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Da Redação
Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 12:05
- Atualizado há 2 anos
“Minha Santa é guerreira e tem nome bem forte. Ela é minha padroeira na vida e na morte”, cantou a multidão de vermelho e branco que estava presente na missa para Santa Bárbara, celebrada nesta quarta-feira (4), no Largo do Pelourinho. Após a celebração, uma procissão saiu da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos até a Rua Joaquim Seabra, na Baixa dos Sapateiros.
A Santa homenageada vem por último no cortejo pelo Centro Histórico da capital. Cabe aos santos Cosme e Damião, Jorge, Sebastião, Miguel Arcanjo, Lázaro, Roque e Jerônimo abrirem o caminho para imagem da guerreira e mártir da Igreja Católica.
Também conhecida como guerreira, a Orixá Iansã é a outra homenageada do dia. Santa Bárbara é sincretizada com a entidade do Candomblé. Ambas regem os ventos e as tempestades.
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Para as mulheres, as divindades têm grande representatividade por ressaltar a força feminina. Assim como a Santa e a Orixá, a autônoma Terezinha da Silva, 62 anos, se reconhece como uma mulher forte.
“Tem horas que eu nem acredito na força que tenho para fazer as coisas, com maior carinho, amor e entusiasmo”, disse a devota, que acredita que a força é dada pelas entidades.
A aposentada Cremilda de Lima, 63, é devota de Santa Bárbara há 20 anos e há 10 participa das celebrações do dia 4 de dezembro. Para ela, foi devoção à santa que permitiu que ela tivesse fé e esperança na vida.
Além de ser um símbolo de força e luta, os devotos também apontam que Santa Bárbara sempre escuta e atende os seus pedidos. É por isso, que a baiana de eventos, Maria de Fátima do Rosário, 51, entrega acarajés todos os anos no dia das entidades.
Enquanto retribuía o apoio da santa e da orixá, a baiana contou à reportagem que a veneração é de família. “Dou continuidade ao que meus antepassados começaram”, disse.
Apesar de ser filha D'oxum, Maria de Fátima sempre conta com o apoio de Iansã.“Minha relação com Santa Bárbara é de muito carinho e muita dedicação porque minha Ialorixá é de Santa Bárbara também, que é Iansã. É uma relação maravilhosa, tudo que eu peço, ela me atende com a ventania dela”, completou.Rosana Meneses tem 55 anos e é outra devota que confia todos os seus problemas para a santa resolver. Por isso, ela não faz promessas, apenas permite que a entidade haja.
Membro da Irmandade do Rosário dos Pretos, Rosana recolhia oferendas para a santa durante a missa no Pelourinho. Ao participar da comunhão, ela afirma sentir paz e uma sensação maravilhosa.
Diferente de Rosana, o assistente de loja, Paulo Jardel, 23, pagava uma penitência durante a missa como forma de agradecer à santa. Nas celebrações de 2018, um padre abençoou uma imagem da mártir da igreja. Agora, Paulo decidiu que vai carregar a representação na cabeça durante a missa celebrada para Santa Bárbara em todos os dias 4 de dezembro.“Todo ano, enquanto eu tiver vida e saúde, eu virei com a imagem para a missa e darei meu caruru logo em seguida. Neste ano, o caruru deve acontecer na próxima semana”, disse enquanto subia a ladeira do largo do Pelourinho com uma imagem de Bárbara apoiada na cabeça.O padre Jonathan de Jesus, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, afirmou que a santa é celebrada com muita alegria porque as pessoas se identificam com a sua vida. “Celebrar o dia de hoje é celebrar um povo que resiste às torres que querem aprisionar os filhos de Deus. Esta festa nessas ladeiras mostra que o bem vence o mal e que comunhão e a paz é o caminho para o mundo unido. Esta festa tem sentido de resistência”, disse.
Quem vem de fora Apesar de ser da América do Sul, a psicóloga colombiana Esperanza de Dias, 61, se impressiona com a forma como as religiões de matriz africana e a religião católica se misturam na Bahia. “No resto da América Latina, as religiões negras foram demonizadas, aqui não”, percebeu.
Ela acredita que ir ao festejo popular é uma oportunidade para ter contato com culturas diferentes. “Eu acho a festa muito boa e interessante, o resto da América Latina não tem essa oportunidade. É um oportunidade para ampliar os horizontes do conhecimento do diferente”, contou.
