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Diário da Série B: Realidade nua e crua

Gabriel Galo relata a segunda derrota do Leão na competição

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 14 de maio de 2019 às 17:05

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Luciano Claudino/Estadão Conteúdo

Apesar da comemoração pelo aniversário de 120 anos, partida teve a cara de 2019: apática e desorganizada. Assim a equipe rubro-negra caiu para ao bugre. Placar final: Guarani 3x2 Vitória.

***

Campinas, 13 de maio de 2019

(Rodada 3 de 38)

Parabéns pra você!

Quando segundos se passavam da meia-noite adentrando o novo dia, torcedores já anunciavam nas redes sociais o orgulho de ser Vitória. Afinal, neste mesmo 13 de maio, longínquos 120 anos atrás, um grupo de amigos fundavam o clube que rescreveria a história do desporto baiano.

Dia, portanto, de reverenciar sua trajetória e exaltar o amor de ser rubro-negro! Especialmente porque, como é praxe em diversos momentos, a instituição mais que secular passa por mais um período de reconstrução, de recomeço.

O dia, claro, não haveria de passar em branco. Assim como individualmente cada um enaltecia sua paixão, outras frentes de celebração organizada tomaram corpo.

De parte do próprio Vitória, uma festa oficial estranha foi armengada numa imagem tão tosca quanto uma troca de passes no meio-campo do time. Valor impeditivo que afastava a torcida e pedia a caridade numa conta pessoal. A brincadeira de mau gosto com os recursos do clube parece não ter fim. A mamata não acabou.

De parte dos torcedores, a Frente Vitória Popular, com diversos representantes eleitos no Conselho Deliberativo, chamou todo mundo na chincha. A chibança (alô, Franciel!) seria no Imbuí. Esquema aberto e consuma o seu, gaste o que puder e venha vestido de Vitória. No apagar das preliminares, até o perfil oficial do clube deu o ar da graça e garantiu parceria junto a quem de direito na comemoração: a torcida.

Tinha, portanto, festa pra rico, festa pra geral e a cereja do bolo seria o triunfo glorioso contra o uma-vez-todo-poderoso Guarani, dando continuidade ao sábado mágico de poucos dias atrás.

Expectativa

Ainda exalava no peito a emoção regada a suor, chuva e lágrimas da virada contra o Vila Nova-GO. Quem no Barradão estava, contava vantagem; quem não estava, dizia que estava e pronto. Todos, compreensivelmente, queriam fazer parte de um momento épico, enchente frente a secura de alegrias.

Pessoal ia chegando, se acomodando. O mascote raiz compareceu, tinha computador e gente para facilitar a associação ao Sou Mais Vitória na hora.

Os mais confiantes sacramentavam o agora-vai da retomada; os mais realistas, esperariam para ver.

Não bastou muito tempo para que os comedidos realistas se enchessem de razão e preocupação.

Escalado o 11 titular, Andrigo e Neto Baiano repetiam-se enfileirados. Caíque no gol e o medo que provoca. Victor Ramos e seus botes atrasados.

Se não há esperança que resista a Andrigo em campo, o que dizer quando a ele se perfila Neto Baiano?

Era chegada a hora de se agarrar à crença, não importa qual.

Sistema (in)ofensivo

Pois contou-se um, dois, três toques na bola e o sofrimento reemergia. O sábado mágico era, pois, um sonho. Voltava à tona o desmantelo, a confusão, a incapacidade.

Tencati propôs nova saída de bola, afastando os volantes aos extremos da primeira linha, adiantando os laterais, quase como pontas. O resultado foi uma cratera populada somente por jogadores de verde no meio-campo.

Como de costume, bola que caía nos pés de Andrigo viravam posse adversária.

Já Neto, aperfeiçoava seu lance preferido. Ao ver que bola chegava, se colocava no pivô, se jogava espalhafatoso, pedia falta que não havia e levantava reclamando.

Por quase 30 minutos, nem um chute a gol. Nem daqueles mascados pra fora, chochos. Zero. Nada.

Não se deve chamar o setor de ataque do Vitória de sistema ofensivo. Deve-se chamar de sistema inofensivo.

