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Flica tem projeto de ampliação engavetado há três anos


 

Segundo organização, única restrição para retirada das mesas do claustro é orçamentária

  • Da Redação

Publicado em 28/10/2019 às 09:25:00
Atualizado em 20/04/2023 às 10:52:07
. Crédito: Foto: Divulgação

Encerrada a nona edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira, é hora de fazer balanços. Se por um lado o evento consegiu manter o público crescente, estimado em 35 mil pessoas, por outro, a estrutura física dos espaços que recebem a programação principal se provou pequena. O problema fica ainda maior quando se fala das mesas literárias. Realizadas no Claustro do Convento, cada uma das mesas comporta 350 pessoas (capacidade máxima do local), o que corresponde a 10% do público total mobilizado nos quatro dias da Flica.

Segundo Emmanuel Mirdad, coordenador-geral do evento e sócio da Cali, um projeto de ampliação está engavetado há três anos por restrição orçamentária. Nele, está prevista a instalação de uma tenda às margens do Rio Paraguaçu para a realização das mesas literárias, o que mais que dobraria o número de pessoas assistindo às discussões no local.

Em conversa com o CORREIO, Mirdad detalhou expectativas, e fez uma avaliação geral sobre a Flica 2019, incluindo questões relativas à curadoria, às mesas mais emocionantes, e à estreia do espaço Geração Flica. "Na minha opinião, na Flica desse ano, a poesia foi o grande momento", afirmou.

Nove anos de Flica, uma edição cuja estimativa de público segue em crescente, e uma avaliação geral muito positiva do evento, sobretudo no que diz respeito à diversidade presente nas mesas literárias. Como você definiria o modelo da festa? A gente tem a felicidade de ser a festa da diversidade. Diferente de outros modelos que tem aí no mercado, a gente sempre deu espaço para o cânone, para a literatura popular, para a literatura de entrenimento (os best sellers) e para os temas das ditas minorias, que na verdade são maioria. Então, a gente consegue ter essa diversidade de temas, e proporcionar espaço e valorização para todos. A gente não tem um segundo palco, colocamos no mesmo palco das mesas literárias todo o glamour que o evento proporciona para o maior vendedor de livros, para a atração internacional e para a atração que é pouco conhecida e circula nos guetos. Aí o autor fica feliz da vida, a autora fica feliz da vida de ser bem tratado, de estar no mesmo ambiente dos chamados grandes escritores, e podem mostrar toda sua potência. Como foi com Jovina Souza, que não é conhecida do grande público, mas é muito referenciada como poeta entre os seus, como ela diz. E quando a gente traz essa poeta, que o público não conhece, e favorece acesso a ela dessa maneira, ela vai e magnetiza e apresenta sua força expandida para as pessoas.

Para você, essa mesa que reuniu Jovina Souza e Lande Onawale com mediação de Lívia Natália foi o grande momento da Flica esse ano? Na minha opinião, na Flica desse ano, a poesia foi o grande momento. Na mesa com a Maria do Rosário Pedreira e o Antônio Brasileiro (um dos nossos maiores poetas aqui da Bahia, de Feira de Santana), que magnetizou a todos. Naquele dia, Brasileiro estava inspiradíssimo, divertidíssimo, nos encantou a todos junto com a poeta portuguesa. Na mesa da Jovina Souza com o Lande Onawale, quando tivemos esse grande encantamento da poesia. E não posso deixar de citar a mesa de Bráulio Bessa, Maviael Melo e Antônio Barreto, porque a gente fala muito de literatura de cordel, mas cordel também é poesia. É poesia de cordel. Não é a toa que temos como curadora uma grande poeta baiana, que fez essa mágica de selecionar as mesas, e essas foram as mesas que durante a execução causaram maior emoção ao público, e que deixou marcos históricos que poderão ser vistos no Youtube. 

Vi algumas pessoas ressaltando o contraste da edição do ano passado em relação a essa no que diz respeito à militância. Essas pessoas comemoravam o fato de a Flica ter retomado uma certa leveza, para elas cara à literatura. Para vocês, isso é uma preocupação? Sempre foi uma preocupação nossa dosar isso. A diferença no ano passado foi por conta da nossa homenageada, Conceição Evaristo. O curador da edição, Tom Correia, teve um olhar de uma programação que pudesse contemplar um pouco mais as similaridades da literatura da homenageada com a literatura negra. Provavelmente quem se incomodou foram pessoas brancas. Mas esse ano Katia Borges fez um caminho diferente, ela preferiu não direcionar as mesas pela homenageada, o que é algo que a Flica já costuma seguir. Conceição Evaristo que teve essa concessão da nossa coordenação, digamos assim. A Flica, desde o começo, nunca quis ter tema. A única edição que podemos dizer que isso aconteceu, de uma Flica negra, foi a passada. Katia esse ano voltou a essa linhagem curatorial da Flica, que é também um dos nossos diferenciais. A gente não faz curadoria de umbigo, a gente não traz o colega, o amigo, ou aquele escritor que a gente gosta de ler e queria ouvir. A Flica, inclusive, bane essa prática. Não tem coleguismo na Flica, e na maioria das vezes nosso gosto pessoal não entra em conta. Coincide, às vezes. Nossas escolhas são baseadas no mercado literário, em quem está lançando livro naquele momento, em quem está com uma obra comentada, em quem as editoras têm para indicar, em quem está acontecendo na internet, e em quem precisa dentro da representatividade das maiorias ditas minorias ser referenciado. A Flica tem espaço para autores jovens, sim, mas esse autor jovem ou iniciante precisa estar acontecendo, ter alguma coisa que o fez acontecer. A gente  busca esse equilíbrio entre o autores mais antigos, que precisam ser referenciados, e os autores mais do momento. Também é outro ponto da nossa curadoria.

O domingo é um dia que poderia render mais para a Flica. Por que essa decisão de encerrar a programação ao meio-dia? A gente já fez o dia completo, mas não teve um bom resultado, porque as pessoas voltam. Então, a gente teve o raciocínio de fazer pela manhã, encerrando ao meio-dia para que as pessoas almocem, façam suas programações e aproveitem a cidade como turismo. Quem vem de bate-volta já sabe que o dia de fazer isso é sábado, até porque a disposição que as pessoas têm para fazer algo fora de casa é nesse dia também. 

Vi muitas pessoas comentando que a Flica cresceu, mas não mudou muito a estrutura física. A gente vê longas filas antes das mesas mais badaladas, muita gente de fora mesmo depois de horas de espera. Durante as entrevistas que fiz, pessoas sugeriram que as mesas acontecessem ao ar livre, com a implanação de toldos na rua. Vocês estão atentos a essa demanda? Como estão pensando soluções? Tem três anos que estamos estudando um projeto de ampliação que perpassa levar a Flica para a beira do rio. AÍ será precisa se montar uma estrutura, e não é um toldo, é uma tenda, a diferença é grande. A única questão é orçamentária. Conseguimos um bom patrocínio junto aos poderes públicos estadual e municipal,  e a nossa batalha a cada ano é tentar sensibilizar as empresas privadas de que a Flica é um excelente negócio. A Flica movimenta mercado, traz esse fluxo de mais de 35 mil pessoas aqui e tem repercussão na imprensa, cujo alcance maior é Salvador. Então, aquela preocupação da empresa de que vai ser algo anunciado somente em Cachoeira não tem fundo de verdade. A Flica hoje já tem uma divulgação nacional, já sai nas principais redes de mídia. É um produto já reconhecido pelo mercado nacional, mas a gente não conseguiu sensibilizar empresas privadas a participarem desse fenômeno de público. Então, a gente fica recebendo mais e mais pessoas, e a estrutura é a mesma de 2011. Esperamos que a sociedade reverbere esse clamor, todo mundo quer uma Flica ampliada, e que esse clamor possa sensibilizar as empresas privadas, porque o poder público já está fazendo a parte dele. Claro que nós ouvimos isso.

Falando em estrutura, não poderia deixar de comentar sobre a Geração Flica, espaço que vocês estrearam esse ano. Além do sol incidir sobre a arquibancada, todo o local era muito quente. Se via muitos ventiladores, mas eles não davam conta. Qual o retorno que vocês tiveram sobre isso? Na Flica tem alguns mitos, um dos mitos é que os autores só vêm se Cachoeira quiser [riso]. Há diversos esforços da curadoria para confirmar nomes, e coisas mágicas acontecem e a pessoa não vem. E aí refazemos a mesa e vem uma pessoa que achávamos que não viria. Tem esse mito, não adianta, Cachoeira só traz quem quer. E o segundo mito é que toda estreia na Flica é no calor. Na primeira edição, em 2011, a estreia das mesas literárias foi no calor, à base de ventilador. Em 2013, quando a Fliquinha estreou na Base Paroquial, também foi no calor. Agora, que a Geração Flica estreou não podia ser diferente, mantivemos a tradição do calor [risos]. Porque se passou a prova do calor na Flica, é sinal de que vai continuar, vai se firmar, e vai para o ar-condicionado, para uma estrutura melhor. Eu acho que a Geração Flica passou na prova do calor, porque estava cheio todos os dias. 

Mas logicamente depois você vão aparelhar melhor, não é? Claro, mas tudo perpassa uma questão orçamentária. A retração econômica é terrível no nosso país.