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Raquel Saraiva
Publicado em 8 de julho de 2018 às 05:35
- Atualizado há 2 anos
Pense em um médico. Agora imagine uma diretora de uma multinacional. E uma professora universitária conversando com um funcionário da limpeza. Dentre essas quatro pessoas, quais você imaginou negras? >
A pequena representatividade de profissionais negros em altos cargos de liderança nas empresas, bem como o baixo acesso de alunos negros ao ensino superior, são exemplos que refletem o chamado racismo institucional. >
A Organização das Nações Unidas (ONU) define este tipo de segregação como “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura, origem racial ou étnica”. Outros dois casos, de grande repercussão, ocorridos em junho, evidenciam essa prática, também em outras circunstâncias. >
No dia 11 do mês passado, um segurança do Shopping da Bahia tentou impedir um cliente do local de pagar um almoço para uma criança negra. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) abriu inquérito para apurar possível racismo institucional. Dois dias depois, o ator Leno Sacramento, do Bando de Teatro Olodum, levou um tiro em uma abordagem de policiais civis após ser confundido com um assaltante. O ator e seu advogado acusam a polícia de racismo institucional. >
É também uma forma de racismo institucional quando processos de racismo e injúria racial enfrentam mais tempo de espera na Justiça. Leia mais: Um por ano: apenas sete processos por racismo foram julgados desde 2011 (Imagem: Raquel Saraiva/CORREIO) Manifestação As manifestações do racismo institucional nem sempre parecem claras, como através de agressões verbais e outras situações sofridas individualmente. >
“Infelizmente, para convencer o sistema de justiça não é fácil, porque o racismo institucional é algo difuso. Você não aponta uma pessoa, é uma conduta reiterada e que é reproduzida socialmente. O combate requer atuações em várias vertentes”, explica a promotora Lívia Sant’Anna Vaz, coordenadora do Grupo Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis). >
“A ideia de raça como conceito ou signo que organiza a sociedade continua no nosso imaginário, e essa ideia é responsável pela monopolização de recursos baseado numa pigmentocracia”, explica Iberê Araújo, membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e da Frente Negra da Ufscar (SP).>
De acordo com o coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, o racismo institucional está presente nas instituições brasileiras de formas nítida ou mais sofisticadas. “Está presente nas diversas esferas e atuando nas nossas vidas do ponto de vista de produção de violência mas também da negação de direitos e oportunidades”, diz. >
A desvantagem de grupos raciais ou étnicos no acesso a benefícios nas organizações e até nas ações promovidas pelo Estado, e a baixa qualidade dos serviços e dos atendimentos prestados pelas instituições à população negra são também comprovação do racismo institucional.“Já trabalhei no SUS e uma das formas que você observa é a tendência à utilização de menos anestesia em mulheres negras nas cesarianas e outros procedimentos cirúrgicos, porque existe o imaginário dentro do corpo médico de que os negros sentem menos dor”, conta Iberê Araújo.Essa estruturação histórica é reproduzida nas instituições por causa do racismo existente na sociedade. “Ele [racismo] estruturou um sistema que rege a sociedade atual. Estrutura a economia, a família, a cultura, nossos sistemas simbólicos e nossa maneira de pensar, é um óbvio que ele estruture também as instituições”, acrescenta.>
A reprodução do racismo naturaliza imaginários para que situações se tornem normais. “Os discursos estabelecidos na sociedade, na educação, na cultura e na TV são a base para que ações tidas como normais aconteçam”, diz Iberê.>
Alguns indicadores do racismo institucional são trazidos no Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional do Instituto Geledés:40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas; a taxa de mortalidade maternal entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1% superior à das mulheres brancas; a distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca; o número de homicídios brancos caiu 25,5% entre 2002 e 2010, e os homicídios negros aumentaram 29,8% no mesmo período. O racismo é crime desde 1989, devido à lei federal 7.716 - é inafiançável e imprescritível. A pena pode chegar a cinco anos, além de multa.>
Uma campanha sobre o racismo institucional do governo do Paraná foi finalista do Prêmio Profissionais do Ano 2017 e exemplifica como no dia a dia profissionais de Recursos Humanos traduzem de forma 'corriqueira' a diferenciação de tratamento e de expectativas que se faz a partir da cor da pele de uma pessoa. O vídeo teve mais de 16 milhões de views, atingindo cerca de 55 milhões de pessoas.>
Assista: >
Onde denunciar Contra esse tipo de crime há a possibilidade de responsabilização administrativa do servidor, indenização por dano moral e também a responsabilização criminal da instituição. Veja onde denunciar:Promotoria de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa Endereço: Avenida Joana Angélica, no. 1312, Nazaré, Salvador Tel: (71) 3103-6409>
Centro de Referência Nelson Mandela Telefone: (71) 3117-7438 E-mail [email protected]>
Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA) Telefone: (71) 9 8764-4606 E-mail: [email protected]. >
A denúncia pode ser feita também às ouvidorias dos órgãos envolvidos no caso:>
Ouvidoria da Polícia Militar Telefones: (71) 3115.9324 / 3115.9347 E-mails: [email protected] ou [email protected]>
Ouvidoria da Polícia Civil Endereço: Av. ACM, nº 4009, 1ª Andar – Sala 9 – Edf. Empire Center Horário de atendimento: 9h às 12h e das 14h às 18h Telefones: (71) 3116-4669 / 3450-1212 E-mail: [email protected]>
*com supervisão da editora Mariana Rios>