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Georgina Maynart
Publicado em 25 de junho de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A grande ameaça para a produção de cacau na América Latina nunca esteve tão perto das plantações brasileiras. Desde que um foco da praga chamada de monilíase foi confirmado no município de Filadélfia, na Bolívia, em janeiro deste ano, os pesquisadores afirmam que é apenas uma questão de tempo até invadir plantações brasileiras.
A doença ameaça causar um dos piores desastres fitossanitários e econômicos da agricultura. A plantação afetada fica a poucos quilômetros de Brasiléia, no Acre. Segundo especialistas em defesa agropecuária, o fungo causador da doença se propaga com o vento e pode chegar a qualquer momento no Brasil.
“Se o risco antes já era alto, agora ele está batendo na nossa porta. Apesar de ainda não estarmos em Estado de Alerta oficial, já estamos em uma situação de atenção fitossanitária. É como se a gente ligasse a luz amarela. E, a qualquer momento, pode ser decretado o Alerta Fitossanitário na Bahia e em outros estados do Brasil. O Acre já decretou”, afirma Catarina Cotrim Mattos, coordenadora do Programa de Prevenção à Monilíase do Cacaueiro da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
O foco está numa região de grande fluxo de pessoas, o que aumenta os riscos de disseminação. “Este foco mais recente está em uma área de risco altíssimo. Existe uma rodovia do lado boliviano com malha viária intensa, onde as pessoas costumam circular para fazer compras. Por isso, a qualquer momento ele pode chegar pelo trânsito de pessoas, já que o fungo pode estar na roupa ou sapato de quem teve contato com fruto infectado”, alerta Catarina. Infografia: Morgana Miranda/CORREIO Golpe fatal As plantações com maior risco estão no Norte, principalmente no Acre e no Pará, maior produtor de cacau do Brasil atualmente. Mas, as amêndoas colhidas nestes estados são trazidas para beneficiamento nas três indústrias moageiras de Ilhéus, na Bahia, responsáveis pelo beneficiamento de 96% do cacau produzido no Brasil.
O fungo pode vir no fruto ou através de pessoas que tenham tido contato com o cacau afetado no campo. Produtores rurais baianos também consideram a chegada da doença inevitável e preocupante.
“Temos consciência de que não vamos conseguir evitar a entrada da monilíase. Esse fungo vai comprometer por completo a retomada da região. Chegando, vai ser o golpe fatal na cacauicultura do estado da Bahia. Se chegar do jeito que o setor está, a cacauicultura fecha as portas”, alerta o vice-presidente de Desenvolvimento Agropecuário da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), Guilherme Moura.
Defesa agropecuária O reforço na defesa agropecuária é apontado como crucial para tentar amenizar os danos econômicos, sociais e ambientais que vão ser provocados pela praga.
“Onde a monilíase chegou, ela dizimou toda a produção. Se houver um controle, você tem perdas em torno de 30% dos frutos; se não houver, perde 100%. Vamos ter de intensificar a nossa vigilância”, acrescenta Catarina Mattos.
As autoridades bolivianas garantem que estão fiscalizando o trânsito de pessoas na fronteira. As pessoas estão sendo orientadas a não transportar frutas, mudas e sementes e a isolar roupas, sapatos e botas caso tenham circulado por áreas agrícolas. Equipamentos eletrônicos, como máquinas fotográficas, precisam sem higienizados.
Na Bahia a principal área de monitoramento atinge os 170 mil hectares de cacau, do Recôncavo ao Extremo Sul. A Adab afirma que vem intensificando a fiscalização desde 2007, quando implantou um Projeto de Prevenção à Monilíase. O programa prevê incentivo as pesquisas, assistência técnica, capacitação, extensão rural e educação fitossanitária à população. Segundo a coordenação do órgão, 350 propriedades rurais estão sendo monitoradas em parceria com a Ceplac.
A ameaça é tão concreta, que a monilíase foi a primeira praga a ter um Plano de Contingência traçado pelo Ministério da Agricultura, pecuária e Abastecimento (Mapa), entre as mais de 600 pragas listadas pelo órgão. Ao todo, 112 fiscais de defesa agropecuária estão prontos para atuar em caso de invasão da praga nos estados da Bahia, Pará, Rondônia, Acre e Amazônia.
Os produtores rurais foram alertados. Em caso de suspeita, é preciso isolar a área, não permitir a entrada de curiosos e avisar imediatamente os órgãos de defesa agropecuária. Infografia: Morgana Miranda/CORREIO Fortalecimento Os cacauicultores baianos ainda estão entre os maiores produtores do mundo. Mas o setor cacaueiro nunca se recuperou completamente da crise gerada pela vassoura-de-bruxa. Apesar de sinais de recuperação, a produção caiu vertiginosamente nos últimos anos.
Os produtores rurais alegam que os planos de recuperação desenvolvidos nos anos 1990 não surtiram efeito, por vários motivos, entre eles, a falta de tecnologia adequada e a ausência de uma política pública eficiente.
Ano passado, por causa das condições climáticas desfavoráveis, o setor registrou uma das maiores quedas de produção na Bahia. Produziu menos de 100 mil toneladas, abaixo do registrado no auge da vassoura de bruxa. A chegada de uma nova praga faz renascer velhos fantasmas e cria novos desafios.
“É preciso fortalecer a cacauicultura, para que ela volte a ser uma atividade próspera, para que esteja fortalecida quando a monilíase chegar. O que a gente precisa é voltar a produzir cacau, com alta produtividade. Isso passa pelas questões clássicas da agropecuária, como a volta do crédito”, defende Moura, que também é cacauicultor e Presidente da Câmara Setorial do Cacau do Mapa.
O endividamento total do setor chega a R$ 2 bilhões, segundo dados da Federação de Agricultura do Estado da Bahia (Faeb). Semana passada, a Confederação Nacional da Agricultura apresentou uma nova proposta de renegociação da dívida.
Já o Ministério da Integração Nacional anunciou esta semana o lançamento da “Rota do Cacau” - que promete fortalecer as cadeias produtivas. O acesso ao crédito e consequente aumento da produção também são apontados como forma de ajuda a combater a entrada de pragas.
Alerta desde os anos 80 Desde os anos 1980, o pesquisador indiano Asha Ram, especialista em doenças epidemiológicas, integrante da Comissão da Lavoura Cacaueira do Ministério da Agricultura (Ceplac), já alertava para o risco do fungo monília chegar ao Brasil.
Com base nas pesquisas dele, o brasileiro Roberto Sgrillo, em 2008, conseguiu traçar o comportamento da monilíase e provar, matematicamente, que o fungo avança cerca de 106 quilômetros por ano. Sgrillo também teria previsto que a monilíase chegaria pelo Acre. Acertou.
São estes estudos iniciais que servem de base para as pesquisas atuais. As iniciativas envolvem dezenas de órgãos científicos, além de representantes da defesa agropecuária do Brasil, e de países como Peru, Equador, Costa Rica, França e Austrália.
Na Ceplac, há pelo menos dez grandes pesquisas em andamento. Segundo a Coordenadora do Programa Preventivo da Monilíase, Karina Gramacho, “as pesquisas estão ocorrendo em conjunto. O que sabemos até agora é que não existe no mundo um fungicida que controle a doença. A solução envolve o manejo integrado de pragas, com a adoção de práticas conjuntas para diminuir o impacto da doença pós-invasão, redução das rotas de risco, expansão da prevenção e melhoramento genético das plantas”, diz.
A vedete do programa é a pesquisa com plantas resistentes a monilíase. Elas foram encontradas na Costa Rica. Através de um programa de cooperação com o Catie, centro costa-riquenho de pesquisa, algumas mudas foram trazidas para o Brasil em 2014. Há dois anos, depois de uma quarentena em uma unidade da Embrapa em Brasília, os clones chegaram ao Sul da Bahia. Em Ilhéus, elas foram cruzadas com plantas resistentes a vassoura de bruxa. Segundo o coordenador da pesquisa, Uilson Lopes, 200 mudas já plantadas estão sendo testadas em fazendas da Bahia. Mas ainda não há previsão para a conclusão do estudo.
As pesquisas em andamento estão sendo financiadas por instituições como a Capes, CNPQ e a Fapesb. Mas pesquisadores afirmam que 90% das verbas federais foram reduzidas nos últimos três anos. Falta verba para levantamento de dados em campo e viagens de reconhecimento, consideradas essenciais para o avanço das pesquisas. Monilíase pode destruir até 100% dos frutos do cacau (Foto: Asha Ram/Ceplac/Divulgação) Safras destruídas Por onde passou, a monilíase assolou a produção e provocou a ruína de muitos cacauicultores. No Equador, a produção caiu de 70 mil toneladas para 10 mil e o país perdeu a condição de produtor mundial de cacau. Na Colômbia, a incidência chegou a 90% das plantações.
Na Costa Rica, a produtividade despencou de 700 quilos por hectare para apenas cinco quilos por hectare, enquanto 35% dos produtores costarriquenhos abandonaram as lavouras. Já no Peru, as perdas foram de até 100% das lavouras.
Em todos estes países, o processo de retorno do cultivo foi lento e nenhum deles conseguiu retomar a pujança anterior de produção. Uma das ações de combate à doença prevê o recolhimento diário de todos os frutos que apresentam sintomas e isso envolve altos custos com mão de obra.
De acordo com as autoridades brasileiras, os riscos do “broto inchado” chegar ao Brasil são remotos. Esta outra praga estaria obrigando os cacauicultores da Costa do Marfim, maior produtor de cacau do mundo, a destruírem 100 mil hectares de cacau para evitar o avanço da doença.
Mas, segundo a análise de risco do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), apesar do Brasil importar cacau do país africano, a praga não tem como chegar aqui.
De acordo com os técnicos, a doença é provocada por um vírus que precisa de um hospedeiro vivo e que não tem capacidade de sobreviver no processo de transporte através do Atlântico. Ademais, o vetor seria a cochonilla, um bichinho que ataca as plantas e que não sobrevive no processo de beneficiamento do cacau. Cerca de 96% do cacau produzido no Brasil é beneficiado em Ilhéus, na Bahia (Foto: Georgina Maynart/CORREIO) Cadeia essencial A cadeia do Cacau é uma das maiores do setor produtivo brasileiro, com forte participação no PIB. Ano passado, injetou mais de R$ 23 bilhões na economia, oscilando entre o 3º e o 6º maior Valor Bruto de Produção. Só as três maiores indústrias moageiras do Brasil, em Ilhéus, exportaram mais de R$ 1 bilhão em derivados em 2017.
Com o mercado interno de consumo de chocolate crescente, o setor reúne 30 mil produtores rurais - 80% são cacauicultores de pequeno porte, que possuem fazendas com menos de 50 hectares.
Mas, a produção é desigual entre as regiões. Entre os municípios de Gandu, Ipiaú, Camacã, Ubaitaba, Ilhéus e Itabuna, o predomínio é do sistema Cabruca, em sombra e sem irrigação. Com pouca tecnologia, a produtividade é baixa, cerca de 15 arrobas por hectare, menos da metade dos produtores do Pará.
Já no Extremo Sul da Bahia, as plantações são a pleno sol, possuem maior uso de tecnologia, o plantio é irrigado e a produtividade é alta. Há também produção de cacau irrigado no oeste da Bahia, em menor escala.
Nas agroindústrias, a amêndoa de cacau é separada em 50% gordura e 50% sólido. A gordura vira manteiga e a parte sólida é transformada em pó de cacau. O derivado principal é o líquor, o chocolate puro em forma líquida homogênea. A manteiga tem amplo uso, inclusive para fazer cosméticos, como batons.
Outra tendência é a segmentação do setor. Estima-se que existam atualmente na Bahia cerca de 70 marcas de chocolate de fabricação própria, os chamados chocolates gourmet. Cada vez mais procurados pelos consumidores, apontam para um mercado em expansão. Entre os 18 e 22 de julho, este potencial será mostrado no Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus.