediu pros avós um bebê de brinquedo que fosse 'igual a Thaís', mas também não sabia explicar como queria, já que para ela não existe uma diferença, e realmente não deveria existir. Ela me ensina muito. É por isso que 'eu fico com a pureza da resposta das crianças'" (relato cedido gentilmente por @prethais) Mãe de Gabriel Messias, de 4 anos, a estudante Tatiana Hipólito, 24, diz que sempre foi uma preocupação dar bonecas pretas para o filho. “Dei duas bonecas pretas para ele, que tem também o Finn, de Star Wars. Já adulta, comprei uma boneca preta para mim e ele brinca com ela também”, destaca. Desde o início do ano, o queridinho de Bem, 5, é o herói T’Challa, do filme Pantera Negra. A mãe dele, a artesã Zaira Braga, fez questão de levar o filho ao cinema, bem como presenteá-lo desde cedo com bonecas negras feitas por ela. “Ele ficou encantado e agora só pede pra cortar o cabelo igual ao do T'Challa. Acho importante essa representatividade”, defende.

E não são só as crianças quem tem ganhado bonecas pretas. É grande o número de mulheres já adultas que presenteiam a si mesmas com uma. Caso da própria Tatiana Hipólito, mãe de Gabriel Messias, que nunca tinha ganhado uma boneca parecida com ela na infância. Geo Nunes, da Amora Bonecas, conta que parte da sua clientela é formada por esse tipo de cliente, mulher jovem, nem sempre com filhos, conscientes do papel transformador desse ato. "Quando eu comecei, pensei que fosse atingir crianças, mas tem acontecido de muitas mulheres negras adultas, que não tiveram boneca negra na infância, comprando para si próprias. isso é bacana, e é muito triste também, porque faz você pensar que você viveu toda uma infância sem representatividade", pondera. Amora Bonecas: a cada boneca vendida, uma é doada (Foto: Divulgação) É pensando nisso que a designer e professoa da Escola de Belas Artes da Ufba Tamires Lima lançou em 2015 o livro Fabrincando, que ensina as crianças a fazerem brinquedos populares com suas próprias mãos. Todos os personagens ilustrados por ela são negros e, na obra, também é ensinado a como fazer uma boneca preta. "Desde criança eu tenho fixação por Maurício de Souza, Ziraldo. Eu tinha fixação por desenhistas e queria fazer o mesmo que eles. Eu já sabia que eu era designer, só não tinha nome (risos). Só que nessa histórias nunca tinha personagem negro como protagonista, era sempre a cota da representatividade. Eu não me via nas produções e decidi que eu mesma ia criar", resume, sobre o projeto surgido como um trabalho de conclusão de curso. Depois, ela lançou seu segundo livro, Toim, Cadê Você?, um livro sobre a valorização da identidade e da beleza dos cabelos crespos, cujos personagens são todos negros também. 

"Já vi crianças abrindo o livro e apontando para os desenhos dizendo que tinha elas ali. Dá essa emoção o reconhecimento. Já aconteceu de eu saber que uma crinaça de desculpou com o cabelo dela depois de chamá-lo de ruim e ler Toim, ela fez uma cartinha pedindo desculpas por aquilo. É a transformação pela qual elas podem passar através de uma história e isso é emocionante", resume. A designer Tamires Lima, autora dos livros Fabrincando e Toim, Cadê Você? (Foto: Kin Guerra/ Divulgação)

Pesquisa Cadê Nossa Boneca?

Metodologia Foram analisadas as bonecas produzidas pelos fabricantes de brinquedos associadas à ABRINQ (Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos)

Análise Do total dos agora 31 associados, 26 foram analisados. Cinco estavam com site fora do ar ou não eram fabricantes de bonecas.

Resultados Do total dos 762 modelos de bonecas contabilizadas, apenas 53 eram negras, correspondendo a 7%. Dos 26 fabricantes de bonecas analisados, 14 possuem bonecas negras nos seus inventários

E-commerce Também foi analisada a quantidade de bonecas negras disponíveis em três sites de revendedores de brinquedos: Amercianas.com (3%), Ri Happy (4%) e Walmart.com (5%).

Indique e saiba onde encontrar bonecas pretas no site www.cadenossaboneca.com/mapa

EM BUSCA DE REPRESENTAÇÃO |Escolinha bilíngue Maria Felipa Localizada na Federação, escola afro-brasileira bilíngue terá primeira turma em 2019, mas já desenvolve mensalmente atividades formativas e visitas de famílias interessadas em refletir a dimensão política afro-brasileira. Brincadeiras partem da filosofia ubuntu. Saiba mais em: http://escolinhamariafelipa.com.br/

Amora Bonecas Projeto surgiu em 2015, depois de a designer Geo Nunes ter dificuldade de achar bonecas pretas para presentear crianças de um projeto social. Além das vendas no site e em lojas colaborativas, empresa doa bonecas a crianças pobres e atua em ações formativas em  escolas e feiras. Saiba mais em: http://www.amorabonecas.com.br/Fabrincando A designer e professoa da Escola de Belas Artes da Ufba Tamires Lima (@tamilima_ilustra) é autora do livro Fabrincando, cujos desenhos ilustram essa matéria. Nele, ela ensina como fazer diversos bonecos artesanais e também bonecas pretas. Tamires também é autora de Toim, Cadê Você?