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Gil Santos
Publicado em 1 de abril de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Estudo realizado em parceria por três universidades baianas e divulgado nesta terça-feira, 31, aponta que a quantidade de infectados pelo novo coronavírus na Bahia vai aumentar nos próximos dias, mas pode triplicar se a população abrir mão das medidas de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) informou que até às 17h desta terça-feira, 217 casos da Covid-19 foram confirmados no estado. Segundo as projeções, com o isolamento, nos próximos dez dias, a Bahia terá 258 pessoas com a infecção, em 22 cidades. Sem o isolamento, o número de doentes salta para 786.
Os pesquisadores consideram como medida de isolamento principal a restrição do fluxo de pessoas entre os municípios. O levantamento foi feito com base em um estudo matemático e usando dados das secretarias de saúde do estado e das cidades, e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O nível de confiabilidade da pesquisa é de 95%.
Segundo o professor titular da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e coordenador do grupo técnico responsável pela pesquisa, Washington Rocha, restringir o fluxo de pessoas transitando de um município para outro é fundamental na luta contra a disseminação do novo coronavírus.“Sem essa supressão de fluxo, a propagação do vírus será maior. A base de dados usada é a do IBGE, um trabalho publicado em 2016 que apresenta o fluxo entre os municípios da Bahia. Solicitamos dados mais atualizados do governo e estamos aguardando. Já os dados de contaminação são os divulgados nos boletins da Secretaria de Saúde”, disse.Rocha é pesquisador em Geotecnologias do Programa de Pós-Graduação em Modelagem da Terra e do Ambiente da Uefs e está trabalhando em parceria com pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). São cerca de 30 profissionais voluntários das áreas de saúde, epidemiologia, computação, ciência de dados e geoprocessamento, entre outros.
Com base no estudo, eles criaram uma ferramenta que apresenta as projeções de infectados para os próximos dez dias na Bahia e por municípios. O modelo matemático epidemiológico usado é do tipo SIR, e a estimativa de propagação dos casos é feita com base na rede de fluxo entre as cidades. A plataforma considera dois cenários. No primeiro, não há isolamento entre os municípios e a redução é de apenas 30% no trânsito de pessoas. No segundo, a redução é de 80% entre as cidades e de 50% no interior delas.
Salvador lidera o ranking nas duas situações. Caso o governo do estado mantenha a rodoviária fechada e as políticas de isolamento, e a prefeitura siga pelo mesmo caminho, a cidade deve registrar até 179 infectados nos próximos dez dias. Sem as ações de isolamento, serão 524 doentes. Nesse segundo modelo, Lauro de Freitas (56), Porto Seguro (50), e Feira de Santana (45) aparecem logo em seguida.“O objetivo da ferramenta é informar a população, gestores e a comunidade acadêmica sobre a evolução de casos confirmados na Bahia e nas cidades baianas, com e sem isolamento social, para que eles possam entender a importância do isolamento e tomar decisões munidos de mais informações”, afirmou Rocha.O serviço está disponível no site portalcovid19.uefs.br.
Bairros
Outro estudo, esse realizado por pesquisadores da Ufba, aponta oito bairros em Salvador que estão mais suscetíveis à disseminação do novo coronavírus. Foram listados Tororó, Vila Canária, Santa Cruz, Pirajá, Nova Constituinte, Santa Luzia, Boa Vista de São Caetano e Sussuarana. A análise cruzou o fluxo das viagens por meio do transporte coletivo com os indicadores socioeconômicos de cada lugar.
O boletim divulgado nesta terça-feira, 31, pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) mostra que Salvador tem 44 bairros com casos confirmados. São Caetano é um deles. Na cidade, já são 127 doentes.
O CORREIO percorreu os bairros listados pela Ufba e encontrou parte do comércio aberto, mas as lojas com mais de 200 metros quadrados fechadas, como manda o decreto da prefeitura. O fluxo de pessoas nas ruas era intenso e havia aglomerações nas partidas de dominó, nas filas do banco e nas reuniões de vizinhos na porta das casas. Para a diarista Eliana de Souza, 38 anos, tudo isso é um perigo.“A recomendação é evitar aglomeração porque o vírus se propaga muito facilmente, então, as pessoas deviam sair de casa para fazer apenas o necessário. No meu caso, que tenho dois idosos em casa, o cuidado é ainda maior”, disse.Já o mecânico Nilton Bonfim, 46, discorda. “A gente precisa evitar sair muito de casa, mas também não é para tanto. Estão fazendo muito alarde”, disse. Santa Cruz também está na lista de 8 bairros mais vulneráveis à Covid-19 (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Pesquisa
Para chegar aos resultados dois oito bairros mais vulneráveis, os pesquisadores associaram o perigo potencial de disseminação da doença a quatro índices: o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, o Índice de Vulnerabilidade Social, a densidade de ocupação domiciliar e a vulnerabilidade ao abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequado.
Um levantamento realizado pelo CORREIO apontou que nos últimos seis meses Salvador teve sete interrupções no abastecimento de água. Na semana passada, a médica sanitarista e professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Elaina de Paula, disse que o água e sabão são essenciais no combate à disseminação do vírus e recomendou que as pessoas não usem água que apresente coloração ou odor.
