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Invasão de animais a campus da UFRB ameaça acabar com doutorados


 

'Depois do que aconteceu, perdi toda vontade em ser pesquisador. É muito desestimulante', desabafa aluno

  • Da Redação

Publicado em 02/06/2020 às 05:15:00
Atualizado em 21/04/2023 às 06:05:05
. Crédito: Arquivo pessoal

Em pouco mais de um ano de pesquisa, o estudante João Silva teve dois projetos perdidos devido à invasão de animais ao campus Cruz das Almas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Problemas do tipo ocorrem, pelo menos, desde 2012, com outros pesquisadores. A última ação foi há duas semanas, em 17/5.

Revoltados, professores encerraram, em definitivo, a realização de novos processos seletivos.  Na prática, a decisão põe fim aos cursos de mestrado, doutorado e iniciação científica promovidos pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola (PPGEA) da UFRB. Os alunos já matriculados continuarão sendo orientados, até que defendam suas teses.

 Mas João, que sonhava em ingressar no mestrado, logo após finalizar a graduação, terá que mudar os planos:  “Depois do que aconteceu, perdi toda vontade em ser pesquisador. É muito desestimulante”. Ele estudava a utilização de água de baixa qualidade na agricultura e, para isso, precisava manter uma plantação dentro do território do campus:  “Na primeira vez, os bois entraram e comeram 100 plantas de mamoeiro. Dessa vez, perdi 25 plantas em vasos”. Ele suspeita de uma ação criminosa. “A porta da estufa fica trancada. Alguém rasgou a tela e permitiu que os animais entrassem”, denunciou.   Bezerros destruiram a pesquisa de João Silva (Foto: arquivo pessoal)  

O CORREIO teve acesso a relatos de professores que já passaram por situações semelhantes.  Num deles, uma professora que não se identificou diz ter tomado desgosto pela pesquisa, após ter recebido “todos os recados e ameaças” por parte de proprietários de gado criados de forma ilegal dentro do campus. Na ocasião, a docente teve a área de pesquisa invadida por outros animais da comunidade, o que modifica o resultado do experimento feito, além de poder transmitir doenças zoonóticas.“Cheguei a conversar com os proprietários e alguns até compreenderam, mas mesmo assim continuaram colocando os animais para dentro. Eles andam armados e já ameaçaram técnicos e professores da universidade. A gente vê também pessoas que não são da UFRB entrando na instituição”, disse a professora.  Há também relatos de atropelamento acidental de animais por parte de membros da instituição, destruição do patrimônio material da universidade pelos animais, constrangimentos de alunos feitos por terceiros, recursos de projetos de pesquisa  comprometidos e dissertações desenvolvidas em outras instituições por insegurança.

 Também com medo de represálias, os professores do programa de pós-graduação em questão não quiseram se identificar, mas afirmaram que todas as ocorrências foram registradas para a direção do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB), instituto que abriga os pesquisadores e a reitoria da UFRB.  Segundo o reitor Fábio Josué Santos, o campus de Cruz das Almas possui “1,3 mil hectares de terra e há várias possibilidades de acesso”.

Status  Em comunicado, a direção do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas afirmou que a manutenção do ‘status’ de universidade é garantida pela existência de pelo menos quatro mestrados e dois doutorados. A UFRB está no limite do número de programas de doutorado. Além do programa em Engenharia Agrícola, há apenas o doutorado em Ciências Agrárias.  O Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação, Criação e Inovação, Maurício Ferreira da Silva, minimizou essa questão: “Essa informação colocada de que pode acabar o status de universidade não tem nada a ver, não é algo automático. Os programas podem deixar de existir e depois se  reestruturam”.

Criada em 2005, a UFRB possui, atualmente, 19 programas de mestrado acadêmico espalhados em quatro campi. Em Cruz das Almas, o ensino é voltado para a agricultura, fruto da antiga Escola de Agronomia da UFBA, que deu origem à UFRB. “O que mais nos preocupa é a saída do pesquisador, que tem autonomia de dizer se quer ficar ou não. Esses não querem mais fazer parte do programa”, completou Maurício.  Já o reitor Fábio Josué Santos espera que a decisão do programa de pós-graduação seja rapidamente revertida: “Nós entendemos que essa é uma decisão provisória”.   Em nota, a Reitoria da UFRB informou que realizou reuniões estratégicas com diversos órgãos municipais, estaduais e da própria universidade, a fim de construir soluções definitivas para o problema.

“Entretanto, a situação de pandemia vivida no país por conta do isolamento provocado tem dificultado a celeridade nos encaminhamentos que o problema requer”, diz um trecho da nota.  Considerando a gravidade do problema, a instituição informou que está antecipando algumas ações internas mais imediatas, de caráter mais preventivo/educativo, para amenizar a situação atual, até que se tenha condições efetivas, com a colaboração dos órgãos externos.

Essas são as nove ações internas imediatas, de caráter educativo e preliminar, definida pela UFRB: 

1) Publicação de Portaria proibindo soltura de animais no Campus; 

2) Confecção e instalação de faixas e placas informativas, com o seguinte teor: “Área Federal. Proibida soltura de animais. Sujeito a apreensão, detenção e multa”. 

3) Construção de um cercado, próximo à Área dos Eucaliptos, destinado ao aprisionamento e guarda provisória dos animais encontrados no Campus. (Ação executada em parceria com a Direção do CCAAB e Fazenda Experimental); 

4) Conserto da cerca fronteiriça com o bairro Tabela e da Área dos Eucaliptos; 

5) Conserto da grade do Portão da Tabela; 

6) Contratação de quatro funcionários para cuidar da apreensão e guarda dos animais encontrados no Campus; 

7) Determinação para que os proprietários sejam identificados e formalmente notificados da proibição de soltura de animais no Campus; 

8) Adoção de medidas judiciais pertinentes junto à ADAB, Polícia Civil, Ministério Público, Ministério Público Federal e Polícia Federal, contra proprietários de animais encontrados no Campus, reincidentes na prática; 

9) Produção de panfleto informativo e desenvolvimento de campanhas educativas sobre os riscos ao patrimônio e à saúde pública (dos animais e de pessoas), decorrentes da disseminação de enfermidades de importância econômica e/ou zoonóticas, para divulgação junto à comunidade próxima da UFRB e nos meios de comunicação local. 

Outras sete ações devem ser feitas, a médio e longo prazo, ainda segundo a universidade: 

1) Conserto da Portaria da Tabela e reativação do posto de segurança local; 

2) Implantação de cerca viva em todo o Campus; 

3) Implantação de sistema de vigilância eletrônica, com câmeras e alarmes, para identificação de animais e transeuntes. A dimensão do serviço está condicionada a liberação do orçamento da UFRB, nos anos 2020 e 2021; 

4) Intensificação de diálogo com entidades externas: Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), Ministério Público Estadual (MP), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), Polícia Militar, Polícia Civil e Prefeitura Municipal, para ações mais integradas de apreensão de animais; 

5) Regularização da questão fundiária (limites, dominialidade, etc); 

6) Criação de uma comissão para atualização do Plano de Ocupação do Campus de Cruz das Almas; 

7) Elaboração e desenvolvimento de um Plano de Segurança Eletrônica Integrada do Campus Cruz das Almas. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro