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Naiana Ribeiro
Publicado em 18 de março de 2019 às 06:12
- Atualizado há 2 anos
Em tempos em que as propagandas dizem o que precisamos, vitrines seduzem e influenciadores digitais impressionam com seus corpos esbeltos e padrões de vida quase que inalcançáveis, difícil mesmo é saber o que é essencial para nossas necessidades.
Na contramão, algumas pessoas decidem viver diferente e adotam o mínimo como estilo de vida. Mas o minimalismo não significa apenas ter menos coisas, mas, sim, viver em equilíbrio e somente com o essencial.
“Minimalismo é a busca da essência das coisas. É você encontrar o que é essencial e o que faz sentido pra você todos os dias. É o que a gente carrega dentro da gente. Tem a ver com esse sentido maior que damos para o que a gente faz, para os nossos passos todo dia”, explica a jornalista Ana Holanda, que nos últimos anos tem adotado essa simplicidade na sua rotina. Ana Holanda, 46 anos, tem 25 anos de jornalismo e é editora-chefe da revista Vida Simples desde 2011. Também é escritora e criou o projeto online Minha Mãe Fazia. Ana é professora e embaixadora da The School of Life no Brasil. Sua marca forte é o desenvolvimento de um texto leve e cheio de afeto. Em 2018, lançou o livro Como se Encontrar na Escrita - O Caminho Para Despertar a Escrita Afetuosa em Você (editora Rocco/Bicicleta Amarela) (Foto: Lúcio Telles/Divulgação) A escritora e professora esteve em Salvador na última semana para uma palestra a convite da Unijorge e falou justamente sobre a tal ‘busca do essencial das coisas’. “A gente não reconhece o extraordinário que habita nossa vida. O incrível está presente no ordinário, no cotidiano”, afirma. Confira entrevista.
Quando começou a sua busca pela simplicidade e pelo essencial das coisas da vida? Sempre fui grande observadora do mundo. O fato de não ter sido uma aluna brilhante na escola foi algo bom porque quando a gente não é brilhante, não se esperam grandes coisas da gente. Ter me esforçado para ser boa aluna me deu a liberdade para seguir pelo mundo sem ter um caminho de ‘sucesso’ ditado pelo outro. Me deu também a liberdade para observar o mundo e para perceber as coisas... Sentir cheiro, sabe? Muitas vezes a gente não tem noção do quanto isso é importante para despertar ideais, criatividade.
Teve algum divisor de águas nesse processo? O nascimento dos meus filhos. Sou mãe de gêmeos. Clara e Lucas, de dez anos, me fizeram despertar para o que estava na minha vida todos os dias e que eu não me dava mais conta. Às vezes, a gente perde esse contato com o que é simples, original. Um dia, voltando com eles a pé da escola, me perguntaram se eu percebia que a cada dia o sol está em uma posição do céu - ‘tem dia que está atrás de tal prédio, tem dia que está atrás de outro’... Presa nos meus problemas e dentro dos meus pensamentos, não me dava conta de que tem um universo ao meu redor acontecendo e que ele é muito rico. Hoje, falo muito para os meus alunos: observem o mundo. Saiam para caminhar, larguem um pouco o celular, sintam o cheiro das coisas, o vento bater. Isso é essencial até para o que vamos produzir no trabalho. E é aí que está a essência das coisas. É mais próxima do que a gente imagina. Os meus filhos me despertaram para esse 'simples'. Parece que gente vai perdendo o olhar delicado pro entorno, a conexão com a natureza... É como uma cegueira momentânea.
Minimalismo é desapegar de bens materiais? Está muito conectado com buscar essa essência das coisas. Minimalismo não é só ‘ter menos’ ou ‘viver com menos'. É encontrar o que faz sentido para você todos os dias. É o que a gente carrega dentro da gente. Tem a ver com esse sentido maior que damos pro que a gente faz, pros nossos passos todo dia. Só que muitas vezes a gente não enxerga o minimalismo. Enxergar o todo dentro do pequeno é perceber toda história que aquilo me conta. É esse olhar que a gente tem que despertar.Minimalismo é a busca do que é essencial, da felicidade, desse sentido diário pra vida
Então tem a ver com viver com menos obrigações e, portanto, ter mais tempo para aquilo que realmente nos traz felicidade? Sim, tem a ver com felicidade, encontrar um sentido para coisas que você faz. Pode ser viver com menos bens materiais ou não. É mais profundo do que a gente imagina. Tem a ver com pensar diariamente no que você está fazendo com a sua vida. Lucas, meu filho, me perguntou: ‘mãe, qual é o sentido da vida?’. Me pegou de surpresa, mas eu falei pra ele o que acredito: é algo que a gente tem que estar se perguntando todos os dias. Ao mesmo tempo, também é o sentido que a gente dá para nossa vida diaramente. A gente tem que entender que as coisas não são tão incríveis o tempo todo. Encontrar esse sentido é aprender a lidar com as dores e alegrias.Buscar essa essência nos faz refletir de forma mais profunda sobre nossas atitudes e como isso impacta o mundo e as pessoas ao nosso redor. A gente não está experimentando e vivenciando o mundo. Assim, não tem como entender a real essência das coisasComo saber o que é realmente necessário num mundo em que tudo gira em torno do consumismo? Isso, a escrita me ensinou. Para mim, é muito claro que a gente nunca produziu tanto conteúdo - e tanto lixo. Porque construímos narrativas que não conversam com o outro. Sempre pergunto para meus alunos: você vai colocar tempo e energia para algo que não marca as pessoas? Escrita é relação. Mas o que você aprendeu? Que escrita é técnica. A gente só consegue fazer um texto intenso quando existe essa ponte com o outro. As propagandas te dizem que você só vai ser feliz se fizer desse jeito, os influenciadores digitais e a mídia também estão dizendo que você precisa ter algo para ser feliz. Mas você tem que ir pelo caminho que faz sentido para você. É como nadar contra a maré.
Isso é bem complexo... Sim. E a gente não passa por esse processo sem olhar primeiro pra gente. Esse mergulho interno - de olhar para nossas dores, questões e entender o que faz sentido pra nós - é a viagem mais difícil que podemos fazer. Ao mesmo tempo, é o mais importante.Talvez seja mais fácil navegar pela superficialidade - pelo que dizem que você precisa ter para ser feliz - do que olhar para si. Mas, afinal, o que você quer para você?Quais dicas você dá para quem que ter uma vida mais minimalista? Como já falei, a vida minimalista é você se perguntar o que faz sentido pra você. A gente está em um momento de aprendizado sobre lidar com as emoções e saber ouvi-las. Falar de minimalismo é ter uma vida que esteja conectada com o que de fato você quer. Isso envolve tantas coisas! Envolve, inclusive, refletir sobre o que é sucesso para você.Para mim, esse termômetro não está só em fazer algo que eu perceba que dá sentido para minha vida e que transforma o outro. Também está no tempo que eu dedico aos meus filhos. No meu caso, ter uma vida minimalista hoje é poder buscar meus filhos na escola todos os dias - se possível, a pé.
A revista Vida Simples traz discussões muito contemporâneas - como essa do minimalismo. Como você trabalha a linha editorial? A Vida Simples tem uma produção de conteúdo muito focada no autodesenvolvimento. Propomos uma conversa próxima com o leitor através de assuntos essenciais na vida de qualquer um - ansiedade, angústia, amor, felicidade, gratidão, propósito, tolerância, etc. E a gente busca maneiras diversas de abordá-los. Trabalhamos com três pilares: ser, conviver e transformar. Se você pegar uma revista de cinco anos atrás, ela ainda faz sentido hoje. Isso é muito legal! Estou aqui há nove anos e a busca do que é a essência das coisas também está muito presente nela. Essa função me realiza muito, principalmente porque sei o quanto a publicação transforma a vida das pessoas. Cultivar a leveza: esse é o tema da edição da Vida Simples de março (Foto: Divulgação) A revista também traz o conceito minimalista nas capas. Como isso é pensado? Existem muitas conversas sobre como a gente vai traduzir esse conceito a partir do texto. Se a gente está falando de leveza, por exemplo, não dá para trazer algo duro. A gente pensa muito em como traduzir a ideia em um objeto ou cena. Falando da arte da Vida Simples, acreditamos que tudo conta uma história: as ilustrações, o branco da página...
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Essa é a sua segunda vez em Salvador. Qual é a sua relação com a Bahia? Já fui para outros lugares do estado, como Boipeba e Chapada Diamantina, lugar que passei oito dias caminhando. Uma lembrança boa é a de ver aquele horizonte tão amplo.A Bahia respira história. Tem a coisa da raiz, que é muito forte e pulsante. Tem a espiritualidade, as misturas de culturas, crenças... Gosto muito de vir para cá.Minimalismo na práticaPriorize Quais áreas mais merecem a sua atenção agora? Faça espaço para o que é realmente importante na sua vida. Traçe todas as áreas da vida em um papel e dê uma nota para seu estado atual de felicidade em relação àquela área. Depois, escolha quais serão suas prioridades. Pense em projetos para implementar em cada uma das áreas (casa, finanças, relacionamentos, vocação, lazer, saúde, social, etc).“Destralhe” Dê uma geral na sua casa e jogue fora, conserte ou doe tudo o que não tiver sido usado nos últimos 12 meses. Algumas vezes dá para dar novas funcionalidades para itens antigos.Compre menos Se pergunte: eu preciso mesmo disso? Tenho como fazer do zero? Posso reutilizar algo antigo? Na hora de consumir, pense melhor sobre quais objetos de fato farão diferença no seu dia a dia.Descanse Você não precisa ser produtivo o tempo todo, todos os dias. Tire um tempo para fazer o que te faz bem. Crie blocos de cuidados pessoais com antecedência e se comprometa com eles: faça exercício em paz, tire minutos de meditação por dia e/ou algumas horas de leitura no final do dia.Faça escolhas Nem sempre o nosso cérebro consegue abarcar dois pensamentos ao mesmo tempo. Decida quais são as tarefas mais importantes do seu dia e se concentre em uma de cada vez.Desconecte Deixe seu celular quieto por um tempo. Inclua mais momentos de leitura, exercícios do lado de fora e passeios divertidos na sua agenda.