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Fogo fugaz: Bahia teve primeiro registro de luz elétrica no país

Experimento de médico foi visto por transeuntes em marcha à Lapinha

  • Foto do(a) author(a) Marcio L. F. Nascimento
  • Marcio L. F. Nascimento

Publicado em 30 de junho de 2021 às 10:47

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Era um início de noite. Muito comum às noites iluminadas aqui e ali por velas, lampiões, lamparinas e fifós de casas sobressaindo ao breu, dando um contorno especial ao lugar. O silêncio era apenas interrompido pelas baladas dos sinos das igrejas, alguma cantiga ao longe ou pelo ruído de animais silvestres.

Este era o provável ambiente na véspera do dia dois de julho de 1855, data da Independência da Bahia. Num canto do Largo do Terreiro de Jesus, em uma das salas da Faculdade de Medicina da Bahia, ao lado da Igreja da Sé, em Salvador, brilhos peculiares e bem mais intensos do que qualquer fonte de luz existente ao redor alumiavam o ambiente por algumas horas, espantando quem porventura por ali passasse.

De fato, o experimento do médico e escritor baiano Malaquias Álvares dos Santos (1816 - 1856) foi testemunhado por batalhões de oficiais, além de transeuntes, que se dirigiam em marcha à Lapinha, passando pelo antigo bairro do Pelourinho. Este consistiu no primeiro registro do uso de luz elétrica no país, um feito realmente extraordinário. Malaquias Para melhor compreensão do ocorrido naquela bela noite, é preciso ter primeiro uma noção histórica do que era conhecido como “fogo elétrico”. Não à toa, a eletricidade veio a ser conhecida como a fascinação do século devido a estas primeiras descobertas.

Para se produzir luz por meio de corrente elétrica era necessário antes ter uma fonte confiável, uma célula eletroquímica, pilha ou bateria. Esta foi a genial invenção do físico-químico italiano Alessandro Giuseppe Antônio Anastásio Volta (1745 - 1827) em 1800. A “pila” voltaica era formada por discos de metais diversos intercalados por papelões ou filtros embebidos com salmoura. Volta empilhou 46 células de cobre-zinco-papelão.

A produção de luz artificial por meio de energia elétrica iniciou-se com os experimentos do físico russo Vasily Vladimirovich Petrov (1761 – 1834) em 1802, o primeiro a obter um arco elétrico, que basicamente consiste de uma faísca bastante intensa e luminosa entre dois fios elétricos. O tamanho de tal arco pode ser de poucos milímetros a vários centímetros. Petrov construiu uma pilha gigante, empilhando 4200 unidades de cobre-zinco-papelão para obter o “fogo elétrico” por meio de intensas faíscas ao se aproximar os fios das extremidades de uma pilha de Volta.

Não há registros detalhados ou informações de como foi produzida luz elétrica pelo médico baiano. Apenas presume-se que realizou experimentos com arco elétrico. Com conhecimentos de química, física e matemática, além de acesso a um laboratório relativamente equipado e a uma grande e diversificada biblioteca da Faculdade de Medicina, não foi difícil obter informes e condições laboratoriais para a realização de experimentos.

Malaquias nasceu em Salvador, filho de José Álvares dos Santos (? - 1846) e Leonor Joaquina de São José (c. 1790 - ?). Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1839. Apenas dois anos depois tornou-se docente da escola onde se formara. Abolicionista, escreveu combativos textos contra o tráfico de escravos. Foi divulgador de ciências e medicina, em particular sobre cuidados de higiene e saúde, além de ter sido o primeiro memorialista da faculdade de medicina baiana. Foi secretário da junta de hygiene publica da cidade, combatendo uma grave epidemia de cólera iniciada em julho de 1855. Faleceu muito jovem, aos quarenta anos, ao combater a epidemia colérica.

A memória de grandes feitos, em especial os científicos, precisam ser preservadas às novas gerações e à luz de grandes invenções e descobertas. Que em toda manifestação do 2 de julho seja lembrada a memória do brilhante e talentoso Malaquias e seu fogo elétrico intenso e fugaz, espetacular marco da ciência brasileira.

* Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Ufba