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Gabriel Galo
Publicado em 30 de julho de 2019 às 10:37
- Atualizado há 2 anos
Salvador, 27 de julho de 2019
Rodada 12 de 38
A reação esperada (ou não… vai saber…)
Os altos (poucos) e baixos (muitos) da temporada rubro-negra causavam preocupação na torcida. Se contra o Criciúma a redenção chuvosa causou expectativa, o apagão de Londrina fez voltar a dúvida sobre a estabilidade emocional que vem de longa data.
É um vai-não-vai que atormenta e maltrata o juízo da nação que chama o Barradão de casa. Ainda mais quando o ‘não-vai’ prevalece no mais das vezes.
Ainda assim, quase 5 mil torcedores subiram a ladeira rumo ao Santuário Ecológico doidos para verem a corneta se transformar em até que enfim. No preparo de antemão, seja para aguentar o sofrimento, seja para pular de alegria, todos com a cartolina do “eu já sabia” em punhos.
Perdendo, “taí, essa 'disgrassa', quem aguenta uma zaga dessa? Eu já sabia!”
Ganhado, “viu aí, mizéra! O Barradão voltou! Rumo à primeira, papá! Eu já sabia que hoje era brocação geral!”
Chuva!
O inverno na Bahia não deixa nunca na mão. Chove dia sim, outro também. Nossa Senhora das Tempestades Fora de Hora nem foi preciso ser acionada, dado o certo da chuva que cairia.
E se reza a crença que só debaixo d’água pro Vitória vencer, estaríamos diante do momento da verdade. Ou presenciaríamos a continuidade da sina, a superstição sacramentada na pedra, havendo de se ter a certeza do acaso como lei, ou perderia-se o arremedo de controle, entregando ao bate-cabeça do aleatório, a regência do universo.
Santuário Ecológico
Podem maltratar como for.
Podem fazer escorrer pelo ralo a aura de maior centroavante da história do clube.
Podem dificultar a experiência em catracas que sempre acumulam gente e constantemente travam o cartão.
Podem distribuir impropérios de mudança para a Arena em detrimento de sua estrutura.
Podem tudo, mas algo permanece intacto.
A sensação de subir a ribanceira para encontrar o Barradão no topo do planalto, imponente, é indescritível. Enche o peito e a alma de esperança e de conforto. A movimentação da massa em vermelho e preto, os ambulantes, o som da expectativa. Para, finalmente, chegar ao arco de entrada, com o distintivo a abrir os caminhos.
Impossível não sorrir diante de tantas lembranças de glórias.
“Estou em casa”. Assim pensa cada um que se veste na mais perfeita combinação de cores diante do patrimônio que o forjou não apenas torcedor, mas o ser humano. É identificação, é paixão, é segurança.
O Barradão é o porto seguro rubro-negro.
Desastre anunciado
Que a Ponte Preta, adversária do Vitória na tarde de sábado, briga na parte de cima da tabela, todos sabiam. Que o Vitória sofre com uma defesa constantemente errática, também todos sabiam.
Então, quando num cruzamento pela esquerda, Roger, o 9 campineiro, ex da casa, mergulhou de peixinho fazendo a bola tremer a trave, varreu o Barradão aquele ar pesado de mais uma jornada sofrida. Quando na sequência, só que do lado de lá, o cruzamento encontrou o mesmo Roger, desta vez impedido, era um desastre anunciado. Certeiro, o centroavante testou para o fundo das redes de Martín Rodríguez. Vitória 0x1 Ponte Preta.
Só que desde o jogo contra o Criciúma algo de diferente acontece. Em vez de esmorecer, a torcida se inflamou. Primeiro timidamente, desconfiada, procurando esconder o cartaz de “eu já sabia” que ecoava som de corneta.
Depois, o Barradão ficou pequeno pra tanto esbalde.
Eu já sabia!
Se não vai na tática, vai na técnica individual. Se também não vai na técnica, vai na raça.
Assim é a cadeia hierárquica da organização boleira, em que estas coisas podem andar juntas.
Só que, no Vitória, as duas primeiras têm múltiplos asteriscos de ressalvas. E o histórico de rendição emocional indicava que a volta por cima era improvável.
Mas chovia.
Mas era o Barradão.
Mas esse negócio de estatística funciona no conjunto de dados, não a eventos individuais.
Na falta na intermediária do ataque rubro-negro, Chiquinho e Felipe Gedoz, nomes novos no elenco, se armaram pro chute. A distância era considerável. Gedoz já tinha feito o seu em Londrina, pegando de jeito. Chiquinho ia na base da marreta.
No apito do árbitro, Chiquinho, que havia falhado contra o Londrina, soltou um petardo com a raiva de quem quer recuperação. A redonda seguiu seca, sambando no trajeto, matando o goleiro paulista e indo estufar as redes com um brio que não se via até há pouco. Era um empate que recobrava as esperanças de uma virada, não apenas no jogo, mas no curso desta Série B. Vitória 1×1 Ponte Preta.
Quando nem 5 minutos se passaram do petardo do pequeno Chico, e a torcida ainda cantava quando, num contra-ataque rápido, Gedoz pegou firme de longe, aproveitando-se da desatenção da zaga oponente, para botar o Vitória na frente do placar. Vitória 2×1 Ponte Preta.
Confirmação
O intervalo veio com o furor de uma necessidade de extravasar, como se o grito expulsasse os encostos e os maus agouros para bem longe do Santuário.
No segundo tempo, estacionou-se o ônibus. A Ponte, desorganizada, vivia de chuveirinhos que pouco perigo levavam, enquanto o Vitória abusava de perder gols para matar o jogo.
O encerrar de mais uma tarde mágica debaixo de chuva veio para se entender de maneira definitiva que a lanterna é algo passageiro. Que o elenco não é tão desqualificado assim, especialmente dentro de uma Série B sem destaques.
Faltava um je ne sais quois, um algo mais, algo que liberasse o grupo para o amadurecimento emocional. E essa foi a grande lição aprendida no desgastante calendário de 2 jogos por semana.
Enalteça-se um grupo que pôde se superar e obter um resultado importante demais para o campeonato. Agora, a saída do Z4 é mais do que uma possibilidade. É algo que está certo de que acontecerá em breve.
Das certezas
Por fim, algumas certezas a serem evidenciadas.
Tratemos da confirmação da crença, da superstição científica, de que na chuva o Leão ruge mais alto.
Assegure-se que o Z4 não é local a um grupo melhor do que sua posição na tabela evidencia.
Certifique-se um passo adiante na maturidade emocional da equipe.
Mas, acima de tudo, peça-se licença para que o maior trunfo do Vitória nesta e em qualquer circunstância brilhe mais alto, onipotente, poderoso: O BARRADÃO VOLTOU!
Erga a cartolina da fé inabalável e grite a plenos pulmões: eu já sabia!
Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.