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'Fui levantado por meus algozes', diz ator baleado por policiais na Avenida Sete

Em depoimento ao MP-BA, Leno Sacramento relembrou dia em que foi confundido com assaltante e falou de racismo institucional

  • Foto do(a) author(a) Raquel Saraiva
  • Raquel Saraiva

Publicado em 19 de junho de 2018 às 02:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

Leno Sacramento, do Bando de Teatro Olodum, foi baleado na panturrilha durante abordagem policial (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) Após quase cinco horas de depoimento, o ator Leno Sacramento, 42 anos, declarou estar esgotado emocionalmente. “Todas as vezes que eu relembro, é como se eu tomasse outro tiro. Eu sinto a mesma dor”, comentou.

Na tarde desta segunda-feira (18), o ator do Bando de Teatro Olodum compareceu à oitiva realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS), a convite do Ministério Público do Estado (MP-BA).

Leno, que estava acompanhado do amigo Garley Souza, foi atingido por um tiro na perna esquerda na tarde de quarta-feira (13) durante uma abordagem policial na Avenida Sete de Setembro, Centro de Salvador.

Após ser reconhecido por um dos policiais, que é seu amigo de infância, os agentes pediram desculpas e alegaram que estavam em busca de assaltantes que roubaram, momentos antes, uma senhora no Campo Grande. Garley também prestou depoimento.“Eu conhecia ele [o motorista da viatura] e isso mudou toda a situação. Até eu tomar o tiro, eu era um marginal. Quando eu conheci a pessoa que tava no carro, mudou toda a situação. Fui levantado por eles, por meus algozes”, disse Leno ao CORREIO, logo após o depoimento aos promotores de Justiça. O ator e seu advogado têm defendido que, além de tentativa de homicídio, a atitude dos policiais configura racismo institucional, ou seja, Leno foi baleado por ser negro. “Não dá pra eu contar as vezes que sofri racismo institucional”, declarou o ator.

O Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa na Bahia define racismo institucional como ações ou omissões sistêmicas caracterizadas por normas, práticas, critérios e padrões formais e não formais de diagnóstico e atendimento, de natureza pública ou privada, que resulte em preconceito ou discriminação. Ator deixa o MP-BA após cinco horas de depoimento a promotores públicos (Foto: Almiro Lopes/CORREIO) O advogado Cleifson Dias explicou que o processo administrativo, que teve início na 1ª Delegacia (Barris), continua sendo realizado na Corregedoria da Polícia Civil. Ao receber o resultado do inquérito, o MP-BA decide se denuncia ou não os policiais envolvidos. 

Na última quinta-feira (14), a corregedoria criticou a ação dos policiais e afirmou que já tinha escutado os quatro agentes envolvidos no caso. “O policial que efetuou o disparo está arrasado. Ele me disse que não queria atirar para atingir o ator. Os demais policiais também estão arrasados com o que aconteceu”, contou na última semana a corregedora-chefe, delegada Kátia Brasil.

O MP-BA não informou os próximos passos da tramitação e não divulgou o conteúdo dos depoimentos. A promotora Lívia Vaz, coordenadora do GEDHDIS, saiu do local sem falar com a imprensa.

No teatro, Leno Sacramento encena há um ano En(cruz)ilhada, monólogo de sua autoria, e diz que não tem motivo para comemorar. “Quantos dos meus estão levando esse tiro? Se meus advogados estivessem na bicicleta naquele momento, eles levariam o tiro também. E vocês sabem por quê”, disse ele, apontando os defensores, que também são negros.

No espetáculo, o ator discute o racismo e as mortes simbólicas do negro na sociedade. O monólogo, dirigido por Roquildes Junior, será apresentado nos próximos dias 6 e 7 no Teatro Vila Velha. “O que mais me dói é imaginar quantas pessoas passaram e estão passando por isso que passei. Que bom que esse tiro foi em uma pessoa pública e que eu não fui a óbito. Que bom que eu estou aqui para poder falar. Bom pras pessoas verem como está o sistema e como os pretos estão sendo cuidados”, declarou o ator. Como denunciar Os casos de racismo podem ser denunciados à Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA) pelo telefone (71) 9 8764-4606 ou através do e-mail [email protected]. As queixas podem ser formalizadas também nas páginas do Facebook ou do Instagram da Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial.

*Com supervisão da editora Mariana Rios.