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Da Redação
Publicado em 2 de setembro de 2022 às 05:00
O número de processos movidos contra o governo estadual por questões relacionadas à regulação cresceu 363% no último ano, segundo dados levantados pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) a pedido do CORREIO. Enquanto 2020 registrou 118 processos, a taxa saltou para 547 em 2021. Já até 19 de agosto de 2022, a entidade contabilizou 568 ações judiciais. O valor já é 3% a mais do registrado nos 12 meses do ano passado. Em 2019, ano anterior à pandemia da covid-19, o Tribunal recebeu apenas cinco processos. >
Os processos são resultado de casos na esteira da fila de regulação do Sistema único de Saúde (SUS). A Central Estadual de Regulação (CER) possui cerca de 1.100 solicitações diárias que incluem avaliações com especialistas, exames, procedimentos cirúrgicos e vagas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), afirma a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Por dia, as quatro centrais recebem, em média, 150 solicitações para UTI adulto, 30 para pediátrica, 25 para neonatal e cinco liminares.>
Para a líder do Movimento Independente de Luta da Pessoa com Deficiência da Bahia, Fabiana Borges, a fila de regulação é na verdade “a fila da morte”. Ela diz isso porque a amiga, Geiza Santos, 38, faleceu no dia 15 de agosto, após passar 15 dias na espera para transferência. >
Fabiana conta que Geiza tinha leucemia aguda e, nas duas últimas semanas, estava internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Barris, mas precisava de atendimento especializado e fazer drenagem no pulmão. Após protestos do movimento no dia 13, a paciente foi transferida para o Roberto Santos no dia seguinte, no entanto, não resistiu e faleceu. “É uma falta de respeito, é a fila da morte. Quantos estão passando pela mesma coisa?”, lamenta. >
A promotora de Justiça Patrícia Medrado coordena o Centro de Apoio Operacional da Saúde do Ministério Público (Cesau/MP) na Bahia, cuja função é promover medidas necessárias para garantia dos direitos à saúde, e explica que o recrudescimento na regulação ocorreu, sobretudo, por questões causadas pela pandemia. Já a leve queda assistida esse ano também se deve à menor procura por postos em meio à proteção dada pela vacinação.>
Pacientes crônicos, que tiveram quadros agravados por não terem acesso a serviços de saúde em razão da necessidade de isolamento ou pela suspensão de cirurgias eletivas em contraste à prioridade dada aos casos de covid-19, são alguns dos fatores que explicam os números. Abandono de planos de saúde para utilização do SUS em meio à crise econômica e superlotação do atendimento primário e, como consequência, dificuldade ao especializado também devem ser considerados nas causas da crise no sistema de saúde, aponta a promotora. >
Perigos À frente de ações judiciais que solicitam mais leitos para o Departamento de Emergência, o promotor de Justiça Rogério Queiroz esclarece que pacientes crônicos, na área vascular, de cardiologia, oncologia, clínica médica e ortopedia cirúrgica são os que mais sofrem no processo de espera. >
“O financiamento é muito baixo e o dinheiro é insuficiente. No que estado e município venham a gastar normalmente é cinco vezes maior que o repasse do Ministério da Saúde. Cardiologia é grave porque precisa fazer cateterismo, pode evoluir ao óbito. Vascular às vezes [há risco de] necrose em um dedo e que vai evoluindo no tempo esperando na UPA. Às vezes tem que fazer amputação que era de dedo, [mas] vai todo o joelho”, denuncia. >
O auxiliar de serviços gerais Josmiro Bastos, 37, viveu quadro semelhante. Ele tem diabetes e perdeu o polegar da mão direita no Natal de 2021. Em agosto de 2022, o paciente voltou a ser internado na Policlínica da Humildes - distrito do município de Feira de Santana - por problemas causados pela doença. Após três semanas na espera, Josmiro conseguiu transferência para o Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA), onde está em observação, uma vez que chegou na policlínica com apenas um pé inchado e agora a situação evoluiu para os dois pés, com possibilidade de amputação em ambos.>
“Fica parecendo que não tem ninguém por nós. O atendimento aqui é bom, mas não tem suporte para uma situação dessa”, lamenta. A Sesab também reconhece dificuldade do acesso aos postos de saúde a prejudicar tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, porém, citou a realidade como “caso específico de Salvador”. >