Não é permitido sonhar

Mas Felipe Garcia não quis conversa. Recém-promovido à condição de titular, mais uma vez pressionou o adversário na saída de bola. Raçudo, brigou, tomou, quase fez o dele, e a bola sobrou limpa, leve e mansa para Neto Baiano abrir o placar!

DESCONJURO! SAI, INHACA!

Em Salvador, em Campinas, no Brasil inteiro, a nação rubro-negra vibrava. Era o recomeço. Cair no aniversário, jamais! Respeitem essa camisa!

Mas todo castigo para torcedor do Vitória é pouco. Menos de 5 minutos depois, Caíque, o goleiro sem mãos, não deu de toco na bola e Felippe Cardoso, o 9 campineiro, empurrou para as redes o empate num lance bisonho.

Diz o ditado que todo grande time começa com um grande goleiro. Talvez tenham entendido na Bahia um pouco literalmente demais esta frase. Grande, com seus quase 2 metros de altura, Caíque é. Mas como goleiro, acumula falhas grotescas.

A time que tem Caíque no gol não é permitido sonhar.

Descambou de vez

Na saída para o intervalo, Neto Baiano para para dar entrevista ao Premiere. Visivelmente ressentido, e também acuado por ter percebido que seu pito em Caíque fora captado pela repórter, ataca. Diz que as críticas que tem recebido servem apenas como motivação para continuar correndo e marcando gols.

Quem de longe via e ouvia tal despautério não podia crer. Ao famigerado centroavante rubro-negro, ele tem jogado bem e ressalvas são imerecidas. Nos próprios argumentos, o escárnio. Primeiro que correr, ele não corre; segundo que não são gols marcados, é gol, no singular, sem qualquer mérito.

Como aturar tamanha dissociação da realidade? Como lidar com o absurdo gritando na sua cara?

O segundo tempo veio e, com ele, a certeza cimentada da incompetência. Capa, outro lateral que não deveria ter vindo – especialidade do Vitória é contratar jogadores que nunca deveria ter contratado – ajeitou a redonda para facilitar a virada campineira.

Pouco depois, Victor Ramos – mais dos que vieram, mas não deveriam ter vindo – quis ter sua participação nas pixotadas e deu de bandeja o terceiro gol ao oponente.

Não era só virada. O que se via em campo era um recital de incompetência. Um jogo não apenas taticamente horroroso, mas tecnicamente sofrível. Não há quem se salve no barco afundando rubro-negro.

A fé de todos voltava à míngua de antes. O sábado mágico estava, definitivamente, sepultado.

E se você viu o gol de Everton Sena, certamente não vibrou. Final, Guarani 3×2 Vitória.

Cruel, muito cruel

Pode o mandatário bater no peito e dizer o que quiser.

Podem acossar o torcedor e chantageá-lo a filiar-se – e, na paixão, muitos atenderam ao apelo.

Podem soltar bravatas esdrúxulas de “agora o respeito volta”, ou que “vão voltar a temer o Vitória”.

Podem muitos ignorar solenemente a inabilidade atroz da nova comunicação, personalista em vez de institucional.

Falar grosso, não importa o quanto, não vai mudar a realidade nua e crua, esta que desferiu um golpe dolorido demais na autoestima rubro-negra nesta noite de 13 de maio em Campinas. Em pleno dia de aniversário, 120 anos de uma história repleta de reviravoltas, a dor é potencializada ao extremo.

Este Vitória que vai a campo luta, efetivamente, para não cair para a Série C.

Pode ser que no apagar das luzes tenhamos subido de volta à Série A? Pode, claro. Mas, certamente, isto dependerá mais dos que chegarem na parada para a Copa América do que destes que hoje desonram o manto rubro-negro. Até lá, resta torcer para que os golpes não coloque o Vitória num buraco de onde não poderá sair.

Porque, relembrando, a time que tem Caíque no gol não é permitido sonhar, e não há esperança que resista a Andrigo em campo.

Gabriel Galo é baiano, torcedor do Vitória, administrador e escritor, cronologicamente falando. É autor de “Futebol é uma matrioska de surpresas: Contos e crônicas da Copa 2018”, disponível na Amazon. Texto originalmente publicado no site Papo de Galo.