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Gabriel Galo
Publicado em 20 de agosto de 2019 às 10:35
- Atualizado há 2 anos
Maceió, 18 de agosto de 2019>
Rodada 16 de 38>
Ambiente tranquilo>
Há algo de estranho no ar.>
Não porque se sente o cheiro de problema. Tanto pelo contrário. Acostumados que estamos com a batalha de evasão de responsabilidades, com gente despejando galões de gasolina na fogueira das vaidades rubro-negras, estranho é o clima de tranquilidade.>
De Carlos Amadeu nada se escuta. De perfil reservado, o professor foca no trabalho. Para alegria de todos, sequer teve que cair na armadilha de proferir desculpas esfarrapadas. Vencer na estreia amainou a alma.>
De PC também veio a trégua. Não teve mais esse negócio de áudio vazado, ou de entrevista exaltado.>
Da torcida, a bandeira branca foi levantada com a saída do professor Derrota. A madeirada contra o Paraná foi o desfecho ideal ao perceber que agora em campo tem gente com identificação e currículo.>
Subestimar o poder de um ambiente tranquilo de trabalho é algo que não pode ser feito. Mas a tranquilidade vem junto com a atestada competência dos envolvidos. A revolução provocada pela chegada de Carlos Amadeu tem mais desdobramentos extra-campo do que no campo. Foi a chave que abriu a porta da expectativa bem fundamentada.>
A invasão de Maceió>
Se tem um grupo no qual psiquiatras e psicólogos fariam a festa é no meio dos torcedores de futebol.>
Porque é no meio da galera que toda a racionalidade se esvai, abrindo caminho para o mais puro extrato de emoção.>
E foi assim que dezenas de ônibus saíram em caravana de Salvador rumo a Maceió para acompanhar in loco a partida contra o CRB. Fora os que residem nas proximidades e aqueles que se aventuraram individualmente.>
Vestidos de vermelho-e-preto invadiram o Rei Pelé para empurrar a esquadra leonina contra o galo das regatas.>
Relatos direto do local informam que quase todo mundo saiu sem voz mas de alma lavada, que o estoque de cerveja secou na metade do segundo tempo e que, sim, todos voltaram aos seus afazeres no D+1 com o amor pelo Vitória renovado.>
Com seu entusiasmo, reacenderam em muitos a chama rubro-negra incondicional.>
E trazendo pra dentro de casa o canto da organizada, há de se perguntar: mas véi, QUE TORCIDA É ESSA?>
Segura a Bahia, Victor Ramos!>
Matriz e filial>
Por falar no VR3 – Virtual Reality 3 (aliás, o acrônimo funciona até como metáfora para o ex-zagueiro em atividade, cujo futebol se debandou pro mundo da mentirinha), o CRB tem se consolidado como a filial rubro-negra.>
Vê-se na diretoria do Clube de Regatas Brasil um amor e carinho pelo Vitória que devemos admirar e enaltecer. Afinal, qual outro clube se habilitaria para levar Cleiton Xavier e libertar o clube baiano de um contrato terrível?>
Mas eles não se deram por satisfeitos. Podiam mais, e mais fizeram.>
São nada menos que 8 ex-atletas rubro-negros no alvirrubro alagoano, fora o técnico Marcelo Chamusca. E ainda mais uns tantos do rival, no que poderiam mudar de uma vez o nome do clube para CRB – Clube de Refúgios da Bahia.>
A hierarquia já daria a deixa para sacramentar o resultado inevitável. Contra a matriz, a filial não se cria.>
Espinha dorsal>
Era maio pré-Copa quando o Vitória tropeçava em campo sem eira nem beira. Não se esboçava time titular, homogeneidade inexistia. Era a teoria do caos em funcionamento.>
Três meses depois o cenário é outro.>
Tradicionalmente, as equipes bem-sucedidas têm um time titular inquestionável. Não necessariamente em todas as posições, mas ao menos 6 (goleiro, um dos laterais, um dos zagueiros, volância, meio, ataque). Hoje no Vitória está se aperfeiçoando um modelo de jogo que vai girar em torno de 7 nomes.>
Martín Rodríguez dominou o gol. A zaga está fechada com Everton Sena e um redivivo Ramon, que deixou pra trás a insegurança e tem jogado muito bem. Na lateral esquerda, Chiquinho é o bola da vez. Mesmo machucado, voltará ao time assim que recuperado – não se cogita manter Capa de titular. Baraka é o volante e capitão, Gedoz a condução para o ataque e Jordy Caicedo o 9 que se esperava há muito tempo.>
Orbitarão outros nomes para que se encontre um 11 mais completo. O companheiro de ataque ideal ao equatoriano, o segundo volante, o outro meia, o lateral-direito que resolverá a maldição da posição. Questão não mais de acerto básico, mas de aperfeiçoamento.>
Esquema tático>
