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Da Redação
Publicado em 13 de julho de 2022 às 05:15
O caso de estupro em que o anestesista Giovanni Quintella violentou uma paciente enquanto ela estava sedada e desacompanhada na sala de parto, ocorrido no domingo (10), no Rio de Janeiro, levantou a discussão sobre quais são os direitos das gestantes antes, durante e após o parto.
Segundo o Ministério da Saúde, são direitos das parturientes, por exemplo, a presença de acompanhante nos hospitais públicos e conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), a permanência do recém-nascido ao lado da mãe após o nascimento e a inclusão dela na tomada de decisões sobre quais procedimentos serão adotados em caso de complicações. A realidade, no entanto, contraria o que determina o MS.
Um profissional de saúde que pediu para não ser identificado afirmou à reportagem que o tratamento negligente com as mulheres em trabalho de parto é estrutural no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS).“Tinha uma gestante de 16 anos, a mãe estava acompanhando ela, a menina estava pálida, sofreu por horas e só depois de muito tempo começou a dilatar. Ela sofria muito, gritava e nada. Chamamos o médico [que estava no descanso], ele foi lá e falou: ‘Na hora de fazer não sentiu dor né, agora pare de gritar [...] cala boca, para de gritar e faz força’”, contou o profissional. A reportagem entrou em contato com outros profissionais que passaram pela obstetrícia no HGRS, cujos depoimentos confirmam comportamentos agressivos ou preconceituosos de alguns médics, seja por gritos, ofensas ou brutalidade no procedimento do parto. Os relatos, no entanto, são de casos ocorridos entre 2017 e 2018 e não houve denúncia junto ao hospital.
Em nota, O HGRS reiterou que não há registro formal dos casos citados e que desde 2018, "a unidade passou por uma série de mudanças na gestão e também estruturais". O hospital destacou ainda a iniciativa Educação Permanente, que realiza trabalho de sensibilização da equipe sobre temas como a violência obstétrica e orientou o registro de queixas à Ouvidoria ou à diretoria da unidade.
Nas Diretrizes Nacionais para Assistência do Parto Normal, o MS orienta aos profissionais que estabeleçam relação de confiança com as gestantes, tendo cuidado nas atividades prestadas. Também é orientado apoio à escolha da parturiente por técnicas de relaxamento no trabalho de parto e às predileções musicais da paciente. Casos de uso de analgésicos devem ser previamente discutidos com a gestante antes do procedimento.
A ginecologista e vice-presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (Sogiba), Cláudia Smith, explica que a violência obstétrica acontece quando a mulher não se sente respeitada durante o parto. Cenários que contrariam o desejo da gestante, a exemplo da sedação, separação do recém-nascido ou isolamento se encaixam na violência obstétrica quando sem permissão da paciente ou necessidade médica.
A ginecologista orienta às mulheres a conhecerem seus direitos durante o pré-natal, momento em que profissionais da saúde devem fazer ações educativas de conscientização sobre o parto. Também é recomendável fazer um plano de parto, espécie de formulário em que a gestante organiza como gostaria que fosse o procedimento em condições dentro da realidade e em concordância com obstetra.
Para Cláudia, a presença de um acompanhante de acordo com escolha da mulher é de grande importância “Não só no parto, mas qualquer internamento o acompanhamento familiar faz parte da equipe assistencial. O acompanhante está 24h com o mesmo paciente, o que dentro de uma instituição de saúde não há condições de se colocar um técnico, enfermeiro ou médico 100% do tempo atento”, afirma.
Denúncia de abusos A violação dos direitos das gestantes, seja antes, durante ou após o parto pode configurar ato ilegal. É também direito da mulher, portanto, denunciar os casos em que esses direitos foram negligenciados. Advogada com especialização em direito das mulheres e co-presidente da Tamo Juntas, organização que atua na assistência a mulheres em situação de violência, Janine Souza explica que o Brasil reconhece a violência obstétrica.
No país, a violência obstétrica não configura-se como crime em si. Neste caso, a denúncia não será de violência obstétrica, mas dos crimes que aconteceram no ato, a exemplo de constrangimento, lesão corporal ou psicológica. Por isso, é importante que a mulher busque algum advogado de confiança ou a Defensoria Pública para que o especialista identifique o tipo penal e dê seguimento à denúncia, orienta.
Segundo a cartilha de violência obstétrica da Defensoria Pública do Estado da Bahia são exemplos da prática: não informar sobre os procedimentos que serão adotados pelos profissionais de saúde, raspagem dos pelos pubianos, deixar a mulher em jejum, dizer à mulher para prender a respiração e fazer força durante o trabalho de parto, episiotomia (incisão efetuada na área entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de parto) como se fosse procedimento de rotina, assédio e exames de toque invasivos e sucessivos; além de levar o bebê para longe de sua mãe após o nascimento.
