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Daniela Leone
Publicado em 5 de junho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Aos 45 anos, a nadadora Verônica Almeida sonha em disputar a quarta Paralimpíada da carreira. Focada em representar o Brasil em Tóquio no próximo ano, a baiana mantém uma rotina rígida de treinamentos na casa onde mora, em Brotas, durante a pandemia de coronavírus. “Eu quero muito ir", vibra a medalhista de bronze em Pequim-2008. "Pela idade, talvez seja a minha última e depois eu tenha que me aposentar”, pontua a atleta, que também esteve nos Jogos de Londres-2012 e Rio-2016.
Em isolamento social, Verônica adaptou elásticos e extensores para simular os exercícios de natação. “Faço séries em cima de tempo simulando o nado dentro de casa", explicou. Cadeirante, ela sofre da Síndrome de Ehlers-Danlos desde 2007 e tem a mobilidade reduzida. A doença é degenerativa, progressiva e não tem cura. "A parte física toda eu estou conseguindo manter, melhor até do que na academia. Mantive a minha massa e já perdi 5kg, o que estava sendo difícil pra mim antes do isolamento”, comemora. “Eu fiquei surpresa, porque não estou fazendo a parte de água, que é onde tenho o gasto calórico maior”.
A compensação está sendo feita com muita disciplina alimentar. “Fiz toda uma reeducação. Meu nutricionista readaptou a dieta para essa época de isolamento. Está totalmente diferente do que eu vinha fazendo. Só uso proteína, por exemplo, uma vez, à noite. E contratei uma coach alimentar, que pega no meu pé e me ensina como montar os pratos. Isso faz com que eu tenha uma variedade maior e me alimente com prazer", conta Verônica.
O esforço é para estar em forma quando o isolamento social acabar e os treinamentos na piscina forem retomados. “Tô mantendo muito o foco, porque Tóquio está em cima. Os dias estão sendo mais difíceis pra gente, estão sendo mais compridos e, se a gente não conseguir se adequar a isso aqui, não vai ter Tóquio pra ninguém”, frisa a paratleta que, entre outras conquistas, tem o bronze no Mundial da Holanda, em 2010, além da prata e do bronze no Parapan-Americano de Toronto, em 2015.
Integrante da seleção brasileira de natação, Verônica ainda não tem vaga garantida nos Jogos de Tóquio. “Antes teriam várias competições que a gente poderia tentar fazer o índice. Como agora temos pouco tempo, não tem como organizar uma competição em cima da outra. Acho que vai ser uma competição somente”, afirma Verônica, que é especialista nos 50 metros borboleta classe S7, mas também planeja se classificar para a mesma distância da prova de peito.
Inicialmente agendada para acontecer entre 25 de agosto e 6 de setembro deste ano, a Paralimpíada foi adiada por causa da pandemia e será realizada de 24 de agosto a 5 de setembro de 2021. “Foi a decisão mais acertada, mas lógico que mexeu com a cabeça de todo mundo. O atleta se prepara no ciclo de quatro anos. Nós vamos ter menos de um ano e estamos praticamente parados há três meses. Nosso medo hoje é de como vão ser as classificatórias, como vão fazer para classificar os atletas para ir a Tóquio. É uma incógnita para todo mundo. Não sei como eles vão preencher essas vagas”. O Comitê Paralímpico Brasileiro ainda não definiu os processos de classificação.
Verônica já está há 83 dias sem entrar numa piscina e usa o humor pra matar a saudade. Ativa no Instagram, ela postou um vídeo em que simula a final dos 50 metros borboleta nos Jogos de Tóquio, em 2021. Paramentada como se estivesse prestes a competir, mergulhou de cara em uma panela cheia de água. "Eu tô sentindo muita falta de competir. Me diverti muito".
Verônica conta que tem medo de contrair a covid-19, mas procura manter a positividade. “Pela minha experiência de vida, pela doença, eu consigo assimilar muito bem o que nós estamos vivendo hoje. Lógico que é uma doença nova, um vírus que está matando, dá medo, mas eu tô conseguindo lidar bem. Até brinco com meus filhos que eu sou imortal”, diverte-se. “Sei de todos os riscos e por isso estou 100% em casa, peço tudo em casa. Como eu tenho uma doença base, não posso pegar de jeito algum”.
A meditação que faz por 45 minutos logo após acordar ajuda a manter a mente equilibrada e tem efeito não apenas contra os medos provocados pela pandemia. “Tem me ajudado muito na vida profissional. Eu sou muito ansiosa para querer resultados. Eu sou aquela atleta que vive em função de treinamento e, dois anos atrás, quando comecei, não estava tendo concentração para treinar bem, principalmente a parte de água, que é a mais difícil, por ser totalmente solitário”, conta. “Na natação, você tem que ter muito equilíbrio para render no treinamento e eu não estava tendo esse equilíbrio pela ansiedade. A meditação me ajudou até a controlar minha respiração”.
Quando não está treinando, Verônica aproveita o tempo livre para curtir os filhos gêmeos, Marcelo e Bianca, de 15 anos. “Nós estamos tão mais próximos. Por causa da minha vida como atleta, eu viajo demais, então eu tinha poucos dias de convívio com eles. Após 80 dias dentro de casa, nós estamos muito mais próximos”, conta. “Está sendo proveitoso. Aprendi até a cozinhar. Antes não sabia nem pegar um óleo e botar na panela”, diverte-se.
Tratamento médico
A pandemia não atrapalhou apenas os treinos de natação de Verônica, mas também o tratamento médico que realiza há 13 anos em Paris, na França. Ela deveria se consultar com os especialistas do país europeu e receber medicações no dia 25 de maio, mas o fechamento das fronteiras impediu que ela viajasse. O compromisso foi remarcado para 2 de novembro e ela terá que conviver com as fortes dores que a doença provoca até lá.
“Eu fui pela última vez em dezembro e seria a última etapa do tratamento, só que eles estão dando continuidade, porque estão conseguindo estabilizar o avanço da doença. O hospital lá está funcionando, mas os aeroportos não. Eu teria que ir agora e isso está interferindo muito em minha vida, porque sem o medicamento não tenho a mesma força. Vou ter que segurar a onda com as dores até lá, o que é muito difícil. Tomo morfina todos os dias”, relata.
Em 2015, Verônica entrou para o Livro dos Recordes como a mulher mais rápida do mundo a completar a travessia Salvador-Mar Grande no nado borboleta com um único braço. Guerreira fora e dentro d'água, ela está acostumada a encarar desafios e mantém a positividade apesar das circunstâncias.
“Eu acho que as pessoas estão unidas em prol de um único objetivo, que é se manter vivo. Acho que as pessoas vão compreender muito mais o que é ser solidário. O isolamento social está fazendo com que as pessoas aprendam a ter mais empatia e amor ao próximo. Acho que a pandemia veio para ensinar a humanidade a ser humana. Muita gente estava esquecendo disso”.