Desde o segundo semestre de 2014 o Vitória convive com uma defesa esburacada. Perdida, com falhas graves na transição defensiva. Não precisava de muito para que qualquer adversário encontrasse o caminho ao gol rubro-negro.>
Ao assumir, Carlos Amadeu percebeu o que precisava fazer. Começar pelo básico: acertar a defesa do Vitória.>
Tratou de estabelecer modelo de jogo pragmático. Marcação num 4-4-2 com as duas linhas de trás muito próximas e ponteiros que fecham o espaço. É por este motivo que Wesley não sai da equipe, mesmo com produtividade ofensiva abaixo da crítica. Ele recompõe com qualidade. Até mesmo Gedoz tem feito seu papel.>
Este ajuste, preocupado com a segurança defensiva, garantiu 2 jogos na sequência sem sofrer gol. Algo raro nos últimos anos.>
Quando dono da posse, o Vitória ainda sente dificuldades. Porque a transição depende de um ajuste que precisa de muito treino para funcionar.>
Na saída dominada pela zaga, o esquema vira algo como um 2-4-3-1, com os laterais avançando em linha com a volância. Gedoz assume posição central, onde rende mais e Wesley e Anselmo Ramon flutuam bastante trocando de posição. Quando a bola avança à segunda linha, o lateral oposto retorna para compor uma linha de 3 na zaga.>
Variar nestas formações de maneira coordenada é um desafio. Aos poucos Amadeu vai encontrando a saída. Enquanto isso, ainda veremos algumas bolas perdidas no meio e rápidos desarmes adversários.>
Até lá, o pior já passou. A sangria defensiva foi estancada. Ainda bem.>
Jordylotelli>
Sim, foi apenas a terceira partida de Jordy, o homem que não sorri, com o manto rubro-negro, sendo a segunda como titular. Mas, relembrando Sotero Monteiro, treinador do Ypiranga de priscas eras, Ypiranga este que foi o exportador da primeira grande leva de torcedores rubro-negros (para saber mais sobre o assunto, leiam o “Ingresia”, de Franciel Cruz, e o “Negô! Bahia!: a invenção da torcida baiana, de Paulo Leandro, ambos, além de craques das palavras, rubro-negros, o que atesta caráter).>
Onde eu estava? Ah, sim, Sotero Monteiro que ao ser perguntando por incauto por que afirmara que Antônio Mario jogava muito, soltou a letra inesquecível: “jogador bom a gente conhece no arriar da mala”.>
Não que Jordy seja um fora de série. Não é para tanto. Mas o novo contratado está alguns degraus acima de seus oponentes nesta Série B.>
Alto, forte e rápido, parece ser imparável. Amarelou alguns no CRB. Um passe meio sem rumo se tornou viável pela sua velocidade, gerando o pênalti batido e convertido por Gedoz, o da vitória. Em outras oportunidades apostou corrida para sair na cara do gol e ver o arqueiro alagoano fazer boas defesas.>
A história dele na segunda divisão tem tudo para significar a retomada do próprio Vitória na competição. Não vai ser a causa única, mas ajudará a explicar um bom pedaço.>
Jordylotelli vai ser o cara desta Série B. Será que eu vi. O arriar da mala já deixou evidente.>
Empolgação>
O biênio 2018-2019 para os lados de Canabrava é provação para a torcida rubro-negra. O acúmulo de vexames desestabilizou a relação, gerando afastamento da torcida com o clube, seja como consequência de resultados, seja pela culpabilização de quem mais sofre com a má fase.>
Só que torcedor fica sempre com aquele ardor vivo, por mínimo que seja. Esperando a fagulha para explodir em festa e em amor ao clube.>
Ao que tudo indica, parece que gerou-se fogo.>
E quer saber, empolguei. Mesmo que depois tudo se transforme em decepção. Empolguei.>
Empolguei porque eu vejo um futuro para o Vitória. Empolguei ao ver um capitão que mete o dedo na cara dos companheiros exigindo o máximo. Empolguei com a qualidade de Gedoz, com a velocidade impressionante de Jordy, com a volta de Ramon. Empolguei com a serenidade de Carlos Amadeu. Empolguei ao ver a torcida armando planos para lotar o Barradão numa quarta-feira de horário ingrato para gritar sua paixão pelo clube.>
Se vai ser suficiente para ver o Vitória retornar ao seu lugar de direito, a Série A, saberemos em novembro. E, honestamente, pouco importa neste momento. Porque no hoje, poder extravasar o orgulho de ser Vitória é bem maior. É um grito que estava travado na garganta. Caminhamos por muito tempo com esta dor de não externalizar o que nos define.>
Assim, vendido e iludido, já visualizo a festa da subida, Barradão em chamas e todo lance na voz de Ranieri Alves: PEEEEEEEEEEGA, Leão! ESTRAÇAAAAALHA, ARREGAAAAAAAAÇA, PEEEEEEEGA, Leão!>
Bastava pouco.>
Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor. A opinião do autor não necessariamente reflete a do jornal.>