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Ronaldo Jacobina
Publicado em 27 de setembro de 2020 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Quando passou o comando da companhia para o filho Emílio, na de 1990, Norberto Odebrecht passou a se dedicar exclusivamente à Fundação Odebrecht, instituição criada por ele em 1965 para incentivar a pesquisa e ações voltadas a melhorar a qualidade de vida de trabalhadores. O projeto virou a semente de um modelo inovador de desenvolvimento territorial sustentável com foco em jovens da zona rural, batizado de Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com Sustentabilidade (PDCIS), que permanece atuante na região do Baixo Sul, formado por municípios como Valença, Ituberá, Igrapiúna e Camamu.
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“O legado deixado por Norberto Odebrecht segue vivo e pulsante em todas as nossas ações. Seus ensinamentos nos fortalecem e nos guiam na busca do propósito de ajudar a construir uma sociedade mais harmônica e com igualdade de oportunidades para todos”, afirma o superintendente da fundação, Fabio Wanderley.
O resultado do trabalho social na região foi recentemente avaliado e sistematizado por uma consultoria internacional contratada pela instituição. A compilação desses dados será divulgada agora, como uma das ações em comemoração ao centenário do fundador, que considerava o Baixo Sul seu paraíso pessoal. Chovesse ou fizesse sol, toda semana Norberto batia ponto na região para se juntar à comunidade assistida pelo programa social idealizado por ele . “Quando estava na comunidade, esquecia da dieta rigorosa que seguia. Comia sanduíche e bebia até refrigerante. Ficava feliz entre aquelas pessoas. Brincava, ria, ouvia histórias... Era como um pinto no lixo”, brinca Joaquim Cardoso, um dos seus leais assessores.
A dedicação ao trabalho social o entusiasmava tanto que deixou registrado em cartório um testamento filosófico, no qual transfere a metodologia que concebeu para nortear a fundação de herança para a mesma.
Pioneirismo Antes de se falar em responsabilidade social no Brasil, ela já era praticava por ele na empresa. A fundação foi criada justamente para essa finalidade. Com o prestígio que tinha, Norberto Odebrecht atraía parcerias importantes para os projetos sociais que encabeçava. Sua ausência, diz um colaborador, faz muita falta.
Um dos seus grandes desejos com o trabalho social, diz outro antigo colaborador próximo, que também prefere não se identificar, “era acabar com a miséria no Baixo Sul”, região onde concentrou grande parte das ações do projeto. O envolvimento com a comunidade seria, segundo a mesma fonte, “uma forma de reparar um erro do passado, que ele acreditava ter cometido com uma madeireira e serraria que causaram impactos ambientais na área”.
Peculiaridades Norberto Odebrecht gostava de seguir a intuição. As conquistas, dizia, não o envaideciam. “Nunca me emocionaram. Eram coisas naturais, esforço. Talvez eu seja um pouco esquisito, mas não me empolgo com nada”, afirmou, em uma de suas raras conversas fora do círculo íntimo.
Embora a Odebrecht S.A. tenha tido um papel importante no fomento das artes e da cultura baiana, tais temas não o interessavam tanto. Muito menos, o desejo de transitar por esse universo. “Não tinha tempo pra isso. Alguns artistas e intelectuais eu conhecia e respeitava, mas não convivia”, declarou, em 2008.
Numa ocasião, quando a empresa promoveu uma grande comemoração com direito a show da família Caymmi no Teatro Castro Alves, um dos colaboradores envolvidos no evento cruzou com o “big boss” no elevador e perguntou-lhe: “E aí, doutor Norberto, gostou de ontem?”. O empresário deu um tapinha nas costas dele e respondeu: “Você ainda está nessa? Vá procurar o que fazer!”.
O episódio virou piada e até hoje é lembrado pelos funcionários da época. A “vítima”, que foi quem narrou o fato, prefere manter o nome em sigilo, padrão comum nas entrevistas realizadas pelo CORREIO. Para quem conviveu de perto com o patrão, o respeito e a discrição permanecem. “Me desculpe, mas não vou trair a memória dele”, foi a frase mais ouvida durante a elaboração desta reportagem. Incentivador
O engenheiro Henrique Paixão, que trabalhou com Norberto na ampliação da sede da fundação, situada na Avenida Paralela, diz que o chefe “gostava de fazer com que nós, funcionários, acreditássemos que o nosso trabalho era mais importante do que o dele”.
Ainda hoje, essa herança permanece entre colaboradores do grupo. Mesmo com os percalços enfrentados pela companhia, é nítido o orgulho de quem trabalha nela e se sente parte da família profissional do “Doutor Norberto” .
Mini biografia Norberto Odebrecht nasceu em 9 de outubro de 1920 na cidade de Recife (PE). Filho de Emílio e Hertha Odebrecht, descendentes alemães, foi criado com valores sólidos ensinados por um preceptor alemão contratado pela família para educá-lo. Ainda menino, trabalhou nas oficinas da empresa do pai, a Emílio Odebrecht & Cia, e entrou para o curso de Engenharia da Escola Politécnica de Salvador em 1938.
No terceiro ano de graduação, assumiu a empresa do pai, que passava por dificuldades. Em 1944, após um ano de formado, saldou as dívidas e fundou a Construtora Norberto Odebrecht, que cresceu, se diversificou e se internacionalizou, transformando-se no Grupo Odebrecht.
Em 1965, criou a Fundação Odebrecht, com base na crença de que as pessoas são o mais precioso capital de uma empresa. A instituição passou por uma trajetória de apoio aos integrantes do Grupo Odebrecht e seus dependentes, fomento a prêmios e debates, promoção da educação de adolescentes, até focar na criação de um modelo inovador de desenvolvimento territorial sustentável voltado a jovens da zona rural, o PDCIS, Programa Social coordenado desde 2003 pela fundação.
Assim, Norberto Odebrecht alcançou não apenas o crescimento dos negócios, como também contribuiu para o desenvolvimento social e econômico de dezenas de comunidades e famílias. Aos 93 anos, em 19 de julho de 2014, Norberto Odebrecht faleceu, em Salvador.