Acesse sua conta

Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Recuperar senha

Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Dados não encontrados!

Você ainda não é nosso assinante!

Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *

ASSINE

‘Não ia escrever Nega do Cabelo Duro nos dias de hoje’, diz Luiz Caldas

  • D
  • Da Redação

Publicado em 21 de julho de 2019 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Luiz Caldas é pioneiro e, ainda assim, o caçula de sua geração. No Carnaval do ano que vem completa 50 anos de carreira com a impressionante marca -- até aqui -- de 110 álbuns gravados. Noventa deles só nos últimos oito anos, quando iniciou uma cruzada para catalogar o máximo de estilos musicais existentes.

Tem valsa, forró, jazz, samba, merengue, bossa nova (com uma recente homenagem póstuma a João Gilberto) e um CD de rock para ser lançado nos próximos dias. Aos 56, Luiz diz ter mais orgulho deste inventário musical do que da criação do Axé, em 1985."No Axé, eu fui um bandeirante. Abri um caminho no meio do mato com um facão na mão. Isso ninguém vai mudar. Tá na história. Agora, esse é um projeto de uma maturidade musical maior. É um projeto pensado, planejado, que me deixa vivo, acesso, atual", afirma.A produção é tão longeva quanto precoce. Começou a cantar aos sete anos em bailes no interior do estado. Aos 10, já não morava mais com os pais. Seis anos depois já despontava em cima do trio elétrico.

Estourou nacionalmente aos 22. Tanto tempo em exposição provoca uma confusão frequente. Embora tenha atraído holofotes muito antes, Luiz Caldas é 11 anos mais novo que Bell Marques, ex-Chiclete com Banana, e nasceu seis anos depois de Durval Lélys, do Asa de Águia. É o mais velho na estrada, embora seja também o mais jovem na régua etária.

O 'pai do Axé' recebeu este colunista em sua casa um dia depois da eliminação do Bahia nas quartas de final da Copa do Brasil. Torcedor declarado, brincou com o fato de, mesmo com a derrota, o Esquadrão "está numa situação bem melhor que a do Vitória (risos)"; e lançou também uma metáfora lúdica que cabe tanto ao futebol quanto ao movimento do qual assina a certidão de nascimento -- embora não de batismo.

"Fazer futebol sem grana é brincar sem o brinquedo. Tem que ter muita imaginação". Foto: André Uzêda Quando o Axé completou 15 anos, em 2000, Luiz Caldas deu uma entrevista à Folha de S. Paulo dizendo se tratar de um movimento "com mais empresários do que músicos". Quatorze anos depois, as palavras estão mantidas."O Axé Music ficou pousado, durante muito tempo, num esquema muito escroto de corrupção. E quando você paga pra tocar determinada coisa, você tá atrapalhando o rumo natural e seletivo que o próprio povo faz. Muitas vezes a mídia empurra determinado artista guela abaixo e o público acaba tendo que engolir mesmo", pontua.Batizado, racismo e política Luiz é o pai, mas não batizou a criança. O movimento surge com o nome "deboche", uma sugestão do percussionista Tony Mola, do Acordes Verdes. E veio acompanhado de um combo sonoro: "Fricote" é a música de maior sucesso e "Tititi" a dança, com um rebolado sensual.

Coube a Hagamenon Brito, crítico musical e editor do CORREIO, renomear de "Axé Music", a partir de um chiste zombeteiro pela excentricidade dos músicos. Passadas quase quatro décadas, Luiz lamenta. "Ainda preferia o nome deboche. Não gosto dessa nossa mania de colocar em inglês coisas que são efetivamente nossas".

Embora tenha sido o sucesso mais estrondoso do disco Magia (1985) e arrastado uma legião de fãs, a música Fricote trouxe a reboque muita polêmica. O verso "Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear" foi rechaçada pelo Movimento Negro com acusações de injúria racial.

Naquele mesmo LP, nos agradecimentos da contracapa, Luiz homenageia as quatro partes do seu coração -- entre elas, "os negros da Bahia". Foto: André Uzêda "É uma música escrita dentro de um contexto, onde havia Os Trapalhões, onde estas discussões não estavam tão debatidas, tão claras. Não ia escrever Nega do Cabelo Duro nos dias de hoje. Nem eu e nem meu parceiro (Paulinho Camafeu). Se eu escrevesse haveria motivo de reclamar, porque há todo um trabalho sendo feito pra que as pessoas tenham noção que racismo é foda e que existe. Então eu não iria colaborar contra isso. O racismo é muito escroto e é terrível. E o Axé Music é uma música muito mais negra do que qualquer coisa. E, na sua essência, o negro, ainda hoje, clama por liberdade".

Os temas sociais estão, hoje, muito presentes nas letras e no discurso de Luiz Caldas. Ele lembra que nos primórdios do Axé já havia gravado 'Atual Realidade' (Desmatar florestas fazer queimas / É burrice, não tá com nada (...) Eleger um cara que só dá mancada / É burrice, não tá com nada), no entanto, seu repertório crítico atual é muito mais ácido, profundo e denso.

É, por exemplo, um crítico atroz da idolatria aos políticos."Eu não tenho que gostar de um dirigente A ou B. Eu tenho que exigir que ele faça o trabalho dele. Quando eu gosto de alguém, eu não estou qualificando se essa pessoa é boa ou não naquilo que faz. Eu simplesmente gosto. No campo da política a avaliação tem que ser mais técnica. E tem o lado do político também, que quer herói, quer ser artista. E ele não é. Claro que com grandes feitos se adquire notoriedade. Mas o que acontece é que, como na música, muitas vezes se quer fazer uma grande produção para esconder a fraqueza cultural. E aí as pessoas ficam embebidas pelo palco gigantesco, mas a gente nem houve direito o que a pessoa tá cantando".Luiz revela que não votou em Jair Bolsonaro (PSL) nas últimas eleições presidenciais e defende maior investimento para a educação e cultura no país. Critica as diversas formas de discriminação e lembra já ter sido vítima de preconceito no Sul-Maravilha, no início da carreira."Teve um piloto, num voo de Ilhéus para Salvador, que se recusou a decolar enquanto eu não calçasse meu sapato. O Brasil todo sabia que eu andava descalço pelo país, como uma marca minha. Aquilo era puro preconceito", relembra.Biografia Com uma rotina de exercícios diários e cuidados meticulosos com a voz, Luiz Caldas refuta retrospectivas e prefere projeções. "Ainda tem muita coisa boa pra acontecer".

Há dez anos, o jornalista, escritor e compositor César Rasec publicou uma biografia do cantor, mas Caldas diz que a obra já nasce incompleta."O trabalho dele foi muito cuidadoso, com rigor nas informações. Mas tá muito cedo ainda pra uma biografia. As coisas mais interessantes tão começando a rolar por agora. Eu quero produzir muito, fazer muito. Sem prazo de validade. Só data de fabricação".Ao fim da conversa, Luiz pediu ao neto Luiz Vicente ajuda para ligar a Smart TV. Colocou no YouTube e selecionou uma apresentação do cantor americano Dennis DeYoung, de 72 anos, com o hit "Babe".

"Quero chegar assim. Completar 80 anos com uma voz dessa. E vou chegar".