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Mario Bitencourt
Publicado em 3 de julho de 2019 às 19:27
- Atualizado há 2 anos
A mãe de santo Rosilene dos Santos Santana Sousa, 45 anos, conhecida como Mãe Rosa, afirma ter sido alvo de racismo, intolerância religiosa e LGBTQfobia por parte de pessoas ligadas uma igreja evangélica. Dona do terreiro Ilé Asé Alaketu Omí Ógbá, ela tem 19 anos de candomblé e também atua na defesa dos direitos humanos em Vitória da Conquista, sudoeste da Bahia.>
O caso ocorreu no início da noite de domingo passado (30), no bairro Vila América, e o boletim foi registrado no dia seguinte na 1ª Delegacia de Vitória da Conquista. Ela relatou que seu terreiro foi chamado de “casa de negrinhas” e “ponto de satanás”.>
A mãe de santo conversou com o CORREIO e relatou que foi a uma padaria com a sua cadela de estimação. Quando retornava para o terreiro onde mora, encontrou uma mulher evangélica no caminho, que estava com a Bíblia na mão, e as duas iniciaram uma conversa amistosa sobre o animal. Quando chegou à porta do terreiro, Mãe Rosa se despediu e anunciou que havia chegado em casa, para o espanto da outra mulher, que deu início às ofensas.>
Mãe Rosa relata que a evangélica ironizou e disse: "Você mora aí, é? Vou orar por você". Ela rebateu: "Não precisa, já tenho minha crença". Irritada, a evangélica teria dito a seguinte frase: "Ah, você é a sapatão que mora aí, então, né? A que fica levando essas negrinhas para esse ponto de satanás".>
Surpresa com a reação, a mãe de santo, que é casada com uma mulher, alertou à evangélica que ela estava tendo uma postura criminosa. Em seguida, Mãe Rosa conta que se dirigiu à igreja evangélica frequentada pela mulher, localizada nas proximidades do terreiro de candomblé, para conversar com o responsável pelo local, o pastor Wellington da Silva, a quem ela conhece há muitos anos.“Na igreja, para a minha surpresa, o pastor já veio me atender todo nervoso. Acho que a mulher já tinha falado com ele sobre a conversa. Ele veio me empurrando com os dedos, me pressionando forte contra meus seios, e disse que enquanto estiver vivo que esse 'ponto de satanás' ia sair daí de qualquer forma”, relatou.Segundo a mãe de santo, ela nem teve chance de ser ouvida pelo pastor. “Eu fui lá levar uma cartilha da Defensoria Pública da Bahia sobre o Estatuto da Igualdade Racial, fui para levar educação, para que ele pudesse orientar as pessoas da igreja sobre respeito às religiões, mas ele me recebeu com essa agressão”, lamentou.>
Outro lado O CORREIO tentou localizar o pastor Wellington, sem sucesso. Segundo duas pessoas que se dizem integrantes da igreja, denominada apenas como “Igreja Evangélica”, não foram desferidas agressões nem xingamentos à ialorixá, e que o pastor "apenas dito a ela que seriam feitas orações para a mãe de santo".>
Na delegacia, o caso foi registrado contra o pastor, mas ainda não foi designado delegado responsável para realização das investigações, segundo informou uma agente da Polícia Civil que preferiu não ter o nome divulgado. A delegada titular da delegacia, Tânia Silveira, está de férias. Foto: Blog do Anderson/Divulgação Luta por direitos Mãe Rosa diz estar bastante abalada com a situação, sobretudo porque ela é militante dos direitos humanos – já comandou por 15 anos a Coordenação de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Vitória da Conquista e a Coordenação LGBTQ+.>
A ialorixá também integra o grupo operativo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado, que recebe denúncias de crimes semelhantes aos que a mãe de santo sofreu. O terreiro dela atua em parceria com a Defensoria em diversas causas relacionadas aos direitos humanos, com assistência a minorias.“Durante minha vida, tenho buscado fazer um trabalho de assistência para as pessoas que mais necessitam e sem querer impor a ninguém a minha religião. Tenho duas filhas adotivas de pessoas que não as quiseram porque são negras, a mais velha tem 15 anos”, declarou a mãe de santo.“Aqui em casa já ficou uma senhora, a pedido da Defensoria, de Santo Amaro, por seis meses. O filho dela estava preso e ela era evangélica. Nunca tivemos problemas por conta de religião, ela me respeitava e eu respeitava ela. Meu terreiro quase não tem festa com batuque, somente três vezes ao ano”, completou ela.>
Mobilização O advogado Rudival Maturano, que acompanhou a ialorixá durante o registro da ocorrência na delegacia, disse que espera que seja aberto logo procedimento para que as investigações sejam iniciadas. “O que vemos, inicialmente, é o crime de racismo e intolerância religiosa, além de LGBTQfobia”, comentou.>
O caso em Vitória da Conquista fez mobilizar outros terreiros em solidariedade a Mãe Rosa. Para o próximo domingo (7), está sendo organizada uma feijoada, aberta ao público, que será um ato contra o racismo e a intolerância religiosa.>
De acordo com dados da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), de 2013 até o dia 30 de junho deste ano, foram registrados 172 casos de intolerância religiosa na Bahia e outros 321 casos de racismo. Somando com casos correlatos sobre o assunto (61), o total é de 556 registros. Este ano, foram 75 no total.>
Rede de atuação O caso já está sendo acompanhado pela Defensoria Pública da Bahia, pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), Sepromi, subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Vitória da Conquista e pela Coordenação Municipal de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Vitória da Conquista.>
Ao CORREIO, a Defensoria e o MP-BA informaram que vão pedir à delegacia que os fatos sejam investigados e dará acompanhamento à situação para que sejam tomadas as devidas providências. Já a Sepromi e a Coordenação Municipal de Promoção da Igualdade Racial relataram que disponibilizaram apoio jurídico e psicológico para a mãe de santo.>
“As providências iniciais já foram tomadas, agora é dar continuidade aos trabalhos para que não fique por isso mesmo. Estamos todos muito revoltados com essa situação, que precisa de uma resposta para a sociedade”, disse a ialorixá Olinda Pereira, coordenadora municipal de Promoção da Igualdade Racial.>
Coordenador interino do Centro de Referência Nelson Mandela, ligado à Sepromi, Clerisvaldo Santos Paixão informou que “a rede de combate ao racismo e à intolerância religiosa da Bahia já foi acionada sobre o caso e, agora, vai monitorar para ver se as providências estão sendo tomadas”.>
“Já enviamos comunicado à Secretaria de Segurança Pública, Polícia Civil e Polícia Militar para dar atenção ao caso e solicitamos agilidade, porque um dos problemas históricos de casos como esse é que os boletins de ocorrência são feitos e, depois, descaracterizados os tipos de crime, não sendo colocados como de racismo ou intolerância religiosa”, disse.>
A Secretaria de Segurança Pública, por sua vez, informou apenas que “está acompanhando o caso” e que as investigações serão de responsabilidade da Polícia Civil. O delegado coordenador da 10ª Coordenadoria de Polícia do Interior (Coorpin/Vitória da Conquista), Cleber Andrade, não foi localizado para comentar o caso.>
Já o MP-BA, diz que “tentará se reunir com as partes para colher mais informações e solicitará abertura de inquérito policial na região” e que, em 2019, foram registrados no órgão, até junho, 29 casos de intolerância religiosa: 13 em janeiro, 5 em fevereiro, 2 em março, 6 em abril, 1 em maio e 2 em junho.>
No MP, o acompanhamento dos casos de racismo e intolerância se dá por meio do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis), que desde novembro de 2018 tem registrado os casos também por meio do aplicativo Mapa do Racismo, que facilita o envio de denúncia.>