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'Foi um momento de fúria', diz barbeiro acusado de matar Moa do Katendê

Paulo Sérgio disse em júri que foi provocado por capoeirista

  • Foto do(a) author(a) Eduardo Dias
  • Eduardo Dias

Publicado em 21 de novembro de 2019 às 16:13

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Fotos: Antonio Saturnino e Marina Silva/Arquivo CORREIO

Depois de 4h30 de sessão, o réu, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, foi anunciado para dar seu depoimento no Tribunal do Júri, no Fórum Ruy Barbosa, na manhã desta quinta-feira (21). Com o semblante tranquilo, confiando na estratégia de sua defesa, ele se sentou em uma cadeira em frente à juíza Gelzi Maria Almeida Souza, que preside o júri, para apresentar sua versão sobre o assassinato do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o mestre Moa do Katendê. Entre as declarações, o homem afirmou que foi provocado e agiu em "um momento de fúria".

Paulo Sérgio foi denunciado pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) à Justiça pelo crime de homicídio qualificado – por futilidade e impossibilidade de defesa da vítima -, além de tentativa de homicídio contra o primo de Moa, Germínio do Amor Divino, 51, que também foi esfaqueado no braço direito no dia do crime, 8 de outubro de 2018.

Mestre Moa foi morto com mais de 10 facadas durante uma briga após uma discussão política no ano passado. Acusado pelo MP, Paulo Sérgio está preso desde o dia do assassinato, quando foi autuado em flagrante dentro da sua própria casa. Após audiência de custódia, o barbeiro teve a prisão preventiva decretada pela Justiça e aguardou o julgamento do Tribunal do Júri no Complexo Penitenciário da Mata Escura.

Com uma camisa social de manga longa de cor clara, o réu respondeu a todos os questionamentos da juíza sobre seu envolvimento no crime. Ele afirmou em depoimento que, no dia do crime, passou pelo bar de seu João, onde matou o capoeirista, e viu que o estabelecimento estava aberto, o que não era de costume para o horário, e decidiu entrar para tomar uma cerveja.

Foi no bar, naquele dia, que Paulo Sérgio encontrou o mestre Moa e Germínio discutiram sobre preferências políticas. Na época, os ânimos estavam exaltados por conta da eleição presidencial, que tinham como candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.

Paulo Sérgio contou que, ao afirmar sua escolha política, mestre Moa questionou por que ele votaria em Jair Bolsonaro, usando palavras de baixo calão.“Ele me viu conversando e perguntou: ‘você é viado, é, para votar nesse cara? Você é viado, viadinho’, e ficou afirmando isso o tempo todo, repetiu isso por muitas vezes. Eu falei que não era e ele continuou insistindo. Me enfureci e saí do bar. Um homem é para valorizar o outro, ele não devia falar essas coisas. Fui em casa e voltei rapidamente para o bar”, disse o barbeiro em depoimento.    Com voz firme, e ainda de cabeça raspada, como no dia em que foi preso, Paulo Sérgio relembrou os momentos entre a sua saída do bar até a ida em sua casa, onde confessou ter pego a faca e voltado ao estabelecimento.

“Eu fui em casa, minha mulher estava lá, e viu o estado em que eu cheguei. Não demorei muito, uns 10 minutos de casa até o bar, e já voltei com a faca. Fui e voltei rápido, cheguei alterado e ela me perguntou o que tinha acontecido, eu respondi ‘acho que matei um rapaz ali’, e deixei a faca visível na cozinha. Sabia que iriam atrás de mim”, explicou. 

Apesar de contar os detalhes do crime, Paulo Sérgio disse não lembrar a quantidade de golpes que desferiu contra Moa, e garantiu que não tentou matar Germínio. Segundo ele, o primo do capoeirista se machucou sozinho, ao tentar ajudar Moa.“Foi um momento de raiva e fúria, eu não fui em cima dele e não lembro quantos golpes foram, e não vi quando Germínio foi atingido. Isso que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer um, eu nunca quis matar ninguém, não premeditei nada. Eu nunca ameacei ninguém, foi um momento de raiva e fúria”, repetiu o barbeiro. Mestre Moa foi morto com mais de 10 facadas (Foto: Reprodução) Debates de teses Ao fim do depoimento de Paulo Sérgio, a juíza Gelzi Maria Almeida Souza iniciou o intervalo da sessão, para que depois fossem iniciados os debates para formação da decisão do júri. Debate esse em que acusação e defesa terão que levantar em Plenário todas as matérias de seu interesse.

É nesse momento que as partes podem aduzir e sustentar suas teses, com objetivo de convencer os jurados de que estão com a razão. Ao final dos debates, o juiz-presidente elabora os quesitos, que serão votados pelos jurados. A tese que receber mais votos dos jurados é considerada a vencedora, decidindo-se, assim, o mérito da causa.

A defesa de Paulo Sérgio trabalha com a hipótese de que não houve tempo para que o réu premeditasse os crimes no qual é acusado e, defende ainda que o barbeiro não tentou matar Germínio, na tentativa de reverter o fato para lesão corporal.

Já os promotores de Justiça de acusação, David Gallo e Cássio Marcelo de Melo Santos, pretendem sustentar a tese de que a defesa de Paulo Sérgio quer caracterizar o crime como homicídio privilegiado, ou seja, praticado sob o domínio de uma compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, o que ajudaria a reduzir a culpa do homicida. Além disso, a acusação sustenta também a tese de que Paulo Sérgio premeditou os crimes e agiu por raiva e pedirá a condenação do réu a pelo menos 20 anos de prisão - em razão das circunstâncias do assassinato.  Paulo Sérgio confessou o crime (Foto: Arquivo CORREIO) Testemunhas A sessão começou 8h e a estimativa é que dure até as 22h de hoje, quando a decisão final do júri será anunciada e o juiz-presidente fará a leitura da sentença. Durante a manhã, foram ouvidas testemunhas de acusação e de defesa, além de peritos do Departamento de Polícia Técnica (DPT), que investigaram o caso.

A sessão foi iniciada pelos depoimentos das testemunhas de acusação. O primeiro a depor foi Germínio do Amor Divino, primo de Moa e vítima sobrevivente da tentativa de homicídio, seguido do dono do bar onde o crime aconteceu, João Carlos da Silva, da filha do mestre Moa do Katendê, Somonai dos Santos e Reginaldo Rosário da Costa, o Nadinho, irmão de Moa.

Em seguida, foram ouvidas as testemunhas de defesa, iniciada pela esposa do réu, Taiana de Jesus, que contou que Paulo Sérgio chegou em casa rapidamente e saiu novamente. Ela afirmou que antes do episódio, seu esposo sempre foi uma pessoa amorosa e um bom companheiro.

"Eu estava em casa, já de roupa de dormir, quando meu marido entrou e saiu novamente. Logo depois ele entrou todo ensanguentado e repetindo muitas vezes: 'não sou viado e nem sou otário, eu não sou viado'. Ele estava atordoado, com a repetição da mesma frase o tempo todo. Ele é uma pessoa amorosa, um bom companheiro e nunca brigou comigo, sempre foi tranquilo. Ele é um bom pai, sempre deu total atenção aos filhos dele”, afirmou Taiana durante depoimento.

Na sequência dos depoimentos de defesa, falaram ao júri os vizinhos do réu, Valderiana Pereira e Nilson Santos de Assis e Paulo Rogério Souza.

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier