Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Gil Santos
Publicado em 27 de maio de 2020 às 11:21
- Atualizado há 2 anos
A família de um idoso que morreu vítima de covid-19 em Salvador passou por maus bocados ao tentar sepultar o corpo dele em um distrito do município de Palmeiras, na Chapada Diamantina, nesta terça-feira (26). Alguns moradores fizeram um protesto, bloquearam a via de acesso à região, e ameaçaram a família com pedras e pedaços de pau.
O idoso Armando Carlos Mateus Barbosa da Silva tinha 70 anos e foi internado no Hospital Português, em Salvador, no dia 16 de maio. Ele estava com covid-19 e morreu na madrugada de terça-feira. Apesar de ser natural de São Paulo, Armando morava há mais de 40 anos em Salvador, e foi na Bahia que ele casou e constituiu família. A esposa dele é de Palmeiras e eles têm um jazigo no cemitério de Campo de São João, distrito do município. Armando deixou esposa e cinco filhos (Foto: Acervo Pessoal) A filha adotiva do casal, a arquiteta Thíssia Ramos, 28 anos, contou que era um desejo do pai ser sepultado em Campo de São João. “Toda a nossa família está sepultada lá, minhas tias, meus avós, todo mundo. Por isso, ele queria ser sepultado no mesmo local, mas não conseguimos atender ao desejo dele”, disse.
Os moradores alegaram na imprensa local que o cemitério está passando por reformas e que o sepultamento de uma pessoa vítima da covid-19 no distrito os deixariam vulneráveis ao vírus. Já a família do idoso disse que o local não está em reforma, e que adotou todos os cuidados médicos devidos para o funeral.
O outro lado Procurado, o prefeito de Palmeiras, Ricardo Guimarães (PSD), informou que esteve na casa de um dos familiares do idoso, em Palmeiras, para tratar do sepultamento e que ficou acertado que a cerimônia aconteceria no Cemitério da cidade, e não no distrito.
“Oferecemos toda a estrutura nos moldes de um sepultamento para covid-19 e deixamos alinhado que, no futuro, a família pegaria os restos mortais do senhor Armando e levaria para o jazigo da família no povoado de Campos do São João. Como o cemitério do povoado está passando por uma reforma e a nossa vigilância sanitária nos informou que o sepultamento de uma pessoa com covid-19 só poderia acontecer no chão ou a partir de uma cremação, não seria possível colocar o corpo do senhor Armando no jazigo da família, como era a vontade dos familiares”, afirmou o prefeito.
Ele disse também que a população de Campos do São João está temerosa. Desde que começou a pandemia, moradores têm feito barreiras, de forma voluntária e através de revezamento, para tentar impedir que o vírus chegue ao povoado. “Há muitos idosos, crianças, e pessoas de alto risco. O medo tem sido grande e o desejo de proteção tem sido ainda maior”, disse.
Saga A morte de Armando foi confirmada durante a madrugada de terça-feira. A família contou que contratou uma funerária, entrou em contato com a prefeitura e organizou o sepultamento. Por volta das 10h o corpo saiu de Salvador e chegou às 17h30 em Palmeiras. A maioria dos familiares ficou em casa para evitar aglomeração e porque não haveria velório, mas quando eles se aproximaram do distrito de Campo de São João foram surpreendido pelos manifestantes.
“Foram algumas pessoas. Elas bloquearam a via, queimaram pneus e estavam com pedras e pedaços de pau. Voltamos para o cemitério de Palmeiras e fizemos contato com a Secretaria Municipal de Saúde para saber o que estava acontecendo. Eles disseram que não havia problema no sepultamento, então, chamamos a polícia e voltamos ao local, mas, mesmo assim, não conseguimos passar”, contou Thíssia.
Em nota, a Polícia Militar disse que policiais da 42ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/ Lençois) acompanharam agentes de saúde do município até o povoado, com a finalidade de prestar apoio ao sepultamento do idoso.
“Ao chegar ao povoado, o comboio deparou-se com um grupo de pessoas protestando com pneus em chamas a fim de evitar que o sepultamento não fosse realizado no local. Em seguida, todos retornaram para a cidade de Palmeiras, onde foi realizado o enterro”, diz a nota.
O corpo de Armando terminou sendo sepultado no cemitério municipal de Palmeiras, às 23h30. Ele estava casado há mais de 30 anos e a esposa dele, uma idosa de 73 anos, também está com o novo coronavírus. Os dois foram internados no Hospital Português no mesmo dia, e a mulher ainda não sabe da morte do marido. Segundo a família, ela está sedada e em estado grave porque é diabética e tem problemas cardíacos.
Os familiares temem que o pior aconteça e que tenham que passar por todos os problemas novamente para sepultar a idosa. Eles disseram que vão acionar o Ministério Público para que o órgão acompanhe o caso.
Armando deixou a esposa e cinco filhos, sendo três deles adotivos.
Cuidados O Ministério da Saúde tem um protocolo para o sepultamento de vítimas do novo cornavírus. As recomendações do órgão são para que eles aconteçam com o caixão fechado, o tempo todo. Os corpos também podem ser cremados, mas em todos os casos a cerimônia deve ter no máximo dez pessoas e elas precisam respeitar o distanciamento social, e não se aproximarem do corpo.
O órgão pede também que se possível o velório aconteça em local ventilado, de preferência espaços aberto, e recomenda que seja evitada a permanência de pessoas que pertençam ao grupo de risco: idade igual ou superior a 60 anos, gestantes, lactantes, portadores de doenças crônicas e imunodeprimidos. Além disso a presença de pessoas com sintomas respiratórios também deve ser evitada como, por exemplo, febre e tosse.
O infectologista e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Claudilson Bastos disse que o corpo sepultado não oferece risco de contaminação, mas que é preciso adotar alguns cuidados durante o sepultamento. Ele reforçou que para manusear qualquer objeto é recomendado usar álcool em gel, inclusive caixões, e que é preciso evitar aglomerações e seguir as regras de distanciamento social.
“Uma vez o corpo enterrado, o vírus não vai subir (sair da terra e contaminar mais gente). É prudente que as pessoas nesse momento tenham a devida consciência, pensem racionalmente e não emocionalmente”, disse.
O professor frisou que o vírus precisa de células vivas para sobreviver, por isso, depois que o corpo é enterrado ou cremado não há mais riscos. O novo coronavírus morre com a vítima.