Apesar de morar na Bahia há cerca de um ano, esta é a primeira vez que a colombiana vai ao festejo. Outro que não conhecia a missa, é o mexicano Johannes Neurath, 52. Mas a vontade de ver como é a festa de Santa Bárbara o fez vir até Salvador neste ano.“É uma festa muito interessante, eu não sei muito sobre as religiões afro-brasileiras. É minha primeira experiência, mas acho que é algo muito interessante e intenso. Eu gostaria de saber mais sobre isso”, contou.Sincretismo Assim como os fiéis celebram tanto Santa Bárbara quanto Iansã no dia 4 de dezembro, o padre Jonathan de Jesus compreende que a santa é um patrimônio da humanidade e não é possível deter as outras crenças que povo possui.
A Igreja do Rosário dos Pretos é conhecida por incluir elementos africanos em suas celebrações. O padre explica que não se trata de sincretismo, mas de uma inculturação.
“A inculturação faz com que a mensagem de Cristo adentre a cultura local. É o modo do evangelho se aproximar com a cultura do nosso povo. Nós falamos de acolhimento, de abraçar o outro, que é diferente de nós, mas também é igual a nós”, explicou.
Do ponto de vista do catolicismo, o padre acredita que é uma grande alegria celebrar a santa. “É uma festa de uma força e de testemunho que ultrapassa gerações e chega até hoje celebramos o seu testemunho de Santa e de gloriosa seguidora de Cristo”, disse.
Caruru dos Bombeiros Além da tradicional procissão, o caruru oferecido pelo quartel do 1° Grupamento de Bombeiros Militar, que fica na Barroquinha, também é esperado. Nesta quarta (4), foram distribuídas 1.500 quentinhas no quartel. Para isso, foi necessário usar 10 mil quiabos.
Além do aspecto religioso, o caruru é reconhecido pelo sabor. Por isso, a fila para receber um prato do alimento começa até três horas antes da distribuição dos pratos.
A vendedora Ivanilda Castro Melo, 64, estava no primeiro lugar da fila e ignorou o aviso dos bombeiros para parar de esperar, o que já fazia desde às 10h. A comida é servida por volta das 13h.“Eu posso ficar até amanhã, mas espero. O caruru é gostoso e foi Santa Bárbara que me mandou ficar aqui”, disse.O Capitão Leandro conta que os bombeiros eram os responsáveis por cortar os quiabos do caruru, agora, tudo é feito com apoio de pessoas e entidades. Neste ano, parte do caruru foi feita pelo Senac.
“É uma tradição muito antiga da instituição com os festejos da santa. É através de contribuição que conseguimos ofertar, é uma representação de um agradecimento dos bombeiros à Santa Bárbara, que é considerada nossa protetora”, disse.
Santa Bárbara é a padroeira dos Bombeiros, mas não é só por isso que o quartel faz o caruru. Tudo começou quando o Mercado de Santa Bárbara, no Centro Histórico de Salvador, pegou fogo e a imagem da santa foi levada para o quartel da Barroquinha.
A imagem não está mais no quartel, mas a procissão entra no local todos os anos para agradecer os bombeiros por terem apagado as chamas do mercado, o que havia sido pedido pelo devotos de Bárbara.
No local, os bombeiros jogam água benta nos fiéis com um carro da companhia. A dona de Casa Oisvanai Santos, 37, levou os filhos para tomar o banho com a água sagrada no quartel.“É como se a água estivesse lavando a nossa alma para o ano que tá chegando, fico renovada”, disse.Calendário de festejos populares Patrimônio Imaterial do Estado, a Festa de Santa Bárbara abre o calendário baiano de festejos populares. Agora, as festividades só se encerram no Carnaval. Confira o calendário abaixo
4/12 - Santa Bárbara8/12 - Nossa Senhora da Conceição da Praia13/12 - Santa Luzia1/01 - Procissão do Nosso Senhor dos Navegantes - Festa da Boa Viagem6/01 - Festas de Reis16/01 - Lavagem do Bonfim26/01 - São Lázaro2/02 - Yemanjá13/02 - Lavagem de Itapuã19/02 a 25/02 - Carnaval de Salvador
*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier