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Fotógrafo registra e mantém acervo do povo negro

Lázaro Roberto está à frente do Arquivo Zumvi, que reúne mais de 30 mil imagens

  • D
  • Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2021 às 06:40

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Lázaro Roberto/Divulgação

Lázaro Roberto tem uma trajetória solitária. Em 1975 começou a fazer registros em preto e branco de ações do movimento negro, o candomblé e o trabalho de quilombo localizado na Ilha de Maré. Em 1990, ele reuniu o acervo no Arquivo Zumvi, que reúne 30 mil imagens de sete fotógrafos: Raimundo Monteiro, Aldemar Marques, Jonatas Conceição da Silva, Rogério Santos, Geremias Mendes e Lúcio Flávio Guerreiro, além do próprio Lázaro.

Quando começou, por vezes era chamado de turista, por estar com uma máquina profissional documentando tudo. Sempre usou a estratégia do registro em preto e branco. No começo, pagava para revelar fotos. Hoje, as fotos são reveladas no banheiro de casa. “Faço fotografia de guerrilha. É a forma de ficar mais barata”, diz.

Na sua trajetória, já vendeu cartão postal para se manter, mas não dava dinheiro. Sempre gostou de documentar o movimento negro, passeatas que pediam o reconhecimento do 20 de Novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como data significativa para o povo negro - ao invés do 13 de maio, quando foi assinada a Lei Áurea, que garantiu a abolição.

Lázaro registra a Feira de São Joaquim desde a década de 70. Viu a transformação do lugar. Mais do que registrar pessoas, ele convive com elas, estabelece relações. De 1992 a 1995, fotografou o trabalho de produção de cestaria do Quilombo Praia Grande, na Ilha de Maré, que tem como principal ponto de venda a Feira de São Joaquim.

A fotografia se tornou uma possibilidade para Lázaro na juventude, quando fez parte de um grupo de arte na década de 1970, chefiado por um padre chamado Antonio Guadi. “Comecei sem saber o que queria, mas fui entendendo que era documentação. O teatro negro me deu essa fundamentação, entendendo que Salvador é uma cidade negra, onde a população negra faz os trabalhos menos remunerados”, afirma.

A invisibilidade do trabalho de Lázaro em Salvador é daqueles casos que só o racismo estrutural pode explicar. Quando questionado sobre como vê a obra deixada por Pierre Verger, francês que ficou famoso por registrar imagens do candomblé em preto e branco, ele responde: “Conheci em vida. Ele gostava do meu trabalho, mas não é minha referência. É um homem branco com oportunidades, família rica. Mas não é só o branco que pode fotografar o preto. Quebro o estigma de Verger, tenho um trabalho que é legado, uma antropologia visual do candomblé”, considera.

Lázaro cita Antônio Olavo, que fez um documentário sobre Abdias do Nascimento, e Januário Garcia, mineiro que registra o movimento negro do Rio, como suas referências, e ressalta que o lugar de fala é importante, nesse caso. “Não tem como um branco falar e olhar pela gente. Quem tem que contar essa história somos nós”, reivindica.

Lázaro chegou a dar aula durante doze anos na Fundação Pierre Verger e ressalta que, mesmo em 2021, quem ainda domina a narrativa sobre a cultura negra, ainda são os fotógrafos brancos. “A juventude negra de hoje me tem como referência. É o caso de Vilma Neres”, cita.

Lázaro é filho de uma lavadeira, tem onze irmãos e mora na mesma casa na Fazenda Grande do Retiro, desde sempre. A proximidade com os movimentos negros fez com que ele fosse incorporando as pautas à sua vivência. O cabelo sempre raspado chegou a ser um black na década de 80, por influência dos blocos afros que cantavam sobre a beleza dos cabelos crespos.

Entre os retratos do acervo, há fotos do Adê Dudu, grupo de negros homossexuais, liderados por Hamilton de Jesus Vieira, que esteve em funcionamento nas décadas de 80 e 90. Se os movimentos negros são invisibilizados, imagine quem o registra. Há ainda os jornais e acervos do cineclubista Luiz Orlando de Jesus.

Pelas lentes de sua câmera Pentax, registrou também os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nelson Mandela em visitas a Salvador. Hoje, suas fotos 20 x 30 podem ser adquiridas a partir de R$ 180. Lázaro busca espaço no Pelourinho que possa abrigar o acervo e tem projeto de museu que conta história política de luta contra o racismo.

*Guilherme Soares Dias é jornalista, empresário e consultor em diversidade