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Motorista de aplicativo é espancada e estuprada após corrida para o Bairro da Paz

O fato aconteceu no dia em que a chacina que matou quatro de seus colegas completou sete meses

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 17 de julho de 2020 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Era madrugada quando a motorista de aplicativo Maria* adentrou o Bairro da Paz para apanhar uma passageira. A mulher iria para a casa da avó, no Rio Vermelho. Mas nem uma chegou ao destino final, nem a outra encontrou a passageira. Maria foi assaltada, espancada e vítima de estupro por um homem que a obrigou a entrar numa casa abandonada. A motorista teve seu corpo tocado pelo homem, mas conseguiu escapar após simular que estava passando mal. Em seguida, ela correu durante um descuido do bandido.

O crime aconteceu exatamente sete meses após quatro motoristas de aplicativos serem encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na comunidade Paz e Vida, no bairro da Mata Escura. Os corpos foram encontrados enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas.  “Eu fiquei assustada com a infeliz coincidência das datas. Foi um dia que deixou muita gente triste, magoada com as mortes, principalmente nós, motoristas de aplicativo. A diferença é que não fui atraída. Essa corrida foi feita por uma passageira chamada Paula* que ia realmente para casa da avó, no Rio Vermelho. Só que um homem aproveitou da situação que eu procurava pela passageira. Disse que a conhecia e indicou o endereço errado, um local deserto e que ele queria”, contou Maria ao CORREIO, na manhã dessa quinta-feira (16), ao chegar para ser ouvida novamente na 12ª Delegacia (Itapuã), onde o caso foi registrado.

De acordo com a Polícia Civil, o crime será enquadrado como estupro, uma vez que o acusado tocou os seios da vítima e a beijou à força. Por meio de nota, a PC informou ainda que a vítima foi ouvida e foram emitidas guias de exames periciais. "Diligências estão em andamento e outros depoimentos estão sendo colhidos. Imagens de câmeras de vigilância, da região onde ocorreu o fato, estão sendo requisitadas". Em seu depoimento, Maria disse acreditar que o bandido achava que ela estava no local para colher informações para a polícia.“A todo momento, ele dizia que eu não era trabalhadora, que era alemã, que estava ali procurando alguém para entregar. Então, disse a ele: ‘Senhor, sou trabalhadora’. Então ele me deu um murro no queixo e puxou o meu cabelo”, contou ela na delegacia, onde esteve a todo momento acompanhada do marido, que também é motorista de aplicativo. Estupro Por uma questão de segurança, Maria prefere não mostrar o rosto e teve seu verdadeiro nome preservado. Ela contou que estava no bairro de Itapuã e que tinha acabado de encerrar uma corrida, quando recebeu um chamado no aplicativo para ir ao Bairro da Paz.

“A corrida estava no dinâmico para o Rio Vermelho (quando a tarifa está mais cara devido à demanda no local ser mais alta que a oferta). Qualquer motorista fica contente quando pega uma corrida dessa”, disse ela. “A única diferença era o Bairro da Paz, onde muitos não vão, às vezes, nem de dia. Eu já não pensava desta forma. Eu já fui lá outras vezes, inclusive na madrugada para buscar e levar passageiros, mas sempre com cautela. Dessa vez, passou pela minha cabeça tentar sair o mais rápido possível dali, mas não consegui. Fui pega de surpresa”, completou Maria.  A motorista disse que, ao chegar ao bairro, pouco depois da meia-noite de segunda-fira (13), enviou uma mensagem para a mulher que solicitou a corrida, Paula. Esta, por sua vez, deu mais detalhes de como chegar ao endereço. Ela disse que a rua era tranquila e segura. O que aconteceu é que Maria, ainda assim, estava com dificuldade para encontrar o endereço correto e resolveu pedir ajuda a um homem que avistou do carro – foi nesse momento que o criminoso tirou vantagem da situação e mandou ela ir para a Travessa do Alemão, local mais ermo.

Depois de segui-la a pé, ele fez a abordagem com a vítima ainda dentro do carro. Apesar de não estar armado, ele a ameaçava e a xingava o tempo todo.  Durante o assalto, ele tomou de Maria o celular, óculos de sol e de grau, R$ 100, um relógio, maquineta de cartão, uma bolsa de moedas e outros objetos. O bandido exigia que a motorista de aplicativo desbloqueasse o celular, ocasião em que ela aproveitou para enviar uma mensagem pedindo socorro ao marido que, por ser também motorista de app, monitorava o trajeto dela através de um GPS. “Consegui mandar uma mensagem rápida dizendo a ele que fui pega”, relatou Maria. 

Ela foi lavada para uma casa abandonada, onde começou a ser espancada pelo bandido, que ao mesmo tempo a despia. Apesar de todo o tormento, Maria conseguiu pensar numa saída e fingiu que passava mal. Na hora em que o homem se afastou, ela não pensou duas vezes e correu gritando por socorro. Ela conseguiu chegar a uma rua e pediu ajuda a um grupo de mototaxistas, que a levaram à Base Comunitária do bairro. Na hora, o marido dela já havia chegado ao local e relatado o seu sumiço. "Foi Deus. Foi Ele quem me salvou", desabafou.  

Passageira  Passado o susto, Maria manteve contato com Paula, a mulher que havia solicitado a corrida para o Bairro da Paz. “Liguei para ela, que explicou que não tinha nada a ver com o ocorrido, que precisava ir ao Rio Vermelho, que os outros motoristas de aplicativo estavam cancelando as corridas. Hoje ela se encontra no Rio Vermelho e ficou triste pelo ocorrido, me pediu desculpas, disse que nunca imaginou que isso poderia ter ocorrido. Ela acreditava que lá os motoristas de app poderiam entrar e trabalhar tranquilos. Não a culpo pelo que aconteceu. Nem sempre a gente tem sorte. Então, neste dia, tive azar”, declarou.  Maria disse que nunca havia recusado corridas, inclusive para os bairros considerados violentos. Ela sempre levou em consideração as pessoas de bem que necessitam do serviço de transporte. Mas, após o episódio de segunda, ela mudou de opinião e, a partir de agora, irá selecionar os locais onde entrará. “Tem muitos passageiros bons, que não têm carro para chegar ao destino. Muitas vezes precisa até comprar um remédio, transportar um parente doente, enfim. Vou continuar. Essa é a minha única renda. Não posso parar. Antes pensava nos moradores, mas agora vou pensar em mim. Só agradeci a Deus por ter conseguido correr e estar viva. Mas hoje vou pensar em mim, em minha filha que estará me esperando em casa todos os dias e no meu esposo”. 

*Nomes fictícios para preservar a segurança das duas mulheres