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Gabriel Galo
Publicado em 17 de setembro de 2018 às 13:29
- Atualizado há 2 anos
Eram corridos 27 minutos do segundo tempo do jogo entre Vasco e Flamengo, no Mané Garrincha, na inóspita Brasília. Bruno Silva, volante cruzmaltino, se choca com Luiz Gustavo, seu companheiro de equipe. Cai violentamente, desacordado. Preocupação toma conta.
A equipe médica é prontamente acionada. Imobiliza o atleta, cuidado especial com sua coluna cervical. A ambulância de plantão corta o gramado para levá-lo ao hospital mais próximo. Tudo pronto, o motorista liga o motor e... nada. Ele fica apreensivo. Até que chama os jogadores e pede uma forcinha. Literalmente. Sete jogadores se prontificam a empurrar a carreta da emergência, como se fosse um carro velho engasgado e afogado. Pega, motor ou tração, e sai, para acenos e sorrisos dos envolvidos. Segue o jogo!
Segue, o show tem que continuar, mas com asteriscos de atenção. Atentemos para o conjunto da obra do pobre rico futebol brasileiro.
Inegavelmente, o faturamento de todas as equipes cresceu vertiginosamente nos últimos 10 anos. Tanto que o dinheiro despejado pela extinta MSI parece troco em moeda de hoje. O que se vê, no entanto, é um futebol atrasado, contrastando com os cofres que ostentam a façanha de estarem ao mesmo tempo cheios e combalidos. Somos, afinal, um país de incongruências.
Pois, sim, evoluímos. Não vou aqui destilar um saudosismo vazio, anunciando ao léu as delícias da “minha época”. A questão é que precisamos parar para analisar se andamos efetivamente para frente. Se evoluímos nos itens certos. Ou se a obra completa compensa.
No festival de incongruências que é o futebol, o certo disfarça o erro, com quem dorme na mesma cama. E a pretensa evolução veio na base do dinheiro que jorra, não de uma moral caminhante. Há benefícios e controvérsias quando o fato gerador é o vil metal (ou pior, quando é tarde demais). Lembremos o que diz o ditado: “conheci um homem tão pobre, mas tão pobre, que só tinha dinheiro”.
Por um lado, os CTs e centros de preparação de atletas não devem nada aos principais campeonatos do mundo. Os atletas criados, por outro, como bem descreveu Tostão em sua coluna na Folha de S.Paulo de ontem, perdem qualidade técnica por uma prática baseada em chutões.
Enquanto as arenas modernas de Copa do Mundo proporcionam uma experiência de espetáculo para o torcedor, isolam os mais pobres, amontoam dívidas impagáveis por contratos superfaturados, são desnecessárias em alguns locais e exibem gramados vergonhosos.
Gestores escoam pelo ralo a conta em salários estratosféricos em refugos sem mercado na Europa e pernas de pau, procurando satisfazer a sanha da torcida mal-acostumada. Tanto que se questiona a gestão do Flamengo, que sana as finanças do clube, mas não gera frutos em campo com títulos. Austeridade é bom, desde que seja a dos outros.
E nem vou me alongar tanto perdendo letras com a Seleção Brasileira e seus amistosos sem valor, seus convocados alienados, e com diretoria da CBF envolta num turbilhão de corrupção.
No que a ambulância apelando ao método arcaico de ignição é apenas mais um episódio da esquizofrenia que é o futebol. Felizmente, um de escárnio, que nos faz rir. É cômico e trágico. Bom e ruim, e por isto, maravilhoso. Tudo ao mesmo tempo.
Gabriel Galo é escritor.