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Daniel Aloísio
Publicado em 11 de fevereiro de 2021 às 05:15
- Atualizado há 2 anos
“Hoje a gente não tem como dizer que vai ter como bater placa. Talvez só na sexta. Os caras tão todos com problemas”, disse um despachante de veículo, ao ser procurado pelo repórter, que fingia estar interessado no serviço de emplacamento. O trabalhador se referia à operação Cartel Forte, deflagrada nesta quarta pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), em conjunto com as polícias Civil e Rodoviária Federal, para desarticular um cartel envolvendo empresas credenciadas pelo Detran para prestação de serviço de venda de placas de veículos em Salvador.
Ao final da operação, segundo balanço disponibilizado pelo MP-BA, duas pessoas foram presas preventivamente. Além disso, foram apreendidos um total de R$ 593 mil em espécie e cheques, dez celulares, cinco notebooks, dois ipads, uma CPU e diversos documentos. Na operação, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão na sede da Associação Baiana de Estampadores de Placas Veiculares, situada no Shopping da Bahia, e em outras quatro empresas em Salvador e Lauro de Freitas. Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão nas residências das duas pessoas presas e de outras pessoas físicas envolvidas no esquema criminoso. Os mandados de prisões preventivas e de busca e apreensão foram expedidos pela 2ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Salvador.
Apesar do Detran informar que existem 29 empresas cadastradas para ofertar o serviço na cidade – em toda a Bahia são 273 -, a operação mostra que empresários do ramo teriam se unido para formar um cartel, usando várias empresas em nomes de laranjas e familiares. O esquema funcionava há mais de 30 anos.
As empresas e pessoas alvos da operação não tiveram os nomes revelados. Segundo informações do MP, há indícios de que membros dessa organização criminosa teriam o costume de cobrar uma quantia considerável a empresários interessados em credenciar suas empresas no ramo de estampamento, além de alterar no sistema a escolha da empresa feita pelo consumidor no momento da compra, a fim de direcioná-lo para as participantes do conluio. (Foto: Divulgação/PRF) Se tem alguém que conhece bem os efeitos desse cartel, é o despachante de veículo, o profissional contratado para lidar com os trâmites burocráticos e emplacamento do carro. Ele precisa dessas empresas investigadas para fornecer o seu material de trabalho, que é a placa do carro. “A gente paga neles, pois não tem outro lugar para ir. São só eles, aqueles lugares específicos. É um cartel mesmo”, lamenta.
Serviço Ainda para o despachante que conversou com o CORREIO, poucas empresas conseguem ficar fora desse cartel. “Há um local central que distribui o material e você não tem pra onde correr, ficamos reféns disso. Todo mundo acaba pagando de apenas um local só, tanto eu que sou despachante como você que é cliente. De modo geral, tá todo mundo dentro desse sistema. Claro que sempre tem alguém que trabalha com clareza e reputação, mas até separar o joio do trigo fica complicado. O que garanto é que muita gente está dentro dessa situação, pois a situação nos obrigou a entrar. Ou é isso ou a pessoa não consegue trabalhar”, afirmou.
Devido aos problemas judiciais que seus fornecedores estão enfrentando, esse despachante começou a anunciar aos clientes uma possível demora na entrega das placas. “Temos que ver agora quem vai continuar habilitado, quem é que poderá trabalhar. Eu acredito que daqui para frente vão ter fabricante legais. Nesse momento a gente não tem”, confessou.
O CORREIO também tentou entrar em contato com algumas das empresas de estampamento de placas que atuam em Salvador e Região Metropolitana (RMS), os locais investigados pela operação, mas só conseguiu contato com duas organizações, a Salvador Placas e a Replak Placas, ambas localizadas em Pernambués. As atendentes não quiseram comentar a operação, mas disseram que lá as vendas estavam normais.
As empresas não possuem preços iguais entre si e só fazem o serviço após o cliente conseguir a autorização no Detran. Para carro, a Salvador Placas cobra o serviço de estampamento por R$ 205,05, enquanto na Replak sai por R$ 170, independente do modelo. “Você tem que mandar a foto da autorização primeiro para a gente fechar a compra”, reforçou uma das atendentes.
Investigação
O prejuízo provocado pelo arranjo criminoso é inestimável, segundo o MP-BA, já que aniquila a concorrência nesse tipo de serviço e o preço para o estampamento de placas acaba sendo tabelado pelo grupo. A investigação apura a ocorrência dos crimes de formação de cartel, lavagem de dinheiro, associação criminosa, falsidade ideológica, fraude em licitações e alteração de dados indevidamente no sistema de informações. (Foto: Divulgação/PRF) O nome da operação foi batizado de Cartel Forte em razão da comum classificação de cartéis em cartel fraco ou cartel forte. Os cartéis fortes têm, como características primordiais, a exclusão de outros participantes no ramo e a transferência/rateio de ganhos entre os membros. O especialista em direito empresarial João Paulo Vieira Deschk, num artigo publicado em 2016 na Revista Brasileira de Direito Empresarial, explica que o cartel é considerado a mais grave lesão a concorrência, dentre as condutas anticompetitivas. “Cartel é um acordo entre concorrentes, cujo objetivo é eliminar a concorrência, podendo ser através de fixação de preços, cotas de produção, divisão de mercados, entre outros. O cartel traz enormes prejuízos para a sociedade, aumentando o preço dos produtos e afetando sua disponibilidade no mercado, prejudicando os consumidores, o desenvolvimento da economia e a inovação tecnológica, afetando de maneira considerável o bem-estar social”, explica. Em nota, o Detran disse que apoia o trabalho do Ministério Público e que está colaborando na apuração do caso, para que os culpados sejam punidos. “As empresas privadas credenciadas ao Detran-BA precisam cumprir uma série de requisitos legais, sob pena da cassação do vínculo com o órgão. Em janeiro do ano passado, o Detran-BA publicou a portaria n° 20, que deu mais transparência à regulamentação das empresas de placas no estado. O documento foi elaborado em cooperação entre o departamento de trânsito, o Ministério Público e os estampadores, para coibir abusos contra o cidadão”, disseram.
* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.