A secretaria ainda afirma que, atualmente, 80% das solicitações da Central Estadual de Regulação são atendidas em até 48 horas e a capacidade de atendimento da rede estadual aumentou com a abertura de 20 novos hospitais nos últimos 15 anos, a exemplo do HGE 2, Hospital da Mulher e Instituto Couto Maia.>
“Há um esforço contínuo para reduzir o tempo médio de atendimento, sobretudo, com a abertura de novos leitos e serviços. O tempo médio de atendimento para as solicitações diversas (exames, avaliações com especialistas, internação clínica e procedimento cirúrgico) é de 3 dias. Já o tempo médio para atendimento dos pleitos envolvendo UTIs é de 2,6 dias”, garante.>
Questionada sobre a quantidade de pacientes em espera na regulação, a entidade não respondeu. O CORREIO solicitou também dados sobre o número de óbitos de pessoas na fila de regulação. O valor foi pedido, inclusive, via Lei de Acesso à Informação - que regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas -, mas os dados nunca foram apresentados. A reportagem solicitou à Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE/BA) detalhes sobre os tipos de processos - se são por indenização, por exemplo -, mas também não recebeu retorno.>
Em Feira de Santana, 196 pessoas morreram esperando atendimento>
Segundo Vera Galindo, coordenadora de média e alta complexidade, ou seja, setor que envolve UPAs, policlínicas e liberações de internamento hospitalar, no primeiro semestre, 196 pacientes foram a óbito na espera da regulação em Feira de Santana. Atualmente, são 51 pacientes à espera de vaga. Vera ressalta que, apesar da queda em busca hospitalar em casos de covid-19, janeiro estava com 58 pacientes, ou seja, apesar da queda na busca por causa do coronavírus, a fila pouco teve alteração.>
“É preocupante. Temos pacientes gravíssimos, estamos no momento com pacientes precisando fazer regulação há mais de 15 dias e estamos tensos esperando para que seja puxado para qualquer hospital, porque o paciente está correndo risco de morte”, chama atenção. >
A dona de casa Solange Almeida, 55, lamenta o caso da mãe, Angelina Bezerra da Silva, 87, que tem diabetes e esteve internada por 12 dias na UPA da Queimadinha, bairro em Feira de Santana, com dois pés roxos, inchados e no aguardo para cirurgia vascular. A idosa conseguiu regulação ao final do mês de agosto. >
“Me sinto impotente, é uma situação muito triste porque a gente fica com as mãos atadas. Ela fica triste, os netos todos choram quando vem vê-la aqui. É lamentável porque vai se agravando ao invés de ter melhora”.>
Para atender mais pessoas, Vera Galindo salienta que está no plano de governo a construção de hospital municipal, mas a meta exige recursos, a exemplo da contratação de equipe especializada, adequar demandar e na própria infraestrutura. A intenção é que até o final do mandato, a equipe municipal consiga recurso para viabilizar a construção do prédio. Angelina passou por três unidades até conseguir vaga em um hospital (Foto: Acervo pessoal) Procurada desde janeiro, Sesab não respondeu>
A equipe de reportagem do CORREIO iniciou a busca por dados sobre número de pessoas na fila de regulação e taxa de óbitos em janeiro de 2022 e teve dificuldades para receber retorno da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A produção do jornal entrou em contato com a secretaria em 13 de janeiro solicitando número de pacientes na fila da regulação, o pedido foi cobrado para assessoria em 18 de março e reforçado em 22 de março, porém, a informação nunca foi apresentada.>
Também no mês de março, a equipe conseguiu entrevistar a diretora de regulação da Sesab, Rita Santos, que, contudo, não passou dados e orientou contato com a instituição. Sem respostas, a reportagem fez pedidos novamente em 11 de abril e 20 de abril, até solicitar via Lei de Acesso à Informação pelo portal da ouvidoria do estado, no dia 28 do mesmo mês. >
A reportagem ainda entrou em contato com a prefeitura dos municípios baianos, Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA) e só conseguiu dados através de contato com o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA), em 22 de agosto.*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro >