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Hilza Cordeiro
Publicado em 7 de julho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Abre comércio, sobe o número de casos, fecha novamente. A história que foi vista em outras cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, se repetiu aqui na Bahia no município de Feira de Santana.
No último dia 16 de junho, o prefeito Colbert Martins flexibilizou a reabertura de pequenas lojas, assim como shoppings, galerias e até o Feiraguay. Naquela data, eram 1.654 infectados pelo novo coronavírus, 36 óbitos e a taxa de ocupação de leitos de UTI estava em 80%. Pouco mais de duas semanas depois, o prefeito recua mais uma vez e fecha o comércio a partir desta terça-feira (7).
Porém, os números não voltam atrás: já são 4.399 casos confirmados, 2.263 casos ativos, 70 óbitos e não há mais leitos de UTI disponíveis no Hospital de Campanha, que foi inaugurado há apenas um mês. A ocupação na rede privada também está quase no limite, segundo o prefeito.
Escute no nosso podcast: Feira de Santana: UTIs lotadas e comércio que abre e fecha
O chefe do executivo municipal nega que o aumento do número de casos da covid-19 tenha sido por conta da retomada comercial. Segundo ele, o crescimento de infectados foi porque o pico da doença iria chegar de qualquer maneira, já que a curva é exponencial, além do aumento de aplicação dos testes rápidos na população — foram 20 mil até agora —, o que leva a uma descoberta de novos casos. “Não aumentou porque abriu A ou B, aumentou porque nós estamos chegando no pico e a interiorização chegou fortemente aqui em Feira de Santana”, explica Colbert Martins.O prefeito ainda cita a grande circulação de caminhões e ônibus na cidade, vindos principalmente do Sudeste, que podem ter contribuído para a alta dos doentes.
Esse pensamento não é compartilhado pela estudante de Relações Internacionais Brenda Borges, 19 anos, que atualmente mora em Portugal, mas veio passar o período de isolamento com a família na cidade baiana.
“Queria esperar mais de Colbert, por ele ser médico. Mas acho que ele se preocupa mais com o dinheiro do que com a crise sanitária que estamos passando. Foi totalmente incoerente ter reaberto o comércio, ele deveria ter ouvido a comunidade científica”, avalia. Feiraguay é um dos principais centros comerciais de Feira (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Ciência confronta Para os cientistas, no entanto, a conversa do prefeito não corresponde à realidade. A abertura do comércio tem relação determinante na alta de casos. De acordo com dados do painel Geocovid-19, projeto da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) que monitora o avanço da doença, no final de março os casos de infecção por coronavírus dobravam a cada seis dias e meio, em média.
Depois, com as medidas restritivas, houve uma estagnação do contágio e levou mais de 20 dias para dobrar os números, o que demonstrava que estavam no caminho do controle.
No fim de abril, a prefeitura de Feira anunciou a primeira flexibilização do funcionamento do comércio. Foi o suficiente para, cerca de dez dias depois, os dados mostrarem dobra de casos. Desde metade de junho, a cidade tem levado, em média, 12 dias e meio para multiplicar por dois o número de infectados.“Isso mostra que não havia situação segura para se fazer flexibilização das atividades, já que a gente estava em uma situação de taxa de contágio crescente”, aponta o professor Washington Rocha, coordenador do Geocovid-19.Outro parâmetro que vem sendo observado é, justamente, o índice de retransmissão do vírus, chamado de RT. O professor explica que esse índice indica, mais ou menos, qual o potencial de uma pessoa transmitir o vírus para outra. Assim, se o RT é 2, significa que uma pessoa contaminada transmite o vírus para até dois outros indivíduos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prega que para considerar que a doença está sob controle é necessário que esse número esteja abaixo de 1.
De acordo com dados do projeto Corona Cidades, obtido pelo Geocovid-19, essa taxa estava em 1,7 em Feira de Santana no último domingo, e vem se mantendo em uma média de 1,55.
“Essa decisão do prefeito de fechar o comércio agora é mais do que necessária. A gente sabe que é um problema a questão econômica das pessoas, mas fazer flexibilização em um momento impróprio terá uma repercussão muito pior”, argumenta Washington Rocha.
