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Fernanda Santana
Publicado em 5 de julho de 2020 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
A área de preservação ambiental conhecida como Parque Municipal do Boqueirão, no Vale Caeté-Açu, no Capão, distrito de Palmeiras, na Chapada Diamantina, poderá ter quase 70% do seu tamanho cortado. O espaço protagoniza a maior disputa recente da história da região, devido à ocupação de acusados de grilagem nos limites do Parque - que tem, hoje, 153 hectares, e pode ficar com 52. Uma empresa de consultoria ambiental já fez o novo traçado e entregou à prefeitura.>
O receio de nativos e moradores é de que tenha sido aproveitado o contexto da pandemia de covid-19 para solicitar uma recontagem do local, transformado em parque por meio do decreto nº 224, de 2015, para atender aos interesses de posseiros. No levantamento recente, o Boqueirão perde o equivalente a 100 campos de futebol. >
O CORREIO denunciou, em setembro do ano passado, um nativo, identificado como José Mariano Batista de Souza, acusado de cercar a área pública para comprovar posse, ameaçar a vizinhança - chegou a cortar o abastecimento de água em uma comunidade chamada Campina -, promover incêndio, ser multado por crime ambiental e não comprovar, efetivamente, ser dono da propriedade dentro do Boqueirão. Ele mora em uma casa à oeste do Parque.>
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Diminui ou não? O novo cálculo começou a ser feito há menos de um mês. No dia 19 de junho, foi concluído e entregue à prefeitura. A empresa Mais Ambiente confirmou, oficialmente, ter sido contratada pela gestão municipal. Mas, disse que a área reduzida no projeto fazia parte, na verdade, do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Daí a necessidade de um corte. >
Isso não corresponde aos números especificados nos mapas. Um funcionário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelo Parque Nacional, disse, sob anonimato, que a questão foi resolvida ano passado.>
Tivemos acesso à imagem que mostra a possível nova configuração do parque. O Ministério Público (MP) foi acionado. Até a publicação desta reportagem, não atendeu. >
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (Sedesp), gestora do Parque do Boqueirão, negou, por meio do secretário Jenivaldo Vieira dos Santos, ter pedido a recontagem .>
O representante da empresa contratada, Fábio Oliveira, afirmou ter contato com o prefeito Ricardo Oliveira Guimarães (PSD) sobre o pedido. O gestor respondeu, sem especificações sobre o possível corte: “A parte técnica ainda está em estudo, em levantamento. Então, não podemos te dar uma resposta concreta se vai ou não mudar. Depende de uma série de coisas”. E pediu que entrássemos, novamente, em contato com Jenivaldo.>
Assim fizemos, e o secretário negou, mais uma vez, ter conhecimento da análise. Os nativos, anonimamente, relataram a existência de cercados no parque, uma possível evidência de tentativa de loteamento e venda. >
Acusados de grilagem "não concordavam" com medição>
A solicitação de um novo estudo topográfico, falaram fontes envolvidas no caso, foi pressionada pelos posseiros, inconformados com a legalidade do decreto que transformou à área vizinha à maior nascente do Riachinho em espaço preservado. Ninguém respondeu, ao certo, quanto de área foi vendida e quanto está ocupada. >
Os posseiros “não concordavam” com a primeira medição feita e teriam pedido que a empresa contratada para o segundo trabalho não fosse a mesma. A prefeitura nega.>
A tentativa é invalidar o decreto, suspeitam as fontes ouvidas. Isso poderia ser feito a partir da elaboração e aprovação de um Projeto de Lei (PL). Judicialmente, a tentativa de derrubar o decreto já havia sido feita. >
Em fevereiro de 2017, quase dois anos depois da transformação da área em espaço de proteção ambiental, Adaíldes Neves, prima de Mariano, e seu marido, Afonso, moveram processo na Vara de Iraquara, também na Chapada, para questionar o decreto. >
Ela diz ser dona de uma área de 56 hectares que foi transformada em parque. O primo, Mariano, doou a terra um mês antes do decreto municipal e afirmou se tratar de uma herança da sua “falecida mãe”. >
A mãe, no entanto - como mostramos na última reportagem - segue viva, responde por Clarinda e reside nos Campos, comunidade vizinha. Em nenhum dos casos, houve documento para comprovar posse. Estrada aberta na área de proteção (Foto: Leitor CORREIO) Na última semana, ligamos para o advogado de Mariano, Alexandro Souza. Ao ouvir o assunto da nova matéria, ele disse que o cliente não solicitou nova medição, mas que “o município reconhece que, de fato, existiam posseiros na área onde o parque foi criado”. “Nossa visão é que foi um parque criado para favorecer uma especulação imobiliária para ricos e brancos que querem criar um Capão elitizado. Se alguém pode ter pedido pode ter sido Dona Adaildes, que é dona dos hectares de terra”, respondeu. A defesa de Adaíldes foi acionada por ligação e mensagem, mas não atendeu até o fechamento da publicação.>
Desde 2015, quando surgiram as primeiras denúncias de ocupação do Boqueirão, o Parque é alvo de operações. No dia 19 de abril do ano passado, a construção irregular de uma casa dentro da área pública foi embargada, em uma ação entre a prefeitura, o ICMBio, a Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental e a Guarda Municipal. Operação impediu obra de casa que começava a ser construída no Boqueirão (Foto: Divulgação) Há suspeita de que a venda de lotes é voltada para turistas em trilhas para Lençóis, Morrão, Águas Claras, Barro Branco e Guiné, dentro do Boqueirão. O advogado de Mariano nega as acusações.>
Prazos de regularização não foram cumpridos>
No Coreto do Vale do Capão, nativos, moradores, o promotor Augusto César Matos e representantes da prefeitura discutiram a situação do Parque Municipal do Boqueirão, no dia 6 de junho de 2019. Ficou, naquela ocasião, firmado o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com sete compromissos estabelecidos. A regularização fundiária - com expulsão de posseiros e grileiros -, prevista para os 12 meses seguintes, não aconteceu.>
A pandemia é usada como justificativa para o descumprimento dos prazos. As medidas de restrição da Chapada começaram em março. Havia prazos para os três, quatro e seis meses depois de junho, a contar da celebração do TAC.“Pela questão da pandemia está tudo parado. Uma coisa implica a outra”, defendeu o secretário da Sedesp. Em setembro passado, o advogado Dival Gama foi contratado pela prefeitura para acompanhar as questões judiciais da Sedesp. Inclusive, o cumprimento do TAC e dos imbróglios em torno do Boqueirão. Ele afirmou ter pedido ao MP que enviasse informações sobre quantos posseiros há na região - para desapropriação ou indenização. “Mas não tive resposta. As duas últimas reuniões que fizemos foram de ajustes de prazos, mas posso te dizer que estamos caminhando em relação a isso”, disse.A reportagem tentou contato com o promotor que acompanha o caso, via e-mail, mensagem e ligação. Sem retorno.>
Pouco menos de duas semanas antes da eclosão da pandemia na Bahia, foi solicitado um novo levantamento no Boqueirão para tentar descobrir quantas pessoas ocupam o local e quantas dizem ser donas de terra na região. Não houve definições. “Nossa discussão nem era, nunca foi, diminuir, mas aumentar a área. Se pudesse aumentar, a gente aumentaria”, complementou o advogado. >
O município de Palmeiras possui o maior número de parques da Chapada. São quatro: além do Boqueirão, Parque do Pai Inácio, do Riachinho e Monumento da Carrapeta. >