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Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2020 às 08:14
- Atualizado há 2 anos
Pacientes, funcionários e familiares de enfermos internados no Hospital Santo Antônio, ligado às Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), relatam descaso da gerência da instituição com as medidas de proteção contra o novo coronavírus (Covid-19). O número de profissionais de saúde infectados pelo novo coronavírus no hospital subiu de 28 para 64, segundo dados divulgados pela própria unidade de saúde. Entre os pacientes, o total pulou de 27 para 30 casos confirmados, com duas mortes.>
De acordo com a bacharel em direito Mariana Alves, 29 anos, que é neta de um paciente internada no hospital, a família não recebe informações sobre o estado de saúde de sua avó de 88 anos, que está em isolamento após ter ficado internada na enfermaria Santa Clara no mesmo quarto com pessoas que testaram positivo para a Covid-19.>
A idosa deu entrada no hospital em 21 de fevereiro para tratar de uma infecção urinária e, de acordo com a família, ficou internada ao lado de uma paciente que possuía sintomas do coronavírus. Segundo Mariana, a mulher foi entubada dois dias após dar entrada na enfermaria. Há cerca de 15 dias, sete dos oito pacientes que estavam no quarto testaram positivo para a doença. A idosa foi a única que recebeu resultado negativo, disse a família.>
A família da paciente acredita que o hospital não tomou as precauções necessárias para coibir a disseminação da doença na unidade de saúde. “Quando os casos de coronavírus começaram a aparecer em Salvador, o hospital nos informou que ninguém seria transferido para lá. Mas todo dia chegava e saía gente. A gente pedia máscara e o hospital negava. Um dia chegou uma moça na enfermaria com sintomas do coronavírus, mas ela ficou no lugar sem usar proteção. Ela foi internada do lado da minha avó e do nada foi entubada no quarto mesmo”, relatou Mariana.>
Apesar de testar negativo, a avó da jovem está isolada no hospital. À família foi relatado que foi observada uma alteração na tomografia da idosa e, por isso, será necessário refazer o exame para o coronavírus. Segundo a família, o hospital não passa informações sobre o estado de saúde da paciente e ainda parou de permitir visitas na última segunda-feira (13).>
“Ontem [quarta], a família toda foi para o hospital para ter informações, só aí que deixaram uma prima minha visitar minha avó. Disseram que iam nos ligar todos os dias para atualizar a situação da minha avó, mas não ligam e, quando eu tento ligar, não me passam informações”, contou a neta da paciente.>
Uma paciente, que não quis se identificar, relatou ter ficado pouco mais de uma mês na enfermaria Santa Clara devido a um problema de pele. Durante o período ela relata ter sofrido com o descaso do Hospital Santo Antônio. Ela diz ter sido uma das únicas pessoas internadas na enfermaria a não contrair a doença.>
“Eu ouvia os comentários dos profissionais de saúde de que só três pessoas não tinham sido infectadas de cento e poucos leitos. Quando a contaminação começou na minha ala, eu pedia máscaras e eles diziam que não podiam me dar. Álcool em gel não tinha. Todo dia era um paciente novo isolado. >
De acordo com a paciente, o surto da doença começou no hospital há cerca de duas semanas. Mesmo com os pacientes doentes, as pessoas recebiam alta hospitalar sem fazer o teste para o coronavírus. “Eles queriam esvaziar a enfermaria. Depois que eu fiz o exame, me disseram que era para eu ir para casa, mas eu disse que ia esperar o resultado no hospital. Eles disseram que não iam se responsabilizar por mim, mas fiquei e só fui liberada na terça (14)”, contou a paciente que descobriu na segunda (13) que não tinha o vírus.>
Durante o tempo que passou internada, a paciente que não quis se identificar viu o número de profissionais que atuavam na enfermaria cair devido às contaminações pelo vírus. “Quando tive alta, só tinham três técnicos de enfermagem e uma enfermeira na enfermaria. No turno da noite, não tinha ninguém”, disse.>
Ainda de acordo com a paciente, os funcionários relatavam estar preocupados com a situação. “As pessoas que estavam cuidando da gente não tinham proteção. A proteção teve mesmo foi de uma semana para cá.Chegou a faltar máscara para os profissionais técnicos e eles ficavam sem luva até. Ali creio que muita gente foi contaminado por causa do descaso com o profissional e o paciente”, pontuou.>
O CORREIO conversou com um técnico de enfermagem que atua no setor de oncologia da Osid. Após trabalhar sem a proteção necessária, o profissional está afastado com suspeita de coronavírus. No setor de oncologia, a situação se complicou há cerca de um mês, quando o hospital decidiu transferir os pacientes com câncer para a enfermaria São Lázaro. >
“Minha enfermaria de oncologia é no segundo andar, mas tiraram todos os pacientes de lá e colocaram na São Lázaro porque disseram que a minha ia ser reservada para o coronavírus. Aí os pacientes da oncologia ficaram em um lugar com uma cama quase colada com a outra. A contaminação cruzada era certeza. Juntaram duas equipes de enfermagem, aí ficou aglomerado”, disse o técnico em enfermagem.>
O profissional relatou ainda que muitos colegas estão doentes e foram afastados. Com isso, quem ainda está no trabalho fica sobrecarregado. “Eu estou de atestado e não vou lá desde sábado, mas sei que muitos colegas ficaram doentes. O hospital começou a testar os profissionais nessa segunda”, disse.>
Ao total, foram testados 158 funcionários. Desses, além dos 64 diagnósticos confirmados, outros 64 foram descartados e 30 ainda aguardam resultados. No que diz respeito aos pacientes foram realizados 111 testes, 30 confirmados, 45 descartados e 36 ainda em avaliação. >
“Esse número elevado se deve a forma como estamos testando. Tanto funcionário quanto paciente, quando apresenta qualquer evidência de síndrome gripal a gente testa, não estamos esperando sinais mais graves. E estamos tomando todos os cuidados de afastamento desde o teste, com a regulação para outra unidade, se for confirmado”, explicou o assessor corporativo das Osid, Sergio Lopes>
O assessor afirmou que, além dos funcionários com diagnóstico e dos que ainda aguardam resultados, outros 189 membros da equipe foram afastados de suas funções independente de sintomas, por estarem nos grupos de risco para a doença. Contudo, segundo a Osid, este afastamento não está se traduzindo em mais horas de trabalho para quem está na ativa.>
“Realmente, temos algumas baixas desses profissionais que estão afastados por estarem doentes ou esperando resultados. Mas fizemos remanejamento de profissionais de outras áreas, como o ambulatório por exemplo, que está fechado, sempre com atenção aos treinamentos que tem sido uma constante. Essa ausência não se traduz 100% em sobrecarga para os que aqui estão, pelo remanejamento, e até pelo nossos processos de seleção que está sempre ativo”, esclareceu, reafirmando que todos os profissionais trabalham com todas as condições e equipamentos necessários. >
No hospital como um todo, os profissionais podiam perceber que não havia uma preocupação com o isolamento de pacientes com sintomas do coronavírus. “Teve paciente que chegou com suspeita do vírus e eles colocaram na enfermaria junto com todos os outros leitos. Agora, que passou na mídia, eles resolveram separar”, contou.>
Por dia, a gente devia receber quatro máscaras cirúrgicas, mas nem sempre o hospital tinha as quatro máscaras, contou o técnico em enfermagem. “Às vezes, ficava faltando luva e álcool em gel não nas enfermarias. O álcool normal também estava em falta”, disse.>
O assessor negou a falta de material. “Em nenhum momento tivemos falta de EPI, o que ocorre é que estamos seguindo rigorosamente as recomendações de uso desses equipamentos dadas pelos órgãos competentes. O que acontece é que alguns profissionais estão com medo e querem usar desenfreadamente os equipamentos, numa quantidade maior e a gente tá controlando para justamente não faltar”, explica Lopes, que ressalta que, ao iniciar a jornada, cada profissional recebe kit com os EPIs necessários e suficientes ao tempo de trabalho.>
Ao CORREIO, Lopes ainda destacou a preocupação com a possível interpretação das informações - e dos novos números - como a confirmação de surto na unidade. “A pandemia nos preocupa, sabemos que é algo que merece total atenção. Temos pacientes inclusive com fragilidade e, por isso, temos essa preocupação extrema com o risco que é para todos nós. Esse quadro de pessoas adoecendo está acontecendo em todos os lugares. Percebemos um medo e eu acredito que é importante que ele seja traduzido em cuidados. Então, quando se fala em surto, pode parecer que aqui temos um ambiente hostil onde não estão sendo tomadas todas as medidas necessários e isso não é verdade”, salientou.>
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela>