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Marcio L. F. Nascimento
Publicado em 15 de agosto de 2018 às 14:00
- Atualizado há 2 anos
Quando não se está acostumado com a matemática não há como questionar a autoridade imposta pelos números que se apresentam no dia a dia. Desta maneira, pode-se ser mais uma presa fácil para falácias embasadas em números que nem sempre fazem sentido. Por exemplo, e em geral, políticos ditos “espertos” se utilizam de números vazios em suas declarações para responder questionamentos e efetuar afirmações com uma verve estatística que simplesmente desconhecem. E esta época de eleições surge como uma excelente oportunidade...
Para se aprender matemática leva-se tempo. Infelizmente, é o que mais falta ao ser humano, principalmente nesta era pós-moderna. Em particular, crianças e jovens são testados, dia sim, dia não, nas escolas, a responder questões matemáticas. A julgar pelo desempenho escolar, conforme última avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) apresentada hoje (15), a maioria dos jovens não consegue desenvolver aptidões matemáticas não exatamente por não compreenderem o assunto, e sim porque simplesmente não tem tempo. Tornam-se meros aplicadores de fórmulas, agindo passivamente, tentando memorizar regras que (aparentemente) não fazem sentido. Isto sim é parte do grande desastre do ensino em matemática.
Somos piores em Matemática: baianos têm pior rendimento na disciplina no Enem
No caso específico, envolvendo dados de estudantes do Estado da Bahia, a nota média dos baianos em matemática, de 479,5, foi pior do que a média nacional, que já não é das melhores: 502,7, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Aprender matemática é uma arte. Como toda arte, demanda esforço e tempo. Retiramos a possibilidade de melhor desempenho escolar quando damos apenas alguns poucos minutos aos jovens para responderem questões num teste ou prova. Aqueles eventualmente mais ou melhor treinados, ou mesmo com maior aptidão para números e formas, conseguem responder. Mas a maioria, não. Esta é uma falha da educação, em particular da educação matemática. Não se oportuna um tempo adequado para que a criança ou o jovem responda apropriadamente. Não se ensina tenacidade e perseverança em aulas de matemática. Em detrimento do pouco tempo disponível numa sala de aula, são demonstradas formas fáceis e algo memorizantes de se resolver um determinado problema. Há muita ênfase no tecnicismo, na mera algebrização, do que das ideias por trás de cada conceito matemático.
Nada contra aprender técnicas - até porque um bom artista precisa dominar bem as combinações de cores, o enquadramento, a perspectiva (no caso de um pintor)... Mas somente a técnica não garante a carreira de um bom profissional - e em qualquer área. Há, portanto, a necessidade de se aplicar, com equilíbrio, os assuntos matemáticos em sala de aula.
É preciso coragem para admitir, e já há décadas, que qualquer ensino precisa de esforço, e esforço demanda tempo. Uma maneira de ensinar perseverança, especificamente no aprendizado da matemática, é fornecendo mais tempo, e de modo adequado a cada criança e jovem. Mas não é só isso.
Fomentar a curiosidade também demanda apresentar problemas que motivem alunos a estudarem determinado assunto matemático. O tipo de matemática ensinado nas escolas e em algumas faculdades deveria ser bem mais aplicado, um pouco diferente do que é hoje, muito embasado em teoria.
Porque insistir em assuntos tão teóricos? E porque de forma tão cumulativa? Certamente a matemática, enquanto a linguagem universal da natureza, deveria ser ensinada para todos, e não apenas para aqueles que demonstram alguma aptidão, dentro de um tempo exíguo de aprendizado. Isto se assemelha a um tipo particular de seleção natural, e algo cruel, pois tira a chance de alguém aprender mais sobre um dos mais belos conhecimentos que a humanidade já desenvolveu.
Vale lembrar que o termo “matemático” significa, entre outras coisas, “aquele que decodifica”, que compreende o que está ao redor na sua forma mais simples. A simplicidade se esconde por meio de simbolismos, muitos deles básicos, como os números e a formas. Curiosamente, e um tanto paradoxalmente, há aspectos de matemática moderna que de tão básicos e interessantes, poderiam facilmente ser ensinados nos primeiros anos escolares, como a natureza e as propriedades dos fractais.
De toda sorte, insistimos: é preciso dar mais tempo aos estudantes para que desenvolvam melhor suas habilidades. Ilustrar aulas com mais exemplos práticos. Por que a soma dos ângulos de um triângulo resulta em 180 graus? Onde se pode aplicar uma equação do segundo grau? Para que serve um logaritmo? Como utilizar uma matriz? O que é um número imaginário? E assim por diante. Que se permita aos alunos que se arrisquem, errando e acertando nas contas, tendo chance de obter prazer nas descobertas.
A matemática pode ser considerada mais uma das grandes aventuras do conhecimento. Conhecer significa desbravar, perceber, entender. Infelizmente, desconhecer, para muitos, principalmente pais e professores, significa meramente falhar. Este é outro erro importante a salientar, sobretudo nestes tempos ditos contemporâneos: não saber não é o mesmo que falhar - pode ser simplesmente o primeiro passo para o conhecimento.
É preciso também esclarecer que aprender matemática pode ser prazeroso, divertido e instigante. Basta lembrar da estória da divisão dos 35 camelos por três herdeiros, brilhantemente descrita pelo brasileiro que se escondia no pseudônimo de Malba Tahan no livro “O Homem que Calculava”, de 1938. Ou que existem 370 maneiras de se demonstrar o célebre e milenar Teorema de Pitágoras. Ou ainda ilustrar com exemplos sobre a participação das mulheres no conhecimento matemático - infelizmente, nem todas tinham acesso (ou mesmo permissão) para estudar, pois o ensino - principalmente de nível superior, há alguns séculos, era simplesmente voltado aos homens. Apenas para citar, pode-se provocar nos jovens que pesquisem sobre as inspiradoras biografias de matemáticas como Maria Gaetana Agnesi (1718-1799, italiana), Marie-Sophie Germain (1776-1830, francesa), Mary Fairfax Somerville (1780-1872, escocesa) e Sofia Vasilyevna Kovalevskaya (1850-1891, russa). Cada uma delas, em seu tempo e lugar, encontraram meios de se encantar com as idéias matemáticas, e elaborar relevantes contribuições.
Depois de tantas pesquisas, de tantas propostas de ensino de matemática, coletadas ao longo de décadas e publicadas em vários jornais e revistas científicos, quais seriam as melhores maneiras para ensinar? Talvez a resposta mais simples seja: experimentar esta diversidade de modos de aprender e de estudar numa mesma escola. Até porque há bons professores que ensinam bem uma teoria, e outros que conhecem excelentes formas de aplicá-las. Um bom plano de aulas deveria levar em conta a diversidade das pessoas envolvidas: mestres e discentes, bem como suas experiências e anseios. Mas, novamente, não se pode simplificar demais algo tão complexo como o ensino de matemática... Mas é preciso discutir, e agir! Ilustrar mais o processo de como ocorre o pensamento matemático, e apresentar alguns de seus múltiplos exemplos.
Em resumo, e certamente, há também uma pequena parcela da população que consegue aprender matemática com o ensino existente. Isto pode significar apenas que um bom aprendizado em matemática poderia levar em consideração múltiplos ensinos: mais aplicado para alguns, eventualmente um pouco mais teórico para outros (poucos). De toda sorte, é necessário combater esta alienação no modo de ensinar, em combater este verdadeiro analfabetismo em matemática, de forma a evitar aquela pergunta quase sempre escondida numa afirmação presente em toda sala de aula, em qualquer época: não entendi, professor.... Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores