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Mulheres apostam na qualidade e revolucionam mercado de cacau da Bahia

Nova forma de produção agrega valor à caucaicultura de Ilhéus e região

  • D
  • Da Redação

Publicado em 15 de setembro de 2019 às 13:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Leonor diversificou produção da fazenda da família (foto: Mário Bittencourt)

Luana, as irmãs Marcela e Manuela, Patrícia, Neyde Alice e a filha Manuela, Juliana e Leonor. O que elas têm em comum? São chocolateiras do sul da Bahia que avançam com o empreendedorismo feminino numa região onde o protagonismo na economia sempre foi dos coronéis do cacau.

Mas os tempos, são outros. A praga da  vassoura-de-bruxa  dizimou pés de cacau em 1989 e fez a produção cair de 400 mil toneladas para 92 mil toneladas em 1990, levando os coronéis à falência, Junto com eles foi-se um modelo de produção mais baseado na quantidade que na qualidade. Hoje, muito graças ao empreendedorismo e criatividade femininos, o foco está na qualidade.

A ideia é proporcionar ao paladar humano as melhores experiências, o que foi determinante para o desenvolvimento da produção artesanal de chocolate do tipo  “from bean-to-bar” – ou “da amêndoa à barra” em português. Aí, um produto que era caseiro virou profissional e agora é vendido em casas especializadas do Brasil. Luana é exemplo de empreendedorismo feminino que está transfomando a cacauicultura baiana (Foto: Divulgação) O “bean-to-bar” é o que tem feito o setor do cacau voltar a crescer no sul da Bahia. De acordo com a Associação dos Produtores de Chocolate de Origem do Sul da Bahia (Chocosul), onde há cerca de 45 mil produtores de cacau associados, as fazendas estão com entre 20 e 30% da produção voltada para as amêndoas de qualidade, que nos últimos dois anos movimentou R$ 1,2 bilhão.

“Há um esforço coletivo pela qualidade do chocolate ‘bean-to-bar’ na Bahia e no Brasil, sobretudo pela valorização que tem no mercado para esse produto”, disse Pedro Magalhães, presidente da Chocosul. O maior comprador das amêndoas finas é a marca de chocolates Dengo.

A Dengo, segundo produtores, costuma pagar R$ 300 na arroba da amêndoa selecionada (são 15 quilos cada arroba), enquanto na indústria a arroba não é vendida por mais de R$ 153, quase o mesmo valor da arroba do cacau convencional (R$ 150).

A empresa informou ao CORREIO que ano passado chegou a pagar R$ 1.590 numa saca de 60 quilos de amêndoa de cacau especial devido à alta qualidade. E informou não comentar outros números que são considerados estratégicos para empresa. No entanto, a Dengo disse que a valorização da amêndoa de qualidade por parte dela varia de 70% a 160% acima do valor de mercado convencional. A empresa compra cacau fino de 138 produtores do sul da Bahia e sua prioridade é para a aquisição da produção feita no sistema “bean-to-bar”.  

PIONEIRA

Em Ilhéus, o conceito de produção “bean-to-bar” já saiu das fazendas e está na área comercial do centro da cidade, onde a empresária Marcela Monteiro de Carvalho, de 44 anos, abriu, há 9, uma loja exclusivamente deste segmento.

Nascida em Ilhéus, ela é bisneta do coronel Manoel Misael da Silva Tavares, que foi um dos maiores produtores individuais de cacau da cidade. A loja, onde trabalham quatro pessoas, é tocada em sociedade com a irmã, Manuela, 47.

Marcela é formada em administração e pós-graduada em comércio internacional, com experiência profissional numa firma de exportação. Após uma temporada no Canadá, atuou por sete anos como militar do Exército, no cargo de tenente temporário, entre 2011 a 2018. “Eu levava a vida de forma paralela ao chocolate”, conta. Ela e a irmã Manuela usam as amêndoas especiais de um pequeno produtor, João Tavares, para fazer bombons - mais de 40 sabores, alguns exóticos, como alfazema e jabuticaba – que são vendidos na loja delas, a Cacau do Céu Chocolates Finos.

Apesar de a família ter décadas de conhecimento de produção de cacau, as duas irmãs são da 1ª geração na produção de chocolate. E estão se preparando para no ano que vem lançar uma linha de produtos “tree-to-bar”, com o cacau da fazenda Boa Lembrança, de 75 hectares e pertencente à família. “Comecei ao contrário”, brinca Marcela. Com 14 anos, ela conta que vendia bombom na escola. Em 2008, ela foi morar no Canadá e quando voltou fez cursos de “bean-to-bar”. Para ela, “essa forma de produção representa um novo tempo para a região do sul da Bahia, é uma oportunidade que estamos tendo de construir uma nova história e mostrar que a nossa principal atividade econômica está muito viva, gerando empregos e se reinventando para melhorar a produção e oferecer produtos diversificados”, diz.

CONTINUIDADE

No universo das amêndoas de qualidade é que está mergulhada, desde 2012, a empresária Patrícia Nunes Viana, uma engenheira civil de 50 anos que deixou Salvador para assumir a fazenda centenária dos pais - Fernando Botelho Lima, 77, e Áurea Maria Lima, 76. Na propriedade de 270 hectares no município de Barro Preto, se planta cacau desde 1896. Nascida na cidade do Rio de Janeiro, numa época em que era comum os deslocamentos das famílias abastadas do sul da Bahia para o estado fluminense, Patrícia não perdeu tempo e lançou a marca Modaka, hoje referência no sul da Bahia em chocolates finos (70% cacau, com variações de sabor) e amêndoas crocantes caramelizadas que são vendidas em caixas e consumidas diretamente. Ela também faz cacau em pó, manteiga de cacau e o nibs (amêndoa triturada), usado na culinária especializada. Patrícia criou a marca Modaka (foto: Mário Bittencourt)

“Estamos lançando uma linha de geleias feitas de cacau e outras frutas que produzimos na fazenda, tudo de maneira orgânica. Com isso, vou dando continuidade ao trabalho dos meus pais, no melhor aproveitamento da produção da fazenda como um todo, não só com o cacau”, disse, informando em seguida que os produtos da Modaka estão em lojas especializadas do Sul e Sudeste.

O trabalho dos pais a que Patrícia se refere foi o início de um recomeço na fazenda São José, onde a produção de cacau antes da vassoura-de-bruxa chegou a 140 arrobas de cacau. Com a queda na produção, o jeito foi beneficiar o que já tinha aos montes na mata e não era aproveitado economicamente: as frutas.

Fazer polpas de cajá, cacau, manga, jenipapo e jabuticaba foi uma alternativa de sobrevivência. “Em 2008, minha mãe deu a ideia para o meu pai de trabalhar com derivados do cacau, e eles foram um dos pioneiros nessa questão de agregar valor ao produto”. Não demorou muito para fazenda São José passar do cultivo convencional ao orgânico. Hoje é uma das 31 associadas da Cooperativa Cabruca, sediada em Ilhéus e da qual só participa quem tem o selo do IBD Certificações para produtos orgânicos. Os cooperados produzem, cada um, entre 80 e 100 toneladas de cacau ao ano.

Mais de 60% da produção é exportada para Suíça e Itália, e o restante das amêndoas é usada para a produção de produtos especiais, como chocolates, cachaças, vinhos, geleia, melaço, mel de cacau, além de combinações que resultam em alimentos, a exemplos de granolas com cacau e farinha de tapioca, e nibs com rapadura.  BRIGADEIRO CASEIRO

Também no embalo do “bean-to-bar” é que segue a publicitária Luana Lessa, publicitária de 39 anos que é dona da Chor, uma das mais conhecidas marcas de chocolate de Ilhéus. Há seis anos ela tem uma loja no centro da cidade, para onde vão aos montes os turistas que chegam na cidade durante o verão.    Os chocolates da Chor são produzidos com amêndoas selecionadas de produtores da região que possuem o selo do Centro de Inovação do Cacau (CIC), um laboratório de análise e classificação das amêndoas com base nas características de aroma, cor e propriedades físico-químicas.

Todo o cacau comprado pela Dengo, por exemplo, passa pelo laboratório, que funciona na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) como uma ponte entre quem produz e quem compra. Com as amêndoas selecionadas, Luana Lessa fabrica 17 produtos, entre chocolates, bombons variados, trufas e doces.

O negócio começou com uma brigaderia há mais de dez anos, quando se fabricava apenas o chocolate caseiro. De uma tonelada de chocolate por ano, logo no início, em 2013, hoje a Chor produz 6 toneladas no mesmo período de tempo. E vende para todo o país. “Meu produto é de valor agregado, e as pessoas querem saber como ele é produzido, por isso muitos vêm aqui só para saber isso, ver de perto”, disse Luana.

Na loja da Chor, uma das quatro marcas de chocolate que possuem local próprio de venda, das 70 que existem no sul da Bahia, há espaço ainda para homenagens. O cenário da Baía de Todos os Santos, em Salvador, e um resumo da sua história vêm na embalagem do chocolate 88% cacau; o que tem 70% homenageia Porto Seguro e o descobrimento do Brasil; e o chocolate Terra de Santa Cruz (44%) é sobre São Jorge dos Ilhéus, nome da cidade na época da colonização.

“Esse ano lançamos o 77% cacau, que é um chocolate fino do fino, pois tem um cuidado mais especial com as amêndoas”, afirmou Luana, que atrai clientes de várias idades com as vendas de bombons de avelã, paçoca, caramelo de castanha-do-pará, caipirinha de limão, chocolate 70% com nibs, maracujá com 70%, geleia de cacau, leite ninho com patê de avelã.

E personaliza sabores também, caso uma pessoa queira, como fez a sueca Basia Pier Chocilska, 43, que mora há seis anos em Ilhéus. Ela trabalha com hipnoterapia, técnica de hipnose clínica usada, por exemplo, no tratamento de transtornos emocionais, físicos e psicológicos. “Meu consumo é de chocolate de hortelã”, disse. E é só dela.  PRODUÇÃO SECULAR

À frente da Senô Chocolates Finos, a empresária Leonor Lavigne de Lemos tem nas amêndoas de qualidade a principal ferramenta para bons negócios, desenvolvidos em parceria com o irmão Antônio Lavigne de Lima, 35, que cuida mais da fazenda Alegrias, de 158 hectares, localizada entre Ilhéus e Itabuna. Eles são a 6ª geração da família na mesma propriedade rural, onde a produção de cacau vem de mais de 200 anos.

Depois de penar por conta da vassoura-de-bruxa, a primeira barra de chocolate, finalmente, veio em 2015, e hoje é produzido também geleias, mel e o próprio nibs, tudo com amêndoas selecionadas. “Buscamos fazer a colheita do cacau na maturação certa para dar melhor qualidade ao produto. Da nossa produção de 30 toneladas, 25% é de cacau fino. Nossa expertise é a amêndoa de qualidade, com ela produzimos também o nibs, fazemos o mel de cacau, geleias, o melaço”, comentou.

Na Bello Chocolates, Neyde Alice Pereira, pesquisadora em tecnologia e ciência da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac), e a filha Manuela, expandem os negócios de chocolates finos por meio de parcerias em lojas da Bahia e de Minas Gerais. O diferencial delas é a mistura do chocolate com outras frutas. “Eu não me envolvo com a produção, só escolho as amêndoas e ela faz o chocolate”, disse Neide, que tem 67 anos, 41 deles como funcionária da Ceplac. “Já passou do tempo de eu me aposentar, só não fui ainda porque amo o que faço”, diz.

Algumas formulações da Bello Chocolates são feitas com um blend de híbridos trinitários, “um verdadeiro presente da natureza”, diz Manuela, informando em seguida que “para os amantes de café, temos a formulação 63% cacau com café. Ele é produzido com amêndoas de cacau frutado de frutas secas em harmonia com café gourmet mineiro de aroma intenso e notas de chocolate e nozes”, descreve.

E se engana quem pensa que as mulheres chocolateiras se destacam apenas por suas produções inovadoras e de qualidade. Na fazenda Vale Putumuju, de 350 hectares, a dona da marca Baiani Chocolates, Juliana Aquino, cantora de Bossa Nova, de 53 anos, além de produzir chocolates de sabores diversos, como pimenta, laranja e limão, ainda auxilia 19 estudantes de uma escola multisseriada (do 1º ao 5º ano) dentro da propriedade. “Reformamos a escola e compramos materiais novos, a Prefeitura de Arataca nos atende com a professora e material pedagógico. Com isso, estamos conseguindo desenvolver mais a educação na região, já que o acesso é difícil”, disse Juliana, que é formada em Secretariado Executivo e em Gastronomia. “Lá é no sistema bean-to-school [da amêndoa à escola]”, brincou.

DENGO VALORIZA PRODUTOR E CONSERVAÇÃO DA FLORESTA   A Dengo, desde que foi criada há dois anos por Estevan Sartorelli e Guilherme Leal, cofundador da empresa de cosméticos Natura, compra amêndoas de cacau fino apenas de produtores do sul da Bahia. Não que a empresa não queira nem valorize o cacau de outras regiões produtoras, como do Pará e do Espírito Santo, onde também são produzidas amêndoas de qualidade.

“Às vezes aparecem produtores de outros estados querendo ser nosso fornecedor, mas aí explico que nosso foco atual é o sul da Bahia. Queremos deixar um legado, causar um impacto na região. E dispersar esforços é mais difícil de gerar impactos”, declarou Sartorelli ao CORREIO.

Por enquanto, os impactos são estes: prêmio de 81% sobre o preço médio em relação ao cacau comercial em 2018; 138 produtores cadastrados como fornecedores; contribuição para a preservação de 9.423 hectares de Mata Atlântica, e manutenção do sistema cabruca (em que os pés de cacau são cultivados em meio à Mata Atlântica, preservando a vegetação nativa) numa área de 18.360 hectares. “Nosso objetivo é valorizar o pequeno e médio produtor de cacau, queremos resgatar a dignidade da atividade cacaueira. Entendemos que a sustentabilidade passa pela valorização da produção”, disse. 

Um aspecto importante que difere a forma da Dengo atuar no mercado é que a empresa não compra o cacau como commodities, conforme o termômetro das bolsas de valores. “Compramos quando a amêndoa tem qualidade, com pelo menos 70% de fermentação. O aroma, a acidez e outras propriedades da amêndoa é que vai definir o seu valor”, comentou o executivo.

Na Dengo, o produtor da Bahia que quer ser fornecedor precisa entrar em contato com a empresa, que envia para a fazenda uma equipe responsável por analisar a produção. A amêndoa é enviada para análise no Centro de Inovação do Cacau (CIC) e depois de aprovada ainda passa por outros testes numa unidade de beneficiamento que a empresa tem em Ilhéus.

Os testes na própria Dengo, contudo, são apenas para direcionar a finalidade das amêndoas, para quais tipos de produtos elas serão mais adequadas – se para chocolates, amêndoas crocantes (que a empresa chama de pepitas), vendidas em saquinhos para serem comidas diretamente.

Sobre o “bean-to-bar”, Sartorelli faz questão de dizer que “nós somos também” e que “é essa preocupação de ter maior rastreabilidade da origem [da amêndoa do cacau] à barra”. O empresário observa que “existe um movimento, não só no Brasil, como no mundo, de várias marcas ligadas ao bean-to-bar, que é um modelo de integração da cadeia”.

Por enquanto, a Dengo ainda não tem uma loja na Bahia. “Mas nós existimos por causa da Bahia. Estamos contribuindo para a melhor reputação da qualidade do cacau e da renda do pequeno e médio produtor. Não somos a solução para a região superar a crise da vassoura-de-bruxa, somos parte da solução, junto com outros agentes envolvidos”, finalizou o empresário.   PONTE COM MERCADO

A segurança maior na compra de amêndoa de cacau especial por parte da Dengo vem das análises realizadas pelo Centro de Inovação do Cacau (CIC), na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), onde o produtor que chega pela primeira vez não paga nada pela análise, mas nas seguintes o custo é de R$ 75. O laudo sai entre 10 e 15 dias, e hoje há cerca de 300 amostras na fila.

O CIC é um laboratório de classificação e análises físicas das amêndoas, ele analisa boas práticas de produção e consegue ter informação sobre fermentação, maturação, tempo de colheita, acidez e forma de armazenamento.

É feita ainda uma análise sensorial para avaliar qual a aptidão da amêndoa, se  para se transformar em uma barra de chocolate, com notas de frutas, especiarias, etc. - informações que o mercado consumidor gosta para direcionar a fabricação.

Também é realizada uma análise química dos compostos fenóricos, com informações nutricionais, e sobre metais pesados, para informar ao consumidor a composição na embalagem. Tendo qualidade, a amêndoa é liberada para produção de nibs, licor ou chocolate com o selo do CIC.

Ano passado, o CIC fez mais de 2, 3 mil análises e esse ano já fez mais de 2 mil, segundo informou Cristiano Villela, geneticista e diretor do CIC, inaugurado em março de 2017. De acordo com Villela, o cacau tem 10 grupos genéticos e o que predomina na Bahia é o amelonado. Mas ainda há pouco reconhecimento internacional sobre a qualidade do cacau baiano, apesar do interesse crescente.

“Fizemos um trabalho de base ano passado para incluir o Brasil no anexo C do ICCO [Organização Internacional do Cacau], que trata do cacau fino, de qualidade. O Brasil não figurava como país exportador de cacau, mas em 2017 e 2018 foram exportadas quase 750 toneladas de cacau fino para Japão e Europa. Em setembro é provável que o Brasil figure na lista dos países exportadores de cacau de qualidade”, declarou Villela.

Gerente de qualidade e relacionamento com o cliente do CIC, a bióloga Adriana Reis disse acreditar que “estamos contribuindo com a valorização e o reconhecimento na venda de cacau, com o país produtor de uma amêndoa especial, fina, e que tem condição de concorrer lá fora com grandes origens também”.

 IDEALIZADOR DE FESTIVAL ACREDITA NO AUMENTO DO CONSUMO   O aumento da produção de cacau e chocolate no sul da Bahia e a sua valorização de mercado se darão quando houver, por parte da população, um aumento no consumo do produto, sobretudo o que é feito a partir de amêndoas selecionadas.

A avaliação é do empresário Marcos Lessa, idealizador do Festival Internacional do Chocolate e Cacau, que há 11 anos reúne em Ilhéus toda a cadeia produtiva (da Bahia e outros estados), sempre no mês de julho. Neste mês de setembro, entre os dias 19 e 22, o festival ocorre em Belém, no Pará. 

“Com a melhoria do consumo por chocolates de qualidade, as fábricas moageiras vão passar a se sentir pressionadas a comprar amêndoas melhores e pagarão preços mais justos que os de hoje”, disse Lessa, sócio-proprietário da marca de chocolates Chor.

Ele é marido da publicitária Luana Lessa e começaram juntos o movimento pela valorização do cacau e do chocolate no sul da Bahia – ele na articulação para realização do evento, bancado inicialmente com dinheiro próprio, e ela com uma loja de brigadeiros que depois viria a ser a da marca do chocolate. Marcos também é publicitário e passou a se envolver com a cultura do cacau após atuar como produtor da novela Renascer (1993), da Rede Globo. A novela conta a história da decadência dos barões do cacau da região, seus conflitos e disputas entre famílias.

Para Lessa, o problema da vassoura-de-bruxa, hoje, é algo que já foi quase superado – ou pelo menos os produtores aprenderam a conviver melhor com a praga. O que ele acha que falta é uma maior valorização da região por parte de quem compra o cacau e o chocolate produzidos ali. 

“Por isso o aumento do consumo é importante. Não podemos fazer como a África, que fez ‘bico’ para as grandes fabricantes e estão ameaçando não vender o cacau na safra do ano que vem por causa dos preços baixos. E vai vender pra onde?”, questionou o empresário, durante um jantar no lendário restaurante Bataclã, antigo reduto dos coronéis do cacau e hoje um dos pontos turísticos mais visitados de Ilhéus.

Marcos Lessa se refere aos países Gana e Costa do Marfim, de onde saem mais de 60% do cacau consumido no mundo. Em junho, representantes desses países anunciaram que suspenderão a venda de cacau da temporada 2020-2021 se não for estabelecido preço mínimo de R$ 9.000 por tonelada de cacau.

Além do consumo, Lessa acha “extremamente necessário” a volta da porcentagem mínima da quantidade de cacau no chocolate fabricado no Brasil. Pelas regras atuais, só pode ser considerado chocolate o produto com ao menos 25% de cacau. Antes da vassoura-de-bruxa era de 35%, e a redução ocorreu justamente por pressão das grandes fabricantes de chocolate diante da escassez da amêndoa na Bahia. Um projeto de lei chegou a ser proposto, em 2015, pela ex-senadora baiana Lídice da Mata (PSB), mas acabou arquivado três anos depois. “Tinha que voltar ao que era antes, mas as grandes marcas de chocolate fazem pressão contra. As pessoas precisam saber que o chocolate com mais cacau é muito mas saudável”, declarou. “Amentar o nível de cacau deixa o chocolate muito menos calórico, o que serve para estabilizar a pressão arterial”, disse.  INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

Uma outra aposta para a valorização do cacau produzido no sul da Bahia está sendo por meio do selo de indicação geográfica, conquistado ano passado. O registro de Indicação Geográfica (IG), na espécie Indicação de Procedência (IP), foi dado pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), autarquia federal. A área geográfica beneficiada com a IG abrange um cultivo estimado 61.460 km², em 83 municípios e seis territórios regionais: Baixo Sul, Médio Rio de Contas, Médio Sudoeste da Bahia, Litoral Sul, Costa do Descobrimento e Extremo Sul. Cacau prodizudio na Bahia tem certidicado de Indicação Geográfica, este tipo de selo valoriza o produto (foto: divulgação)

O pedido pelo reconhecimento foi feito pela Associação dos Produtores de Cacau do Sul da Bahia (APC), que liderou um movimento em prol da cultura, formado por representantes do setor produtivo e governo da Bahia. A busca pelo selo foi iniciada em 2014, mas as discussões sobre assunto começaram há mais de 10 anos. A indicação geográfica oferece a garantia de origem do cacau do sul da Bahia e traz agregação de valor, ao posicionar o produto como único.

A Bahia já possui o mesmo reconhecimento para as uvas de mesa e manga do Vale do Submédio São Francisco e para a cachaça de Abaíra, na Chapada Diamantina, as quais conquistaram o título em 2009 e 2014, respectivamente. Patrícia Orrico Santos, gerente do Centro Internacional de Negócios, da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), destaca que é preciso fazer uma maior divulgação sobre o selo do IG. “A origem como um fator de qualidade, de boa procedência e características na produção é muito importante na agregação de valor ao produto. A Fieb está há algum tempo construindo uma estratégia de marketing territorial, o cacau é uma delas”, disse.

No momento, contudo, apenas 12 fazendas estão certificadas com o selo do IG no sul da Bahia, o que pode atrasar a região na conquista de novos mercados, como o do Canadá, que tem demonstrado interesse pelo cacau produzido no estado justamente por conta da produção de alta qualidade.

De acordo com o Índice de Complexidade Econômico (ICE), o Canadá é o 12º país maior importador de cacau do mundo. Só em 2018, o país chegou a investir em torno de US$ 218 milhões em importação de cacau, sendo o Brasil responsável apenas por U$ 4 mil deste total, em 26º lugar.

Por sua vez, as exportações globais de cacau brasileiro foram de US$ 21,43 milhões no acumulado de 2018 entre os meses de janeiro a maio. O diretor de Relações Institucionais da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, Paulo de Castro Reis, disse ao CORREIO que existe um grande potencial para a exportação de cacau e chocolates especiais para o Canadá.

“Os canadenses contam com um alto poder aquisitivo e costumam pagar mais por produtos diferenciados e de qualidade. São consumidores conscientes, que investem em Itens com sabores únicos, preferencialmente fruto de manejo sustentável e socialmente responsáveis”, comentou. “Como a Bahia é a maior região exportadora de cacau do país, apresentar um novo mercado para os produtores locais é uma chance para diversificarmos ainda mais a pauta comercial entre o Brasil e o Canadá”, acrescentou.

BAIANO VOLTA À FINAL DE CONCURSO INTERNACIONAL

Ganhador por duas vezes (2010 e 2011) do International Cocoa Awards, competição global que reconhece o trabalho dos produtores e celebra a diversidade de sabores do cacau, o produtor João Tavares, 54 anos, teve novamente a sua amêndoa selecionada para final do Cocoa Of Excellence 2019.

Além da amêndoa de Tavares, também irão participar da final da competição, junto com outras 50 amostras do resto do mundo, as amêndoas da produtora Elcy Gutzeit, conhecida como “rainha do cacau”no Pará. As amêndoas de Tavares e Elcy foram selecionadas entre cerca de 200 amostras enviadas ao Programa Cacau de Excelência (CoEx), porta de entrada para os produtores de cacau participarem do International Cocoa Awards.

Agora, vão virar chocolate e podem ser premiadas no dia 30 de outubro de 2019, durante o Salon du Chocolat, em Paris, na França – o evento é o de maior importância no setor de cacau e chocolate do mundo. Como “prêmio”  inicial, já receberam um certificado de que chegaram à final.

Do Brasil, foram enviadas oito amostras, cinco da Bahia, duas do Pará e uma do Espírito Santo. Esses estados são, respectivamente, o primeiro, segundo e terceiro maiores produtores de cacau do país, onde a produção deve ficar em 251,2 mil toneladas em 2019. Eles respondem por 96,5% da produção nacional; sendo que 44,4% é da Bahia.

PIONEIRO 

No Brasil, quem iniciou essa busca pela amêndoa de qualidade foi João Tavares, que no sul da Bahia é uma espécie de mito da cacauicultura, exemplo para os mais de 70 produtores de cacau e chocolate gourmet que há na região. Em sua fazenda, a Leolinda, de 700 hectares e localizada em Uruçuca, cidade vizinha a Ilhéus, Tavares dedica 340 hectares à produção das amêndoas especiais, que são vendidas para chocolatiers da França (Alain Ducasse) e da Bélgica (Pierre Marcolini). Sua produção ultrapassa as 150 toneladas anuais.

Nascido em Salvador, Tavares está desde os 19 anos na fazenda – saiu apenas para estudar administração e cuidar dos negócios da família, que ele assumiu há 14 anos. Até então, o pai, falecido há sete, era quem ficava à frente da propriedade rural.

Ele viveu os tempos de grande produção do cacau na região, até antes de 1989, quando a praga da vassoura-de-bruxa foi introduzida de forma criminosa na região, como ficou demonstrada numa apuração da Polícia Federal, e relatada no filme “O Nó – Ato deliberado humano”, de Dilson Araújo.

