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Carol Aquino
Publicado em 1 de dezembro de 2017 às 03:00
- Atualizado há 2 anos
A maioria da população em situação de rua em Salvador acabou usando a via pública como espaço de moradia por falta de dinheiro. É o que aponta uma pesquisa realizada pelo Projeto Axé em parceria com a Universidade federal da Bahia (Ufba), com o Movimento Nacional da População Rua e com a Defensoria Pública da Bahia. O estudo “Caracterização das Situações de Violações de Direitos: Mapeamento e Contagem da População em Situação de Rua na Cidade do Salvador” fez uma pesquisa por amostragem de várias características sócio-demográficas e de vida mesmo.
Na pesquisa, foi identificado que 44,5% foi procurar sustento para si mesmo, 28% foi procurar sustento para a família e 13,5% porque ficou desempregado. “Isso mostra que as condições econômicas continuam a ser os grandes motivos de as pessoas irem para as ruas. A pessoa não tem condições de se sustentar, de ter dinheiro para comprar comida, de prover moradia para si e para sua família”, afirma Juliana Prates, coordenadora acadêmica da pesquisa. “A gente percebe que com a crise econômica no Brasil, aumentou a população de rua. Como a maioria da população em situação de rua é homem (82,6%), a gente ainda tem uma questão machista na sociedade, de o homem ser provedor da família”, completa Juliana Prates, que é doutora em Psicologia.Foi após perder o emprego de motorista de ônibus que Jedilson dos Santos, 35 anos, foi parar nas ruas do Aquidabã. Sem dinheiro e sem família na capital baiana, a rua virou sua morada. “Fico ali no Aquidabã, que é onde as equipes de abordagem passam”, disse, se referindo às equipes de abordagem social de ONGs e órgãos públicos que fazem atendimento à população de rua. Juliana Prates, coordenadora acadêmica da pesquisa, apresentou os resultados (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) É ali que ele providencia a alimentação diária. “Os colegas sabem onde arranjar comida”, conta, se referindo às pessoas com quem divide um canto na área próxima ao Centro Histórico. A “galera”, como ele mesmo chama, sabe onde tem uma porta aberta e um coração caridoso. Sabem que dia tem sopa de um projeto social, um restaurante ou uma igreja que doa um almoço e vai escapando da fome. E foi através da doação da sopa e que foi acolhido pelo projeto Corra Pro Abraço, e hoje ele procura uma vaga num abrigo e se prepara para voltar ao mercado de trabalho. Clique aqui para ler o perfil de Jedilson.
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Período A pesquisa foi realizada entre janeiro e novembro de 2017 e estimou que existem entre 14.513 e 17.357 pessoas em situação de rua na capital baiana. Foi entrevistada uma amostra de 1.447 pessoas, de várias idades, gêneros e cor da pele e feito um relatório que caracterizou os modos de vida e da população de rua em Salvador. Os dados apontaram que 58,2% se declararam negros/pretos, 34,6% pardos, 5,5% brancos, 0,8% amarelos e 1% indígenas.
No relatório, foi constatado que a maioria da população de rua de Salvador é formada por homens (82,6%). As mulheres compõem 15,9% deste grupo e 1,5% queer. Um fato inovador na pesquisa foi não considerar apenas a divisão de gênero tradicional, de masculino e feminino, mas também pessoas intersexuais e homens e mulheres transexuais.
Da população queer, 83,3% se prostituiu nos últimos seis meses, enquanto entre as mulheres essa porcentagem é de 12,17%; entre os homens, 7,6%. Brigas de família e vício Ao contrário do que o senso comum pode supor, não é o vício em entorpecentes o principal motivo do uso de logradouros públicos como casa. Antes dele, há ainda 29,4% da população de rua de Salvador que afirma ter chegado a esta situação por causa de conflitos familiares, 25,3% foi para rua procurar diversão/ liberdade. Somente 19,9% dos que ocupam as ruas de Salvador admitem ter chegado lá por conta de problemas com drogas e outros 6,2% envolveram-se em conflitos por causa do tráfico.
Outros 9,9% apanhavam em casa, 8% foram para a rua em razão da morte dos pais ou de um dos dois, 7,5% abandonou a residência em virtude de separação do companheiro(a), entre outros motivos.
Também contrariando o que se imagina, a maior parte da população de rua procura alguma forma de se sustentar. A pesquisa demonstrou que 97,5% dela realizou pelo menos uma atividade de geração de renda nos últimos seis meses: 60,4% afirmou fazer bicos, 43,6% disseram trabalhar com atividades de reciclagem; 31,3% relataram como carga e descarga como baleiros, e mais 30% vigiou carros ou atuou como flanelinha. “Ao contrário do que se pensa, a população de rua não está sem fazer nada”, comenta a coordenadora acadêmica do estudo, Juliana Prates.Lixo e suicídio Nesta parcela dos moradores da capital choca saber que 26,1% mexeu em lata de lixo procurando comida e outras coisas, e 25,7% pediram comida, mostrando que a fome é um sério problema vivido pela população de rua. Para os que admitiram viver em situação de atividades ilegais, 9,4% entregou ou vendeu drogas, 9,2% furtou alguém e 6,4% assaltou.
De toda a amostra, 43,3% apresentavam indícios de ser portador de transtornos mentais comuns e 25,6% da população de rua de Salvador admitiu que tem pensado em se matar.
Quem vive em vias públicas tem tendência a sofrer de problemas de saúde, pois apenas 9,7% da amostra entrevistada não apresentou nenhum dos problemas de saúde citados pelos entrevistadores. Os mais frequentes são dependência química (56,3%), problemas dentários (51,9%) e dores no corpo (45,5%). Quanto ao consumo de substâncias psicoativas, as de uso mais frequente são álcool, tabaco e maconha.