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Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2019 às 13:17
- Atualizado há 2 anos
A delegada Thaís Siqueira, titular da 18ª Delegacia (Camaçari), informou que já está com as imagens que mostram o momento em que Marcelo Macêdo, 33 anos, e o paquera, que não teve o nome divulgado, foram agredidos após se beijarem em um bar da cidade, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Marcelo ainda foi baleado quatro vezes. Apesar de já estar de posse das imagens, a delegada disse que não quer que sejam divulgadas, por enquanto, para não atrapalhar as investigações.
De acordo com a delegada, as imagens são bem nítidas e mostram, inclusive, o momento em que Marcelo é baleado. "As investigações estão bem avançadas e nas próximas horas eu já terei a autoria e a qualificação dos autores", informou. Marcelo foi ouvido pela delegada no próprio hospital. Já a outra vítima, deve ser ouvida nos próximos dias.
Ainda segundo a delegada, a tentativa de homicídio foi motivada por homofobia. "Eles vão responder por tentativa de homicídio, mas a questão da homofobia entra nas qualificadoras. A pena máxima é de 30 ano", explicou a delegada.
Marcelo saiu de casa para encontrar com um paquera, na noite de domingo (20), mas o passeio terminou com ele sendo baleado quatro vezes e socorrido às pressas para o Hospital Geral de Camaçari (HGC). O motivo para tanta violência, segundo testemunhas, foi porque Marcelo beijou o namorado em público, o que deixou três homens que estavam no mesmo local descontrolados.
"Eu fui injustiçado. Nunca tinha me sentido intimidado, nem agredido fisicamente. Sinto muitas dores, estou todo machucado, mas a dor psicológica é pior do que a física", diz Marcelo sobre o episódio em que foi agredido a socos e pontapés por três homens que se incomodaram ao vê-lo beijando o paquera em um bar no bairro Inocop, em Camaçari. Após as agressões físicas, Marcelo ainda foi baleado. Aquele era o primeiro encontro do casal. Apesar da experiência traumática, ele diz que já conversou com o parceiro por telefone, após o ataque. "Não abalou a gente não", diz, sobre a história que eles estão começando.
O crime aconteceu por volta das 23h, em um bar no bairro Inocop, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. Segundo os amigos da vítima, Marcelo vai ao local com frequência e, por isso, era para ser mais uma noite comum.
“Ele e o rapaz estão se conhecendo, ainda não são namorados. Eles marcaram de se encontrar no bar e estavam trocando carícias quando os homens que estavam em outra mesa ficaram incomodados”, contou uma amiga da vítima que pediu para não ser identificada.
O ápice do incômodo foi quando Marcelo e o outro rapaz trocaram um beijo. Segundo as testemunhas, os três homens foram até a mesa em que o casal estava e agrediram eles, no começo, verbalmente. Marcelo argumentou que não estava fazendo nada de errado e que tinha direito de estar ali, o que enfureceu ainda mais os bandidos.
“Eles agrediram os dois com socos e chutes, até que um dos homens sacou uma arma e atirou em Marcelo. O outro rapaz que estava com ele conseguiu correr e recebeu ajuda. Uma pessoa deu abrigo para ele, mas meu amigo ficou caído no chão do bar. Ele foi baleado quatro vezes”, contou a amiga de Marcelo.
As balas acertaram o braço e o abdômen do jovem. Marcelo foi socorrido às pressas para o HGC, onde permanece internado. Ele passou por cirurgia e, segundo os amigos, o quadro de saúde é considerado estável. Nas redes sociais, eles pediram a ajuda das autoridades para que o crime não fique impune.
“A homofobia, o machismo, o racismo, a intolerância mata todos os dias. Não podemos fechar os olhos, é preciso resistir. A nossa vida é um ato de resistência. Marcelo é meu amigo. Felizmente o estado de saúde dele agora é estável. Mas é inadmissível que crimes como esse aconteçam debaixo dos nossos olhos e passem despercebidos. Vamos encontrar o culpado para que as medidas legais sejam tomadas”, escreveu uma mulher.
Repúdio A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) disse, também em nota, que repudia o ataque sofrido por Marcelo e que acompanha o caso, por meio da Superintendência de Direitos Humanos e da coordenação LGBT. A pasta disse também que está em contato com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP), para que o episódio seja esclarecido e os culpados respondam pelo crime.
“A SJDHDS reafirma o compromisso do Governo do Estado com a promoção da igualdade, do respeito e da cultura de tolerância. Fatos como este devem ser investigados e punidos exemplarmente”, diz a nota.
Repercussão Durante o programa Papo Correria desta terça-feira, o governador Rui Costa condenou o ataque, disse que esse não é o Brasil que os brasileiros merecem e afirmou que o caso será investigado com rigor.
“Esse episódio compõe esse tecido que se construiu no Brasil nos últimos anos, de pregar ódio e intolerância nas pessoas. E querer hegemonizar a sociedade na base da força, da violência, do medo e da truculência. Isso merece o nosso total repúdio, e todas as autoridades competentes, policiais, vão agir para entregar, com todos os detalhes, os responsáveis à Justiça. Da nossa parte, temos que continuar repudiando e dizendo que não aceitamos. Esse não é o Brasil que nós merecemos”, afirmou.
A Comissão de Diversidade Sexual e Enfrentamento à Homofobia, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), também está acompanhando o caso.
Desde junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou a homofobia crime. Os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito.
De acordo com a decisão da corte, "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime com pena de um a três anos, além de multa. Mas, no caso de Marcelo, soma-se também a tentativa de homicídio.
O Grupo Gay da Bahia (GGB) está acompanhando o caso. O presidente da entidade, Marcelo Cerqueira, também acredita em homofobia e cobrou punição para o crime. A instituição contabilizou 23 homicídios de LGBTs no estado este ano, mas disse que esse número é maior porque nem todos os casos chegam até o GGB.
"Espaço público é espaço de todo mundo, e um beijo não é crime. Isso não deve incomodar porque não é proibido, nem para gays nem para héteros. Um beijo não é motivo para indignação a ponto de alguém fazer isso [atirar 4 vezes] com outra pessoa. O que permitiu essa violência foi a má índole dos agressores e a vulnerabilidade social em que a comunidade vive, com essa sensação de impunidade para crimes desse tipo", afirmou.