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Mario Bitencourt
Publicado em 27 de janeiro de 2018 às 07:20
- Atualizado há 2 anos
A turista argentina Mila Alejandra Garcia, 29, está no Morro de São Paulo há dois dias sem ainda saber porque pagou um valor de R$ 15 para entrar na ilha mais famosa da Bahia, pertencente ao município de Cairu, no Baixo Sul do Estado.>
“Tenho visto muito lixo nas ruas, não achei que fosse assim. Nas fotos é tudo muito bonito, praias limpas, natureza exuberante. Eu vi um córrego de água fétida indo para o mar e me disseram que era esgoto, fiquei assustada”, disse ela, que é publicitária.>
A curiosidade em saber com que está sendo gasto o valor arrecadado pela Prefeitura de Cairu por meio da Tarifa por Uso do Patrimônio do Arquipélago (Tupa), válida desde 1º de novembro de 2017, não é só da turista argentina.>
Ela se estende a outros moradores da Ilha de Tinharé, onde está localizado o Morro de São Paulo, sobretudo porque no local há um lixão irregular próximo a área de Mata Atlântica e a um riacho que fazem parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA).>
Segundo a Prefeitura de Cairu, a Tupa visa a “assegurar a manutenção, restauração, e preservação do patrimônio histórico, cultural, ambiental e estrutural do arquipélago, bem como as condições ambientais e ecológicas da APA Tinharé”.>
Para a Prefeitura, a Tupa “é respaldada na Constituição Federal, a qual atribui ao Município a manutenção dos bens públicos, e no Código Tributário, que assegura cobranças de tarifas similares, a exemplo dos conhecidos pedágios, como uma forma compartilhada de garantia de tais serviços”.>
Mas ela está sendo contestada na Justiça desde novembro de 2017 pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), que já conseguiu derrubar outras duas leis do tipo.>
Em 2016, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA) julgou inconstitucional uma taxa de proteção ambiental do mesmo valor imposta aos turistas, após ação do MP-BA, e já tinha feito o mesmo em 2012 com a “taxa de turismo”. Para o MP-BA, a Tupa é inconstitucional, assim como as outras taxas.>
Recepção de lixo>
Em Morro de São Paulo há lixo também espalhado ao longo da estrada que sai do receptivo (terminal de desembarque) e leva parte dos cerca de 300 mil turistas que frequentam por ano o Morro de São Paulo até os hotéis da 4ª e 5ª praia.>
A estrada suja e virou motivo de preocupação em Morro de São Paulo, onde a cadeia do turismo possui 12 mil leitos em 220 estabelecimentos para hospedagem e 125 bares e restaurantes, com geração de 4 mil empregos.>
“Fora as belezas naturais, que estou aproveitando também, o lixo foi o que me chamou mais a atenção. Depois me disseram que o valor de R$ 15 que pagamos para entrar era para preservar o meio ambiente. Que preservação é essa”, questiona a argentina Mila, que reside em Córdoba.>
Também argentino, o empresário Alberto Gutierres, 39, está há quatro dias no Morro e disse que “este ano, com a tarifa, está pior que o ano passado, quando não tinha” – ele frequenta o Morro de São Paulo pelo terceiro ano consecutivo.>
“Eu trabalho com turismo e tenho visto aqui, em Salvador e outros locais da Bahia para aprender mais, manter contatos e aproveitar um pouco as belezas, mas a questão do lixo está muito ruim. Os outros locais estão bem mais limpos, e é o único que paga uma tarifa para entrar”, declarou Gutierres, que mora em Mar Del Plata. >
Morador do Morro, Eduardo Ferraz, disse que o lixo na área da 4ª e 5ª praia já dura semanas, sem que seja tomada providências da Prefeitura de Cairu. “É uma vergonha para nós ter de morar num lugar em que não se faz o básico, que é cuidar do lixo”, falou.>
Presidente da Associação Comercial e Empresarial de Cairu, o empresário Carlos Correia afirmou que “a coleta de lixo no Morro é muito ineficiente”, e reclamou da falta de transparência por parte da Prefeitura de Cairu com relação ao valor que se arrecada com a Tupa.>
“Nunca se viu, por exemplo, um projeto de educação ambiental ou até mesmo de coleta seletiva do lixo, de tratamento de resíduos sólidos. Já estivemos diversas vezes com a Prefeitura e não nos deram resposta, a indignação é geral”, afirmou.>
E o descuido, observa Correia, ocorre também por parte da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), que “se mostra omissa com o esgoto jogado por moradores no córrego da biquinha, que vai dar na 2ª praia”.>
Mau cheiro>
A Embasa informou que só foi notificada do problema do esgoto no córrego da biquinha na tarde de ontem. A gerência do órgão estatal em Cairu disse que “foi relatado mau cheiro no córrego e uma equipe foi deslocada para averiguar a situação e tomar providências”.>
Também insatisfeito com a situação, o empresário Cristian Willy, que possui duas pousadas em Morro, disse que “o trade turístico local estuda tomar providências judiciais para que os problemas ambientais do Morro sejam resolvidos”.>
“Não tem mais cabimento uma situação dessas. Convivermos com lixo espalhado pelas ruas é algo que incomoda a todos. Estamos em pleno verão, recebendo turistas todos os dias e vivemos assim, como se não tivéssemos autoridades responsáveis pela administração local”, disse.>
A Prefeitura de Cairu declarou em nota que “a área citada (da estrada da 4ª e 5ª praia que mostra lixo acumulado) é limpa semanalmente”. Informou que “cercou o local e sinalizou com placa de ‘proibido jogar lixo’, porém os próprios moradores e empresários insistem em fazer descarte dos resíduos, irregularmente na área.”>
“Recentemente, a fiscalização foi reforçada, a fim de coibir e punir quem for pego jogando lixo no local”, comunicou a Prefeitura, segundo a qual “a coleta de lixo em Morro de São Paulo acontece diariamente, sempre pela manhã”.>
Contudo, fotos enviadas por moradores do Morro de São Paulo mostravam no final da tarde desta sexta-feira mostravam lixo acumulado na 2ª praia.>
A Prefeitura afirma que “tem feito campanhas constantes de conscientização dos moradores e turistas, com o objetivo de informar os horários das coletas, assim como, a necessidade de preservação do meio ambiente.”>
Sobre gastos com proteção ambiental com os valores arrecadados pela gestão municipal, cujas cifras não foram informadas, a Administração local declarou que “por fins de otimizar o investimento, estipulou um prazo como fundo de caixa, de 90 dias, para apresentação de projetos que visem o melhor investimento da quantia arrecadada, na manutenção do patrimônio histórico, cultural e ambiental.”>
“Até a presente data, não foi utilizado nenhum recurso”, assumiu a Prefeitura. “A partir dessa semana serão apresentados projetos de investimentos, e um dos projetos da Secretaria de Administração é o disciplinamento dos resíduos sólidos”, finalizou.>