Sobre o uso do transporte público, apontado na pesquisa como um fator de disseminação do vírus, a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) informou que não tem dados de usuários por bairro. Em números gerais, cerca de 1,3 milhão de pessoas usam o sistema todos os dias, mas desde que a quarentena começou, esse número caiu para 300 mil/ dia.
O professor e engenheiro de Produção Jorge Ubirajara Pedreira Júnior é um dos pesquisadores que integra a equipe e explica os principais fatores que determinam a maior vulnerabilidade para contaminação pelo novo coronavírus nestes bairros. O estudo levou em consideração os 10 primeiros bairros que apareceram no ranking diante de quatro indicadores: riscos associados a condição social, a densidade domiciliar, ou seja, a proporção de indivíduos por cômodo, o Índice de Desenvolvimento Humano do município (IDH) e a falta de abastecimento de água e esgotamento sanitário adequados.“São indicadores que permitiram que o estudo identificasse os locais com maior perigo potencial e com isso fornecer ao poder público o conhecimento científico necessário para subsidiar estas decisões política e estratégica. Toda cidade necessita de atenção neste momento, mas esses são bairros que merecem uma atenção maior”, afirmaAinda de acordo ele, bairros populosos como Paripe, por exemplo, não entraram no topo da lista, porque o alerta da pesquisa foca nas áreas que tem menos resiliência para enfrentar a crise. “A característica principal desta crise é a restrição, como a falta de leitos, por exemplo. Como esses recursos precisam ser priorizados? Que áreas irão precisar mais deles? Onde vai ser necessário aplicar mais testes rápidos e será necessário adotar mais medidas de restrição de fluxos? Esta é a principal contribuição do nosso trabalho”, pontua.
Se as áreas que sofrem com falta de água e saneamento serão as mais atingidas, de que maneira a população que mora nesses bairros pode diminuir o risco? Para o também professor e geógrafo pesquisador em Análise Espacial e Sensoriamento Remoto, Julio César Pedrassoli, tudo vai depender de medidas especiais focadas nesses bairros.
“Todos estão em riscos sejam os bairros mais ricos ou mais pobres. O fato é que estas áreas mais carentes são lugares onde esses problemas sempre existiram. É por isso que insistimos em um olhar mais enfático para essa camada da sociedade. São locais onde o vírus amplifica, amplia problemas que já eram bastante conhecidos e por isso podem responder por um maior volume de contaminação. São lugares que ações do poder público precisam ser ainda mais efetivas”, afirmou.
Medidas adotadas na Bahia para conter a Covid-19:*14 de março – Prefeitura anuncia a proibição de eventos com mais de 500 pessoas na capital, por tempo indeterminado, e a suspensão de viagens internacionais para os servidores;
*16 de março – Prefeito ACM Neto determina a suspensão das aulas da rede municipal e particular da cidade, por 15 dias, o fechamento de parques públicos e a suspensão de férias e licenças de profissionais da saúde, guarda, Semps (Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza) e Defesa Civil;
*17 de março – Universidades de Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro suspendem as atividades;
*18 de março - Prefeito ACM Neto anuncia em entrevista coletiva o decreto que determinou o fechamento dos shoppings centers por 15 dias desde 21 de março. Academias, cinemas e teatros também foram fechados. Ufba decide suspender as aulas por tempo indeterminado;
*18 de março – Nesse mesmo dia, o governo Rui Costa solicita à Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) e à Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) que todos os voos internacionais, assim como os com origem ou destino de São Paulo e do Rio de Janeiro fossem suspensos na Bahia;
*19 de março – Governador Rui Costa decreta a suspensão das aulas na rede estadual e privada da Bahia;
*20 de março – Os Terminais Rodoviários de Salvador, Feira de Santana, Porto Seguro, Prado e Bom Despacho (Ilha de Itaparica) são fechados por determinação do governo do estado;
*20 de março – O funcionamento do ferry-boat e das lanchas para Vera Cruz sofre redução de 30% e altera horários para evitar aglomerações. Suspenso o transporte hidroviário para Morro de São Paulo e Barra Grande;
*21 de março – As praias do Farol da Barra, Porto da Barra, Rio Vermelho, Piatã, Itapuã e Ribeira foram fechadas ao público por 15 dias.
*25 de março – Publicado decreto municipal determinando o fechamento dos salões de bares e restaurantes em Salvador, por 15 dias. Os estabelecimentos são autorizados apenas a vender comida para viagem e oferecer delivery. Outros decretos proíbem o funcionamento de igrejas, salões de beleza, academias de condomínio e obras particulares que não sejam essenciais, por 15 dias.
*27 de março – Prefeitura determina a suspensão das atividades do comércio de rua de Salvador com área superior a 200 metros quadrados. A princípio, a determinação vale até o dia 4 de abril, quando também acaba o decreto que fechou os shoppings;
*30 de março – Prefeitura divulga o balanço da operação de fiscalização e informa que 85 estabelecimentos comerciais foram interditados e outros 32 perderam a licença por descumprir os decretos.*Colaborou Priscila Natividade