Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Priscila Natividade
Publicado em 4 de abril de 2020 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
“Não pensei duas vezes: a gente começa a fazer só álcool em gel”. De janeiro a março deste ano, a fábrica baiana de perfumaria e cosméticos, Avatim, produzia uma tonelada de álcool em gel, junto com mais de 450 outros produtos que vão de sabonetes a difusores de ambiente. Depois do dia dez de março, tudo mudou. Inclusive a sua linha de produção, quando a pandemia do novo coronavírus se instalou no país.
“De imediato, fechamos todas as lojas da rede e focamos nossa produção no que era essencial. Na Avatim, o lema se tornou não desempregar e sim garantir o pagamento das contas. Foi o meu primeiro impulso”, afirma a sócia-fundadora da marca, Mônica Burgos. Sócia-fundadora da marca, Mônica Burgos diz que o lema da empresa virou não desempregar e sim garantir o pagamento das contas (Foto: Viviane Sales/ Divulgação) De lá para cá, 18 toneladas de álcool em gel foram produzidas – número 18 vezes maior do que havia sido fabricado no primeiro trimestre deste ano. Até mesmo todo o estoque de embalagem de outros produtos foram direcionados para o envase daquele que tem sido o artigo mais disputado desde que a pandemia colocou o país em quarentena.
A Avatim tem mais de 150 lojas em 24 estados do Brasil, além de dois mil revendedores e distribuidores. Só 40% dos funcionários estão trabalhando e em um turno, evitando, assim, aglomerações no almoço. Na fábrica instalada em Ilhéus (BA), batem ponto exclusivamente aqueles que operam a linha de produção de álcool em gel e com cuidados mais que redobrados.
A outra parte da equipe segue no sistema home office. A empresária também optou por antecipar férias, afastou o pessoal que está no grupo de risco e ofertou transporte próprio para aqueles que precisam ir para a fábrica.
“Precisamos alcançar, pelo menos, 30% do nosso faturamento no mesmo período do ano passado, para que consigamos arcar com a folha de pagamento. Garantir essa verba para não demitir ninguém é a nossa maior preocupação. Eu posso reajustar meus preços, minhas margens e lucratividade depois. Se eu não pensar no outro agora a quem eu vou vender lá na frente? A gente tem que ter essa consciência. Demitir funcionários não resolve”.
Com as lojas da rede fechadas, foi preciso buscar fôlego e criar alternativas. Além de abrir um canal para atender mercados e farmácias, a marca está correndo para colocar em prática uma política de e-commerce, chegando a liberar as franquias para operar delivery.
“A realidade é que o coronavírus está obrigando todas as empresas a se reinventarem. Temos que chegar junto. A nossa loja própria de Ilhéus, por exemplo, tem faturado mais com delivery do que com a loja aberta. Isso me surpreendeu muito”, destaca.
Para todo mal, a cura
Nem toda a produção de álcool em gel, no entanto, é comercializada. Mônica fez questão de destinar uma parte para doações a hospitais e asilos. “Estou tentando, ao máximo, dividir o que produzimos. A crise me preocupa também nesse sentido. 80% das nossas doações ficam no estado. Nessa hora, todo mundo tem que se ajudar. Sim, eu preciso pagar minhas contas, mas também ajudar o outro”.
Para a empresária, falta ainda um movimento coletivo da cadeia produtiva. A demanda é grande, porém, ela lamenta não só a escassez de insumos para atingir a capacidade total da fábrica, mas também o reajuste do valor da matéria-prima e novas condições de pagamento impostas por fornecedores.
Segundo Mônica, a Avatim detectou um aumento de cerca de 20% nos insumos químicos, além da exigência do pagamento à vista dos pedidos, que nem sempre chegam completos. Em itens específicos para a produção do álcool em gel, a alta dos preços alcança 100%.
“Só posso produzir mais álcool em gel se tiver matéria-prima. Aumentar o preço e pedir pagamento dessa forma é colocar o outro contra a parede. A casa está cheia de pedidos, mas quando a gente vai para a cadeia de insumos vem o entrave. É um problema vergonhoso. Todo mundo tem que pensar na cadeia como um todo, senão esse álcool em gel não vai chegar”, pontua.
Não adianta só lavar as mãos para combater a pandemia, como a empresária ainda defende: “A maior lição disso tudo que está acontecendo é que vai ter um momento que muitos negócios vão ter que colocar esse sentimento de solidariedade para fora, principalmente repensando todos os seus valores e propósitos a nível de empresa e de lucro”, completa.
CINCO LIÇÕES DA CRISE DO CORONAVÍRUS PARA OS NEGÓCIOS
O que é essencial? “Era produzir álcool em gel ou deixar tudo isso aí parado”, pontua Mônica Burgos, sobre a decisão que tomou ao mudar 100% da operação da fábrica da Avatim. A necessidade cria a oportunidade.
Não demita Mônica insiste em destacar que nesse momento de crise o empregador deve evitar, ao máximo, aumentar os índices de desemprego: “Quanto mais desempregados na rua, menos gente na loja depois que essa crise passar”.
Entenda a mudança Não vai ser fácil. As empresas serão obrigadas a se reinventar. Não apenas seus processos, mas também seus valores e propósitos, a nível de lucro.
Pense em cadeia Para a empresária, não dá para focar apenas no seu negócio sem compreender o impacto da crise em toda a cadeia produtiva. “É pensar como um todo. Chegar junto, argumentar, contra argumentar, negociar e não colocar o outro contra a parede”, afirma.
Crie novas possibilidades A Avatim sempre teve lojas próprias e rede de franquias, mas decidiu abrir sua distribuição para farmácias e supermercados. A empresa não só focou toda sua produção no álcool em gel, mas também autorizou que as franquias ofertassem o serviço de delivery e vai colocar em operação sua política de e-commerce. “O caminho é transformar de imediato essas possibilidades em receita e garantir o pagamento das contas”.