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'Minha identidade negra está ferida', relata adolescente agredido por PM

Mãe do jovem diz que ele 'dorme e acorda assustado' após abordagem truculenta

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 4 de fevereiro de 2020 às 17:30

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Betto Jr/CORREIO

O símbolo de resistência não suportou a truculência da Polícia Militar baiana. "Estou com medo até de sair de casa, tenho receio que algo aconteça comigo e com a minha família", declarou o adolescente 16 anos que levou murros, chutes e insultos racistas por parte de um policial militar durante uma abordagem. Até então, ele mantinha o penteado black power como forma de autoafirmação. “É mais que moda, é a minha identidade negra que agora está ferida”, complementou o jovem que disse querer cortar o cabelo. 

As agressões do PM, filmada por um morador, circula nas redes sociais e  ganhou repercussão nacional. O vídeo mostra toda a ação no bairro de Paripe, que aconteceu no domingo (2). "Você pra mim é um ladrão. Você é vagabundo! Essa desgraça desse cabelo. Tire aí [o chapéu], vá! Essa desgraça aqui. Você é o quê? Você é trabalhador é, viado?", disse o PM no vídeo ao jovem. 

Amedrontado, ele disse que vai cortar o cabelo. "Não vou usar mais. Vou cortar", disse ele. A mãe do adolescente, Karina Barros, 32, endossou a vontade do filho. "Não quero mais que ele use. Isso nos traumatizou bastante. Dorme e acorda assustado", contou ela, que é bombeira civil, está desempregada e atualmente faz faxina.

Desde o episódio, o adolescente não sai de casa. "Penso que ele pode vir atrás de mim por causa do vídeo. Não estou saindo de casa para nada", disse ele, que emendou sobre a repercussão. "Não tinha ideia que o vídeo pudesse causar tudo isso. Tenho muito medo que ele desconte tudo isso em mim". 

Questionado se já havia passado por uma situação semelhante, o rapaz respondeu: "uso o corte há mais de um ano e nunca passei por isso, sequer fui alvo de comentários racistas, enquanto no domingo fui espancado", finalizou.  Foto: Bruno Wendel/CORREIO Justiça O adolescente é o mais velho dos três filhos de Karina Barros. Ela espera justiça. "Fica o medo, mas a gente acredita na justiça. Meu filho não errou. O erro foi do policial. Mesmo que meu filho tivesse feito algo de errado, o que ele não fez, não é dessa forma que se deve abordar as pessoas. Meu filho foi espancado por quem deveria proteger os cidadãos", declarou. 

No domingo, o adolescente voltava para casa, junto com a namorada, quando casal parou para falar com um amigo que estava em um carro. No momento que conversavam, uma equipe da PM se aproximou e um dos policiais disse: “O que está acontecendo aí?”.

Na abordagem truculenta, o PM retira a boina do jovem que usa cabelo no estilo black power e a joga no chão. “Colocou os meninos encostados no muro e começaram as agressões. Além de xingá-lo de vagabundo, deu bicudas e socos nele. Fiquei chorando, mas não podia fazer nada por que ele estava me olhando com raiva", contou a namorada do rapaz.

Ela também está apavorada. “Assim como ele, estou com muito medo. Estava na hora e vi tudo e não sei o que o policial poderá fazer depois que tudo isso passar”, disse ela, encerrando a conversa.  O adolescente ao lado da mãe: 'dorme e acorda assustado'  (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Por conta do vídeo, uma nota foi divulgada na segunda-feira pela a assessoria da Polícia Militar. Nela a corporação informou que "não preconiza com a violência e rechaça todo e qualquer tipo de conduta violenta". Além disso, confirmou que o vídeo será encaminhado para a Corregedoria-Geral da PM para ser analisado. Por último, a corporação informou que não prevê atendimento psicológico ao jovem. Ao CORREIO, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) comunicou que está buscando informações junto à polícia para se inteirar do caso.

Agressão gratuita O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Jerônimo Mesquita, explica que houve abuso de poder na abordagem do policial. “O jovem estava de costas, não representava perigo. O que ele poderia fazer é imobilizar o rapaz, mas ali foi uma agressão gratuita”, avaliou.

Mesquita explica ainda que, ao agredir o rapaz, o agente cometeu lesão corporal, acompanhada de injúria racial pela depreciação do cabelo black power e também homofobia por tê-lo chamado de ‘viado’. 

“É importante que esse policial responda por um processo disciplinar da corregedoria. Quando a Polícia Militar permite que essas coisas aconteçam, ela dá um recado para os outros policiais de que há uma política violenta na instituição”, comentou o advogado.  Foto: Reprodução 'Caso isolado' O governador Rui Costa, em publicação feita em seu perfil oficial no Twitter, na manhã desta terça-feira (4), comentou a denúncia de racismo envolvendo um policial militar da Bahia.

“Como governador do Estado da Bahia, não admito comportamento de violência policial como o ocorrido no vídeo que circula nas redes sociais. É inaceitável, inadmissível e não reflete o comportamento e os ideais da instituição”, disse Rui. 

O governador, que entregou uma contenção de encosta na manhã de hoje na Bela Vista do Lobato, no Subúrbio de Salvador, afirmou que acompanha a apuração do caso.

“Determinei apuração rigorosa e imediata da Corregedoria da Polícia Militar com as devidas punições legais aos responsáveis e divulgação para a sociedade das medidas adotadas, para que esses casos isolados não possam continuar comprometendo a imagem da instituição”, escreveu na rede social.

O coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Marcos Rezende, comentou o caso e disse que espera que o policial envolvido passe pelas medidas legais disciplinares da própria Polícia Militar. Na avaliação dele, as autoridades policiais têm agido dessa forma movidas não só pelo racismo, mas também porque pessoas de bairros periféricos são tratadas como se tivessem menos direitos. 

Ainda segundo ele, situações como a do jovem poderiam ser evitadas se as viaturas possuíssem câmeras. Rezende acredita que, assim, os agentes filmados iriam pensar nos riscos de abordagens violentas.

“Por mais que se tratem esses casos como isolados, existe uma sequência desses casos isolados que vira rotina, norma. E isso vai formatando uma ideia de que esse é o procedimento policial, mas não é. É preciso mudar a formação policial. Os policiais têm formação que não colocam os direitos humanos como importante. Ninguém vê esse estresse policial num bairro nobre”, disse Rezende.