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Hilza Cordeiro
Publicado em 16 de dezembro de 2019 às 19:41
- Atualizado há 2 anos
A questão da segurança no exercício da atividade dos motoristas de aplicativo surgiu com força nas manifestações promovidas pela categoria desde sexta-feira (13), após a chacina que deixou quatro profissionais mortos no bairro da Mata Escura. Nos dois protestos realizados nesta segunda-feira (16), os motoristas exigem que as plataformas e a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) adote medidas que possam dar maior tranquilidade ao trabalho deles.
Em resposta ao CORREIO, a Uber e a 99, principais plataformas de viagens via aplicativo, disseram que já aplicam políticas de segurança antes, durante e depois das corridas. Em contrapartida, o Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA) informou que, apesar de as empresas não se responsabilizarem pelos motoristas e os tratarem apenas como parceiros que utilizam sua tecnologia, o órgão abrirá inquérito para analisar as responsabilidades das plataformas com relação ao episódio brutal.
Em nota, a Uber disse que a segurança é prioridade para a empresa e que suas diretrizes tiveram atualização no mês passado, com a novidade da verificação de documentos dos usuários e acréscimo do botão “Ligar para a Polícia”, que tem integração com forças policiais da região com compartilhamento automático da localização em algumas regiões.
Dentre as medidas, a Uber explica que antes de cada viagem, exige o CPF e data de nascimento do usuário que opta por pagamento em dinheiro. Os dados são verificados com a base do Serasa. Ainda conforme a empresa, essa novidade foi anunciada em julho deste ano como primeiro projeto entregue pelo Centro de Desenvolvimento Tecnológico instalado pela Uber em São Paulo, e que a companhia diz ser o primeiro da empresa na América Latina com foco em segurança.
Ao informar a opção de pagamento em dinheiro, o motorista recebe na tela do app a região do destino final e a nota do usuário do aplicativo antes que este entre no carro. A Uber disse que está em teste em Salvador e em diversas cidades do país a opção do aplicativo em que o motorista pode escolher não receber chamadas para viagens com pagamento em dinheiro.
Além disso, a Uber diz que vem utilizando no Brasil, desde o ano passado, o recurso de machine learning, uma técnica que usa algoritmos que aprendem de forma automatizada a partir dos dados e que bloqueia as viagens consideradas potencialmente mais arriscadas, a menos que o usuário forneça detalhes adicionais de identificação.
Atualizações
Também desde 2018, tanto o aplicativo do usuário quanto dos motoristas foram atualizados com o botão Recursos de Segurança, que reúne todas as funções de segurança da plataforma, que inclui poder compartilhar a localização e o tempo de chegada em tempo real com quem desejarem. Caso o usuário tenha um perfil familiar, cada vez que uma pessoa cadastrada neste perfil começa uma viagem, o usuário pode automaticamente acompanhar o percurso diretamente de seu celular. A plataforma disse também que, durante cada viagem, tanto os motoristas parceiros quanto os usuários estão cobertos por um seguro da Uber para acidentes pessoais.
Como os passageiros e motoristas avaliam uns aos outros após a corrida, a Uber também tem o poder de banir qualquer um que esteja com uma média baixa de avaliações e que tenha comportamento inapropriado ou perigoso.
Se acontecer algo do tipo, os motoristas têm à disposição um número de telefone 0800 para registrar casos de emergência e solicitar apoio da empresa depois de terem comunicado às autoridades. O aplicativo da Uber permite ainda que solicitações de viagens sejam canceladas por motoristas parceiros sinalizando motivo de segurança quando não se sentirem confortáveis.
O que diz a 99
A empresa 99 também disse que tem a segurança como prioridade. Assim como a Uber, ela também mostra aos motoristas informações sobre o destino final e nota do passageiro, além de exigir CPF ou cartão de crédito. Tem em comum ainda o machine learning — que vasculha padrões suspeitos — e compartilhamento de rotas. A 99 diz que o aplicativo tem um mapeamento de áreas de risco e que o profissional pode escolher cancelar as corridas nestes casos.
Os carros cadastrados nesta plataforma, conforme garante a empresa, têm câmeras de segurança embarcadas e conectadas à sua central de segurança 24h, nos sete dias da semana. O kit segurança também um inclui, na tela do app, o compartilhamento das rotas em tempo real com até cinco contatos de segurança. Desde o aceite até a finalização das corridas, passageiros e motoristas são cobertos por um seguro contra acidentes pessoais de até R$ 100 mil.
O que diz a Polícia Militar
Procurada pelo Correio para explicar como busca garantir segurança no transporte de passageiros, a Polícia Militar informou que realiza ações específicas através da Operação Apolo, juntamente com as companhias de área, realizando abordagens preventivas e blitze constantes. A instituição acrescenta que, apesar de os veículos de aplicativo não apresentarem identificação visual externa, também são abordados pela PM da mesma forma, mas na categoria de carro comum.
O que diz o MPT
Para a procuradora Juliana Corbal, do Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA), quando uma situação como a ocorrida em Salvador acontece, isto revela uma série de problemas não só da cidade, mas em todo o país com relação aos aplicativos. Ela cita que o MPT trabalha a questão da falta de segurança pública com vários trabalhadores, não só os que atuam em aplicativos e que o fato poderia ter acontecido, por exemplo, com motoristas que conduzem carros de transporte de valores e que são funcionários de empresas privadas.
“Mas, quando a gente olha a situação deles [motoristas de aplicativos], a gente vê que estão muito mais vulneráveis que outras pessoas. Alguns só dirigem à noite, em bairros sujeitos a esse tipo de risco e também estão sem a proteção trabalhista que outros trabalhadores têm”, explica a procuradora.
Como as plataformas não reconhecem os motoristas como seus funcionários, eles não têm acesso aos benefícios de assistência previdenciária. As empresas alegam que não há vínculo empregatício e que os profissionais são parceiros que utilizam a tecnologia para chegar aos clientes.
“Acontece que as empresas cobram em cima de cada corrida e elas deveriam dar segurança, independente do questionamento sobre vínculo empregatício ou não. Essas empresas deveriam olhar para os trabalhadores da sua plataforma de forma diferente. Elas estão lucrando muito através da exploração do trabalho humano e admitir isso é escolher que a gente quer mudar nossas formas da exploração do trabalho humano”, comenta.
A procuradora destaca ainda o fato de que o caso não tem motivação conhecida e que, como esses profissionais se enquadram numa situação de trabalho nova, isso gerou tensões, como por exemplo o desgosto em outra categoria: os taxistas.
“As empresas de app trabalham muito na questão do trabalho sobre demanda. Como tem várias pessoas querendo esse tipo de oportunidade de emprego. A gente viu que uma das vítimas era vigilante e, nas horas vagas fazia isso. É um pessoal que vive de bico. Qual a diferença? Se um desistir, vai ter outro e outro se submetendo a essa forma de controle pelo algoritmo e a gente vê uma subordinação por conta disso”, explica.
O órgão informou ao CORREIO que irá instaurar um inquérito para apurar a responsabilidade das empresas de aplicativos no episódio da chacina ocorrida em Salvador.