Também é violência obstétrica: forçar a mulher a deitar-se de costas durante o trabalho de parto, realizar cesariana eletiva sem indicação clínica, impedir a realização de amamentação, impedir a presença de acompanhante de livre escolha da gestante, desde a admissão até a alta e fazer pressão na parte superior da barriga da mulher para forçar a saída do bebê - método desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
As denúncias podem ser feitas ao serviço de saúde em que a paciente foi atendida, assim como na secretaria de saúde da região e nos conselhos de classe. Para médicos deve ser procurado o Conselho Regional de Medicina (CRM) e para enfermeiros, Conselho Regional de Enfermagem (Coren).
A Central de Atendimento à Mulher (disque 180) também pode ser acionada. Dependendo do caráter da violência, a mulher deve ir à delegacia de polícia.
Assédio sexual
Entre 2018 e 2022, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) instaurou 14 sindicâncias para apurar denúncias de assédio sexual. Desse total, uma encontra-se em fase de diligências, cinco foram arquivadas por ausência de provas e oito resultaram em Processos Ético-Profissionais (PEP's) para apuração de infração ética.
Nesse mesmo período, foram julgados 12 PEP's sobre a referida temática, envolvendo 13 médicos. Do total de profissionais julgados, nove foram absolvidos (em um dos casos de absolvição a denunciante recorreu da decisão ao Conselho Federal de Medicina - CFM), dois tiveram a decisão de cassação do exercício profissional, ainda não aplicadas tendo em vista também a interposição de recurso junto ao CFM; além de duas penalidades públicas, uma de censura pública em publicação oficial e outra de suspensão do exercício profissional por 30 dias, ambas já aplicadas.
Gestantes têm direitos desde o pré-natal ao pós-parto
Além dos direitos assegurados durante o parto, independente do tipo de atendimento escolhido pela gestante, os dias que antecedem eos sucedem ao nascimento do bebê também tem normas garantidas para a futura mãe e sua criança.
O acompanhamento do pré-natal, por exemplo, deve ser assegurado de forma gratuita pelas secretarias municipais de saúde, segundo consta em portaria do Ministério da Saúde (MS); tendo a gestante também o direito a pelo menos seis consultas com acompanhante durante toda a gravidez. O cartão de gestante deve ser preenchido durante os nove meses e levado ao hiospital no dia do parto para servir de orientação da equipe médica. Nesse cartão é onde ficam registradas as ocorrências da gestação, as condições de saúde da grávida e a evolução do feto.
Exames de sangue para anemia, glicemia, diabetes, assim como de urina, para infecção urinária; tipagem sanguínea, para saber se o sangue da mulher combina com o do pai do bebê; VDRL, para sífilis, para HIV e Hepatite B; eletroforese hemoglobina, para rastrear a anemia falciforme; além da ultrassonografia são oferecidos pelo sistema público.
Após o parto, mãe e bebê têm o direito de ficar no mesmo quarto e a genitora deve retornar a algum posto de saúde para ser orientada quanto aos exames ou medidas necessárias ao puerpério.
Conheça exemplos de violência obstétrica:
>>Não informar sobre os procedimentos adotados;
>>Raspagem dos pelos pubianos sem autorização;
>>Realização de enemas (introdução de água e medicamentos líquidos no organismo por via retal) para esvaziamento do intestino;
>>Monitoramento eletrônico fetal de rotina e/ou contínuo;
>>Deixar a mulher em jejum;
>>Dizer à mulher para prender a respiração e fazer força no parto, em vez de deixá-la fazer o próprio caminho;
>>Episiotomia a incisão feita na região do períneo [área muscular entre a vagina e o ânus] para ampliar o canal de parto como se fosse uma prática de rotina; assédio e exames de toque invasivos e sucessivos;
>>Levar o bebê para longe de sua mãe após o nascimento;
>>Forçar a mulher a deitar-se de costas durante o trabalho de parto;
>>Realizar cesariana eletiva sem indicação clínica;
>>Fazer ameaças, contar mentiras sobre mitos do parto, fazer piadas, humilhar e não respeitar os padrões culturais da parturiente;
>>Impedir o acesso da gestante, parturiente ou puérpera aos serviços de atendimento à saúde que ela necessita em cada etapa da gestação até o pós-parto;
>>Impedira realização da amamentação do bebê;
>>Fazer questionamentos, negar informações e assistência ou demora no atendimento às mulheres em situação de abortamento;
>>Cobrança indevidas por planos e profissionais de saúde;
>>Impedir a presença de acompanhante de livre escolha da gestante em todo o processo;
>>Manobra de Kristeller (pressão na parte de cima da barriga para forçar bebê a sair)
Fonte: cartilha da Defensoria Pública do Estado da Bahia
*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro