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Da Redação
Publicado em 14 de junho de 2020 às 20:13
- Atualizado há 2 anos
Especialistas e lideranças políticas avaliam se as mobilizações contra o governo vão ganhar força e migrar das redes sociais para as ruas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) é parcimonioso quanto a eventuais desdobramentos no Brasil do caso George Floyd, segurança negro desempregado morto por um policial em Minneapolis. A economia pode explodir, na sua avaliação, essa panela de pressão."Creio que as chances maiores de alguma explosão ocorrer será se e quando o fim da epidemia encontrar a economia semi paralisada", disse, ao Estadão.O professor de Teoria Política da Unesp Marco Aurélio Nogueira concorda. "Nos EUA, bastou uma faísca para levar a uma rebeldia que estava entranhada. O presidente (Bolsonaro) é um provocador permanente, causa polêmica, briga, e há uma recessão prevista para este ano e para o próximo que vai produzir descontentamento social muito grande. Isso é combustível", frisou."É como se estivéssemos sentados em um tanque gigantesco de gasolina."Para Matheus Gato, professor do departamento de sociologia da Unicamp e membro do núcleo Afro Cebrap, a onda de protestos pela morte de George Floyd pode servir como incentivo. "Nesse momento que temos esse rosto fascista de algumas direitas que assumiram governos com discursos violentos, é interessante pensar que temos populações negras na rua em diversas partes do mundo", observou. "Embora o ponto não seja o ataque a um governo específico, porque estamos falando de situação estrutural, no caso brasileiro, esse governo já demonstrou qual é sua linguagem da questão racial", disse.Estamos juntos No último dia 30, foi lançado o movimento Estamos Juntos. Entre os milhares de apoiadores, nomes como o do apresentador Luciano Huck e do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), pedem para que "partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de País". "A coesão aumenta à medida que se define corretamente qual o objetivo. Se pensam nas frentes como articulações pré-eleitorais, elas explodem em 24 horas. Eu as imagino como limitadas à defesa da democracia", afirmou Dino. "Às vezes, temos divergências. Eu, por exemplo, acho que essas frentes democráticas são valiosíssimas.">
Para Huck, um dos nomes cotados para a disputa da Presidência em 2022, a preocupação deveria ser o enfrentamento à pandemia, mas, diante de uma ameaça autoritária, ele estimula que a defesa da democracia seja feita por todos. "Neste momento deveríamos todos estar concentrados em desenhar e implantar estratégias para enfrentar e mitigar os efeitos sociais, econômicos e sanitários desta crise. Mas, com o fantasma do autoritarismo nos assombrando, temos que nos movimentar em defesa da democracia", disse. "Todos que queiram defendê-la devem ser bem-vindos, sem exceções.">
Favorável a um processo de impeachment, o fundador do partido Novo, João Amoêdo, defende uma coalizão democrata "produtiva" para fazer frente ao presidente. "Houve protestos que considero ruins, como a favor de intervenção militar, do AI -5 e contra STF e Congresso. É natural, agora, até pela perda de popularidade do presidente, que ocorram protestos contra o governo. Tenho sido um crítico do governo Bolsonaro, principalmente pela postura do presidente de minimizar o impacto da pandemia, de descumprir recomendações da OMS. Acho positivo haver essa mobilização", disse.Dilema A queda na popularidade de Bolsonaro chega em um momento de hesitação de opositores em aproveitar a onda contra o governo diante de uma crise sanitária ainda na fase de recrudescimento. Líder do PCdoB na Câmara, a deputada Perpétua Almeida (AC) diz haver pressão de alas para a realização de protestos de rua como reação às carreatas pró-Bolsonaro e contra Congresso e STF, em Brasília. "As militâncias querem ir para a rua. Isso no PSOL, no PCdoB, no PT e até no PSDB. É hora de fazer isso? Eu acho arriscado", disse. "Há um movimento muito positivo na sociedade para dizer que as pessoas não aceitam o comportamento autoritário do presidente.>
Perpétua Almeida admite que é difícil reunir o campo e prevê fim melancólico para os que não aderirem. "Tem que ter uma única bandeira, que é a manutenção dos pilares que seguram a democracia. A maioria das pessoas está com esse sentimento, e penso que isso vai ser uma avalanche em cima daqueles que estão olhando para o próprio umbigo", sublinhou.>
O senador Humberto Costa (PT-PE) também é contra manifestações neste momento, mas diz que partidos e centrais sindicais estarão mobilizados. "Constrói-se na sociedade um sentimento de insatisfação com o governo, por conta de ameaças que ele faz às liberdades e à democracia e da forma debochada e sarcástica com que lida com a covid-19", disse. Dono da palavra final em um PT desgastado, Lula criticou frentes suprapartidárias. "Eu não tenho mais idade para ser Maria vai com as outras. O PT já tem história neste País, já tem administração exemplar neste País. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas", afirmou, em reunião partidária.>
Outra figura proeminente da centro-esquerda com dificuldades para aderir aos grupos é o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), que tem feito críticas a Lula. Para Ciro, é preciso ter "lucidez" para enfrentar a "insanidade" de Bolsonaro "e seus asseclas".>
Ex-aliado de Bolsonaro, o senador Major Olímpio (PSL-SP) diz que não há ambiente para uma ruptura institucional com apoio das Forças Armadas ou Polícias Militares. Segundo ele, a ameaça do golpe é usada pelos dois lados para o recrudescimento do ódio. "Seja o presidente ou quem quer que for, vai ficar falando sozinho. Não conseguirá um jipe e dois soldados para dar uma carona até o aeroporto. Vai ter que ir de táxi ou Uber porque não vai conseguir", disse o parlamentar, fazendo uma referência à fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em 2018, segundo a qual bastavam "um soldado e um cabo" para fechar o STF>