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Moa do Katendê é homenageado em roda de capoeira no Pelô: 'símbolo de resistência'

Mais de 200 pessoas lembraram importância de artista morto em discussão política

  • Foto do(a) author(a) Tailane Muniz
  • Tailane Muniz

Publicado em 10 de outubro de 2018 às 21:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Betto Jr/CORREIO
. por Foto: Betto Jr/CORREIO

Os berimbaus ressoaram acordes de luto e saudade no Largo do Pelourinho, na noite desta quarta-feira (10), quando mais de 200 pessoas se reuniram para homenagear Romualdo Rosário da Costa, o mestre Moa do Katendê, assassinado após uma discussão motivada por política na noite de domingo (7), 1° turno das eleições.

Na roda de capoeira ao som das cantigas da cultura afro-brasileira gingaram discursos de resistência por parte de parentes, amigos e admiradores do capoeirista e compositor de 63 anos, figura importante na cultura da Bahia. Em coro, o grupo clamou por paz e repudiou o ódio e a intolerância dos quais, segundo eles, Mestre Moa foi vítima.

Cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília também têm atos programados para o final de semana, em memória do artista.

Emocionado, o produtor cultural Clarindo Silva, 76 anos, relutava para conter as lágrimas ao recordar, em público, os momentos em que viveu com o artista, assassinado com 12 facadas em um bar em frente ao Dique do Tororó.

"Moa não era de Salvador, da Bahia, ou do Brasil. Moa era um cidadão do mundo. Como é que uma figura inconsequente vem e tira a vida de uma pessoa tão extraordinária?", indagou Clarindo, em referência ao barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, 36, assassino confesso do artista, preso em flagrante.

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Em resposta, os presentes na roda alternavam com gritos de "Moa, presente!" e salvas de palmas. Clarindo comentou que era amigo de Romualdo há mais de 40 anos."Ele me chamava de pai. Meu irmão morreu gratuitamente. Nós não podemos permitir que o ódio substitua o amor. Esse país precisa investir em cultura e educação, não em intolerância", salientou o produtor, ao lembrar que o amigo foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Capoeira Angola.Com um berimbau nas mãos, um dos quatro filhos do capoeirista, em silêncio, observava as demonstrações de afeto e admiração ao pai - de quem herdou a paixão pela capoeira. Raniere Santos da Costa, 38, capoeirista como Moa, conversou com o CORREIO ao se afastar da roda. Em baixo tom de voz, lembrou da representatividade de Romualdo no meio cultural."Meu pai foi referência de muita coisa, não só pra mim. Na cultura negra, ele representou muito e esse ato não é só por ele, por mim e pela nossa família, mas para cada negro, cada pessoa que vem do gueto e que está na nossa pele, todos os dias", se limitou a dizer Raniere, que compõe o grupo Pantu de Capoeira Angola, presente na homenagem.Amor e resistência Aberta para quem quisesse se manifestar, sempre ao som do berimbau, a roda de capoeira virou um círculo de representação do discurso que, segundo familiares, Moa pregou durante toda a sua vida.

Amigo e companheiro desde a década de 70 - quando Romualdo fundou o Afoxé Badauê -, o fotógrafo Geraldo Badá, 59, acredita que o mestre morreu em nome do amor ao próximo.

"Nós estamos vivendo um momento em que o Brasil está dividido. A violência não acaba em nada de bom, não dá em nada. É preciso que as pessoas se conscientizem que não podemos dar império ao ódio. Ele só amava, era isso que ele levava onde quer que fosse, e em nome disso ele morreu. Foi assassinado tentando botar na cabeça de um negro que o melhor é amarmos", disse Badá, que trabalhou como relações públicas do Badauê.

E se o amor foi a mensagem que Mestre Moa se empenhou em perpetuar, seus admiradores e amigos deixaram claro, esta noite, que a missão vai ser passada adiante. Em meio a discursos emocionados intercalados por abraços, a memória de Romualdo foi celebrada como a de um "grande líder que se tornou um símbolo eterno de resistência do povo preto".

Leia também: Após morte de capoeirista, Bolsonaro diz que não controla apoiadores

Em discurso emocionado, o ex-deputado federal Luiz Alberto, 65, comentou que o amigo de mais de 30 anos simboliza resistência porque "até seu último momento de vida, acreditou que, por meio da conscientização, poderia transformar a ele e o mundo".

Em um dos poucos momentos em que o silêncio imperou naquele círculo, Luiz fez sua leitura do que motivou a morte do capoeirista - lembrado como "Moa lindo do Badauê' em uma grande faixa azul estendida sobre os paralelepípedos do Largo do Pelourinho. "Uma das questões mais complexas do racismo é que o negro se sente menor diante de um branco e, diante de outro negro, o negro quer ser mais. O que aconteceu foi que este rapaz, que podemos chamar de irmão de Moa, o atacou porque se sentiu ofendido ao ser chamado de negro. Ele foi contaminado pelo racismo, que é o que produz todo esse ódio", analisou.Em um encontro com Luiz no sábado, às vésperas de morrer, o mestre de capoeira falou sobre o momento político atual e, segundo o ex-deputado, chegou a dizer que estava otimista que as coisas fossem melhorar porque "as pessoas vão acabar se conscientizando que só o amor e a educação podem transformar o mundo".

No próximo sábado (13) será realizada uma missa em memória de Moa do Katendê na Igreja do Rosário dos Pretos, também no Largo do Pelourinho.