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Daniel Aloísio
Publicado em 28 de julho de 2021 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
O decreto diz que não podem acontecer eventos, mas, na Aldeia Xandó, muita gente começou a comprar terras por lá e todo dia tem festa. É o que diz o empresário Agrício Ribeiro, de Caraíva, distrito de Porto Seguro, no sul do estado, onde uma turista espanhola foi estuprada no último domingo (25).
Segundo ele, a vítima, que não teve idade revelada, participava de uma dessas festas que aconteciam normalmente na Aldeia Xandó, terra indígena localizada na região de Caraíva. O evento, no entanto, não era organizado pelos indígenas, de acordo com Leomi Pataxó, vice-presidente Associação dos Bugueiros Indígenas Pataxó de Barra Velha (ABIPA BV).
Ele sabe até citar a rua onde aconteceu a aglomeração que a turista participou: “Ela estava na Rua Maré Azul, numa barraca de praia onde acontecia a festa organizada por pessoas não indígenas, que inclusive compraram o local da mão de índios que não tinham conhecimento da lei”, disse.Nesse local, por volta das 4h, a turista contou em depoimento para a polícia ter pegado uma carona para o estacionamento Xandó. Ao chegar lá, ela foi surpreendida pela presença de mais dois homens. Os três a violentaram e fugiram.
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No depoimento, a turista informou que a carona foi pega com um motorista de buggy, veículo normalmente utilizado para passeios turísticos na região. No entanto, todas as fontes da cidade que conversaram com a reportagem negaram essa versão. Eles dizem que, na verdade, a carona foi realizada num quadriciclo vermelho, cujo motorista já foi identificado e nega ter cometido o estupro.
Apesar dessas novas informações, a Polícia Civil reafirmou que, na ocorrência, foi informado que a turista pegou carona em um buggy. Um inquérito policial foi instaurado para apuração do crime, guias de perícia foram pedidas e imagens de câmeras de segurança do local foram solicitadas para ajudar os policiais na identificação dos criminosos.
Associação repudia envolvimento dos bugueiros com crime De acordo com Leomi Pataxó, a versão de que o estupro tenha sido provocado por um bugueiro está afetando a categoria. “Os turistas estão todos desconfiados e nossos associados estão zangados e nervosos com isso. Os prejuízos para a associação estão sendo irreversíveis. Aqui está cheio de turistas, mas vários não quiseram fazer passeio conosco”, lamentou o rapaz, que espera que os fatos sejam logo esclarecidos. “A gente repudia qualquer tipo de violência. Nós prestamos nossa solidariedade à vítima, mas eu tenho quase certeza absoluta que não foi um bugueiro que cometeu o crime. Mas, se for, ele será expulso da associação e vai ser entregue às autoridades para responder por seus atos”, garante. Leomi não soube passar muitas informações sobre quem é a turista vítima do estupro. “Se não me engano, ela estava trabalhando aqui em Caraíva já faz um tempinho. Ela, inclusive, permanece na cidade, mas não sei dizer por quanto tempo e nem o local exato onde está hospedada”.
Segundo uma moradora da cidade que não quis se identificar, o local onde a turista trabalha é o Caraíva Bela Vista Pousada, que não respondeu às nossas mensagens para confirmar ou negar a versão.
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O medo, para os moradores, é que a repercussão do caso prejudique o turismo na região, que foi afetado no último ano pela pandemia. “Automaticamente, em uma situação dessa, as pessoas vão acabar pensando duas vezes, mas eu digo que aqui é um local seguro e o índice de criminalidade é baixo. Justamente por isso que ficamos todos chocados, pois não é a rotina do lugar acontecer uma coisa dessa”, disse Agrício Ribeiro.
Outro temor é que o crime seja associado aos povos indígenas que vivem em Caraíva e gere mais casos de preconceitos étnicos. “As lideranças do nosso território já estão sabendo que a justiça está investigando e já sabe mais ou menos quem fez esse ato, que aconteceu na divisa entre a Aldeixa Xandó e o vilarejo de Caraíva. Hoje a gente sabe que aqui não mora só indígenas. Nós não apoiamos esses atos e lamentamos que isso traga uma má visão para o local”, disse uma liderança indígena que não quis ser identificada.
A turista espanhola e o rapaz que pilotava o quadriciclo vermelho, apontado por testemunhas como o veículo utilizado na noite do crime, não foram localizados pela reportagem. Em nota, o Consulado Geral da Espanha lamentou o corrido e informou que não teve conhecimento oficial dos fatos.
“Esta Representação Consular, até o presente momento, não tinha conhecimento do caso. A vítima não buscou nosso auxílio e não recebemos comunicado por parte das autoridades locais. Vamos solicitar informações das autoridades envolvidas”, disseram.
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Segundo estupro em menos de dois anos em Caraíva Apesar de ser um local considerado seguro por moradores, esse é, no mínimo, o segundo estupro que acontece em Caraíva em menos de dois anos. É que, em janeiro de 2020, o caso da moradora Maria do Carmo Ribeiro, 27 anos, chocou toda a Bahia. Ela relatou em suas redes sociais um ataque sexual ocorrido enquanto dormia, dentro de sua casa. Segundo a jovem, ela acordou com um homem em cima dela, se masturbando, enquanto tocava seu corpo. "Eu nem sei te dizer como estou me sentindo. Estou muito cansada, não consigo dormir nenhuma noite. Fico conversando com meu companheiro e meu pai, porque estou com dificuldade de dormir. Está sendo bem desgastante esse processo, mas sei que agora não é hora de descansar", disse ela, na época. A jovem, que é carioca e se mudou para a Bahia há quatro anos, tinha voltado de uma festa e dormia quando foi vítima do índio pataxó Tacio da Conceição Bonfim, que dias depois teve a prisão preventiva decretada. Segundo o advogado da vítima, Alex Ornelas, outra mulher alegou também ter sido violentada pelo rapaz, o que culminou na prisão.
"Teve um fato importante também, que foi o surgimento de uma segunda vítima que alegou ter sido abusada sexualmente pelo mesmo agressor. Ela foi ouvida lá em Prado, mas é uma turista que foi a Caraíva", explicou o advogado, também na época.
Confira a nota completa divulgada pela ABIPA BV: Vimos por meio deste prestar nossa solidariedade à vítima do suposto estupro acontecido na madrugada do último domingo em Caraíva, a ABIPA BV se coloca à disposição para colaborar no que for necessário na investigação deste caso.
Ressaltamos que toda mulher deve ser respeitada independente da situação, uma vez a justiça provando que um motorista de buggy cometeu tal ato, este será expulso imediatamente da ASSOCIAÇÃO e responderá pelos seus atos na forma da lei.
Salientamos também que as informações veiculadas nos sites propagando a informação que foi um motorista de buggy o autor do crime antes da comprovação, tem causado um enorme prejuízo à imagem dos Bugueiros que prestam um serviço de excelência em parceria com os moradores nativos de Caraíva bem como seus visitantes.
Rogamos à Tupã (DEUS) que tudo seja resolvido o mais rápido possível, os culpados punidos e que nós (moradores e visitantes) possamos continuar usufruindo do paraíso Caraíva que está dentro do Território Indígena Pataxó de Barra Velha em paz, harmonia e segurança.
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.