Tavares é um dos produtores entrevistados no filme, e sua busca por uma amêndoa de melhor qualidade é consequência da vassoura-de-bruxa, que forçou os produtores a buscarem saídas para a sobrevivência com a lavoura do cacau – outros optaram por derrubar árvores nativas para aproveitar a madeira ou beneficiar frutas da Mata Atlântica, em abundância nas fazendas devido ao sistema cabruca, em que são cultivados os pés de cacau.

Quando ele olha para trás, prefere pensar no que aprendeu e seguir em frente, sobretudo porque não só ele vive outro momento, assim como a maioria dos produtores de cacau da região.

Tavares só não produz chocolate, e nem precisa. Suas amêndoas, devido aos prêmios que recebeu em 2010 e 2011 no Cocoa Of Excellence, são vendidas pelo dobro do preço de mercado convencional, que paga até R$ 153 na amêndoa selecionada – além de Ducasse e de Marcolini, ele vende suas amêndoas para a fabricante de chocolates Nugali, para a chef carioca Samantha Aquim e para Juliana Motter, da Maria Brigadeiro.

MELHORAMENTO

O trabalho de melhoria das amêndoas, ele conta, foi iniciado há 14 anos, com a busca de árvores mais resistentes à vassoura-de-bruxa, quando os produtores acabaram desenvolvendo mais de 200 variedades de cacau por conta dos clones da planta, compartilhadas entre eles.

Dessa mistura, ele notou que surgiram as amêndoas frutadas. “Todo o trabalho inicial foi feito visando à resistência, mas identificamos isso também, o sabor. Buscamos o cacau que traga notas exóticas”, disse.

Em sua fazenda, João Tavares cultiva basicamente três espécies de cacau: o pará-parazinho (nativo da Amazônia brasileira), o catongo e o scavinia, ambos provenientes de cruzamentos feitos pelos produtores da região. Mas o que o fez ter uma amêndoa de qualidade foi a forma de produzir, fermentar e secar o cacau, fazendo com que suas qualidades fossem enaltecidas e os defeitos eliminados quase 100%.

Na colheita e quebra do cacau, já se separam os frutos que possam estar com alguma eventual deformidade, seja por doença ou por algum animal. Para as fases seguintes, da fermentação e secagem, ele criou algo novo. A fermentação, ao contrário de outras fazendas, é feita em cochos redondos. “Notei que, nos quadrados, as amêndoas que ficavam no canto perdiam em qualidade, dessa forma que inventei a fermentação ocorre de forma homogênea”, falou. Na secagem, a mudança foi a criação de uma barcaça que não permite a entrada de água da chuva e, consequentemente, evita que as amêndoas mofem. Após 21 dias, ele faz a seleção das amêndoas por peso e tamanho (entre 0,8 e 1,3 grama).

“Quando venci em 2010 o Cocoa Of Excellence, muita gente fez bico, disse que era sorte. Aí voltei em 2011 e ganhei de novo. Provei que no Brasil produzimos cacau de qualidade”, comentou Tavares.

Para ele “não faz sentido produzir chocolate no momento, pois o cliente não vai gostar”. “Eu me estabeleci como vendedor de amêndoas, entro o ano com 70% de todo o cacau vendido”, afirmou.

Na fazenda, João Tavares possui 8 trabalhadores com carteira assinada e outros 40 parceiros, uma modalidade de trabalho que surgiu depois da vassoura-de-bruxa. Nela, metade da produção fica com os trabalhadores, que moram em casas na fazenda e ainda recebem outros auxílios, como educação para os filhos.

“Esse é outro segredo meu para ter uma amêndoa de qualidade. Só conseguimos produzir boas amêndoas com o trabalhador motivado para o serviço, sem isso fica muito mais difícil”.  

* texto atualizado às 15h15 de 17/92019