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Gabriel Galo
Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 05:00
- Atualizado há um ano
Era a final dos sonhos dos organizadores. Das torcidas. Dos amantes do futebol e suas rivalidades locais. Está no palco mais alto possível a consagração final de um clássico maior, representação máxima de um povo que pode se dizer, sim, o país do futebol. River x Boca! Parem o mundo!
Acontece que olhar a grandiosidade no olho instiga o dilema da Esfinge de Tebas: decifra-me ou te devoro. Quem somos nós, afinal, na fila do pão? Presenciamos, no âmago das nossas idiossincrasias, o duelo incontornável entre o desejo do ápice e o garantido da posição atual. É, pois, aconchegante a pequenez, ainda mais quando arriscamos, Ícaros, a derrocada por querer demais. Permanecer pedra, acostando-se nas desculpas dos projetos não finalizados por obra de terceiros, é a instância onde operam os covardes, que se tremem ao poderem se fazer vidro.
Seria, afinal, o clássico dos clássicos. Não mais locais, mas globais, universais. Eternos. Imagine, portanto, perder neste cenário, com olhos e ouvidos atentos voltados àqueles dois jogos! Não seria mais uma partida, reversível no ano seguinte. Seria algo definitivo, gravado a ferro quente na alma. Aquele gerador de argumentos irrebatível: sou maior que você.
No quintal por onde operam os miúdos, o monstro da incivilidade se fez aflorar por medo da grandiosidade. Não seria suficiente ganhar. Era necessário aniquilar. Trucidar. E no inconsciente dos desejos incontidos, obtiveram o resultado desejado, disfarçado de amor à camisa.
Assim, no grito de quem confunde amor-aos-seus com ódio-aos-outros, a final de todas as finais tomou rumo estranho. Não mais Buenos Aires, mas Madri. A Madri da colonizadora. Esvaziou-se o grito incessante dos hinchas de arquibancada, embora estes mesmos, no espelho do querer-pero-no-mucho, provocaram a transferência.
Muito assunto para uma grande terapia coletiva.
Afora o aspecto futebol em campo – River é merecidamente o campeão pelo que jogou nesta final –, é um desfecho à altura dos anões de terno e caneta que desmandam no maior espetáculo da Terra e o diminui a algo insosso, sem pulso, de pecho frío. É, por certo, a exaltação da vergonha, da incompetência. Em vez de Quintero e Martinez, falaremos para sempre da Libertadores que deu errado. E que poderá abrir um precedente perigoso para decidir-se pela infâmia do jogo único.
Ademais, dirimiu-se qualquer possibilidade de ver efeitos positivos na estupidez da torcida única, este embuste que nos aprisiona numa bolha em que o contraditório é combatido a paus e pedras e mais. (Ficará a lição para os repetidores de estratégias estapafúrdias, como vemos, por exemplo, na Bahia? Até quando sancionaremos ações punitivistas fiando-nos apenas na crença da resolução autoritária?)
De cabo a rabo, de alto a baixo, trabalhou-se, pois, para apequenar a Libertadores. Não existe ápice sobre fundações em concreto-de-areia. Ao levar a cancha para o Bernabeu, provou-se que o clássico assumiu o tamanho dos propagadores de pretensas paixões clubísticas. Buenos Aires, a bela capital Argentina, ficou insuficiente para absorver tamanha e transbordante pequenez. O baque será superado, por supuesto. Até lá, no entanto, doerá fundo na América-Colônia.
O reflexo esfíngico do espelho gritou de volta àqueles que ousaram se olhar: reduzam-se, pois a grandiosidade não lhes cabe. Decifraram-se e obedeceram.
Gabriel Galo é escritor