Lockdown Na semana passada, cientistas do Consórcio Nordeste — rede criada para orientar autoridades públicas no controle da pandemia — recomendaram a instituição imediata de lockdown na cidade, o que corresponde a bloqueio total das atividades.
Apesar de ser dona de uma loja de artigos de praia em Feira de Santana, Aldilai Peixoto, 31, discordou da reabertura do comércio desde o início. “Fui uma das primeiras a fechar as portas, antes mesmo do decreto do prefeito”, conta. “Para mim, teria que ter sido assim desde o começo, já que temos essa opção de trabalhar online”, completa a empresária.
Reinventando o negócio por causa da pandemia, Aldilai criou um site para a empresa, investiu na divulgação em redes sociais e as vendas pela Internet alavancaram desde então, ampliando a clientela para além do município e da Bahia. “Nossa empresa não se apegou em continuar refém do atendimento presencial, a gente conseguiu se reinventar”, relata. Clientes não respeitam distanciamento social em centro de compras de Feira (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Secretário de Saúde critica reabertura
Se o comércio for mantido aberto, os dados de projeção do Geocovid-19 apontam que, em um mês, Feira de Santana pode chegar a 50 mil casos acumulados da doença. Mesmo se as atividades se mantiverem suspensas, e o lockdown for acionado, pode-se atingir até 20 mil casos totais no mesmo período. Se o comércio não tivesse sido aberto em abril, os cientistas do projeto estimam que, em vez dos mais de 4 mil casos atuais, Feira de Santana estaria com cerca de 1,5 mil infectados.
O secretário de saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, não recomenda que seja feita a retomada se não houver leitos suficientes para os doentes e se a taxa de crescimento da covid-19 não estiver sob controle.
“O que houve em Feira de Santana foi que se decidiu abrir quando a taxa de crescimento ainda estava alta. Fez Feira saltar pra ser o segundo município com maior número de casos da Bahia, crescendo a uma taxa de 5,4%. Só nos últimos cinco dias, cresceu 27%. Significa que a cada 10 dias, vai dobrar o número de casos, persistindo a taxa de crescimento”, analisa o secretário. “Bom exemplo não é, mas cada prefeito tem sua autonomia”, comenta.
Com hospitais lotados, prefeitura promete mais vagas
Por conta do esgotamento da capacidade no sistema de saúde, a Prefeitura de Feira anunciou, em coletiva virtual realizada ontem, que pretende ampliar entre 6 a 10 vagas a oferta de leitos de UTI no Hospital de Campanha. Atualmente, são 10 vagas de UTI, todas ocupadas, e 50 leitos de enfermaria, sendo mais da metade ocupados.
Colbert disse que a decisão foi tomada na semana passada e, nesta semana, assinará o contrato para a ampliação. Na coletiva, o prefeito aproveitou para sinalizar que a entrega dos 40 leitos de UTI no Hospital Clériston Andrade foi novamente adiada pelo Governo do Estado.
A infectologista Melissa Falcão, que é coordenadora do Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus de Feira, pontua que, embora os leitos de UTI estejam quase todos ocupados, ainda há vaga nas enfermarias.“Há um grande número de internamentos e esgotamento dos leitos de UTI, mas temos vagas nos leitos clínicos. A gente percebe com isso que os pacientes estão vindo se internar já com um quadro grave e, nestes casos, precisa ir diretamente para a UTI. Por isso, peço a vocês que estejam com suspeita de coronavírus que, aos primeiros sinais de dificuldade de respirar, mesmo que leve, procurem uma unidade de saúde”, orienta a médica.CRONOLOGIA DO ABRE E FECHA EM FEIRA DE SANTANA20 de abril - Reabertura do comércio - 58 casos 21 de maio - Fechamento do comércio - 240 casos 16 de junho - Comércio volta a abrir - 1.090 casos 7 de julho - Prefeitura decreta novo fechamento do comércio - 4.399 casos *Sob supervisão da editora Clarissa Pacheco