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Diabetes: duas pessoas têm membros amputados por dia na Bahia


 

Veja como se prevenir e 10 alimentos saudáveis para ajudar a controlar o diabetes

  • Gil Santos

Publicado em 16/09/2018 às 06:06:00
Atualizado em 18/04/2023 às 21:50:05
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Há dois anos, uma simples topada fez o açougueiro Valnei Bonfim, 38 anos, ter que amputar o pé. Diabético, entrou para as estatísticas crescentes de quem tem a doença e acaba tendo que perder um membro pelos efeitos provocados pelo problema de saúde. Somente entre 2010 e 2017, segundo a Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), foram realizadas 5.754 cirurgias de amputação de membros de pessoas com diabetes no estado. Em média, foram duas amputações por dia. Este ano, até julho, já foram  344 amputações.  Valnei recebeu o diagnóstico de diabetes quando era adolescente  Foto: Arisson Marinho/CORREIO Quando era adolescente, Valnei recebeu o diagnóstico do diabetes tipo 1 da diabetes mellitus, como normalmente é chamado o diabetes. A situação aconteceu após desmaiar e ser levado às pressas para um hospital. “Mesmo depois de contar que eu era diabético, os médicos me mandaram para casa. Voltei depois de três meses com dores no estômago e o médico viu a necessidade de fazer a amputação. Pensei que seria apenas do dedo, mas foi preciso retirar o pé inteiro”, contou o açougueiro.

 A presidente da seccional baiana da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD/BA), Odelisa Matos, explica que o diabetes é causado por uma série de distúrbios metabólicos que levam a um quadro de hiperglicemia, ou seja, ao aumento persistente de glicose no sangue.   De acordo com ela esse estado de hiperglicemia pode levar ao comprometimento de órgãos alvos e sistêmicos, como os que fazem parte do sistema circulatório e do sistema nervoso, comprometendo a circulação sanguínea nos vasos de grosso calibre e nos vasos de calibre mais fino.

[[galeria]]   É neste ponto que entra o risco de amputação em pacientes diabéticos, porque, como há comprometimento da circulação sanguínea, a pessoa acaba perdendo a sensibilidade de partes do corpo, normalmente, extremidades inferiores. 

“Qualquer ferimento nos pés, nos dedos, nas pernas deve ser tratado de imediato, com foco no fechamento da ferida para que ela não evolua e infeccione. A pessoa que tem mais de 10 anos de diabetes tem maior risco de desenvolver feridas em membros inferiores e isso é um fator de risco muito elevado para amputação”, declarou Odelisa.   De acordo com o assessor de Gestão Interinstitucional da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), Eliud Garcia, o diabetes é a maior causa de amputação dos membros inferiores, a maior causa de cegueira e a segunda maior causa de insuficiência renal no mundo.

Odelisa reforçou os perigos do diabetes e afirmou que os pacientes diabéticos têm de 2 a 3 vezes mais riscos em casos de cirurgias. “Esse risco está relacionado ao controle do diabetes, ou seja, quanto mais fragilizada a doença estiver, maior é o risco, e também está relacionado à presença das complicações crônicas da diabetes, como comprometimento dos rins ou dos vasos”, explicou.   Essas cirurgias envolvem desde procedimentos comuns até os mais cuidados, como as amputações. Isso envolve, segundo Odelisa, a dificuldade de cicatrização do paciente diabético. “Por isso é importante que as pessoas identifiquem todo e qualquer ferido no início, para não correrem riscos posteriores”, contou.   No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, durante todo o ano de 2017, feitas 12.748 amputações, contra 11.580 em 2016, isso significa uma variação positiva de 10% no período. Em 2018, até o início de agosto, foram 5.566. De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, o custo é alto: R$ 14,7 milhões, no ano passado, e R$ 6,5 milhões, apenas no primeiro semestre deste ano.

Tipos de diabetes    Apesar de os fatores que causam o diabetes como genéticos, biológicos e ambientais, ainda não serem totalmente desvendados, a doença é dividida em subtipos. Segundo a endocrinologista do Hospital Santa Izabel, Alina Feitosa, o diabetes tipo 1, que acomete o açougueiro Valnei, “é uma doença autoimune decorrente de destruição das células pancreáticas e leva à deficiência completa na produção de insulina”. De acordo com o Ministério da Saúde, embora os casos estejam aumentando, correspondem a apenas 5 a 10% de todos as ocorrências de diabetes no país.   Já a diabetes tipo 2, que atinge cerca de 95% da população diabética do país, “envolve componentes genéticos e ambientais, a exemplo do histórico familiar da doença, avançar da idade, obesidade, sedentarismo, diagnóstico prévio de pré-diabetes ou diabetes mellitus gestacional (DMG), além da presença de componentes metabólicos, como hipertensão arterial e colesterol alto (dislipidemia)”,explicou.   Por fim, o diabetes gestacional se apresenta como uma intolerância a carboidratos de gravidade variável, que se iniciou durante a gestação em mulher que não preenchia os critérios de diagnósticos de diabetes mellitus. A doença traz riscos tanto para a mãe quanto para o feto e o recém nascido, sendo geralmente diagnosticada no segundo ou terceiro trimestre de gestação.

Pé diabético  Os médicos e especialistas não chamam tanto a atenção para os cuidados com os pés à toa. Tudo isso tem uma explicação, que se reflete nos números de amputações de membros inferiores de pacientes diabéticos.   Segundo a Sesab, entre 2010 e 2017 foram feitas 2.552 cirurgias de amputação de membros inferiores, sendo 1076 procedimentos de desarticulação de pé. Odelisaexplica que “o chamado pé diabético é uma situação clínica que decorre da presença de infecção, úlcera ou destruição de tecidos. Essa é a maior causa de amputação dos membros inferiores.   A médica também ressaltou que o pé diabético “leva a alterações ortopédicas, de ossos, e os pacientes têm um pisar diferente, aumentando o risco de calosidades, que podem se transformar em feridas”.   No entanto, Odelisa assegurou que existe prevenção ao pé diabético, desde que o paciente seja orientado a fazer uma higiene diária do pé, tratamento da pele. “É importante ressaltar que o paciente diabético não deve estar fazendo a unha, retirando cutículas, justamente pelo risco de ferimentos. É necessário abrir sempre entre dedos para secar, além de observar se há feridas nesses lugares”, concluiu.  Alimentação Um ditado popular afirma que o homem é o que ele come. Quando o assunto é o nível de glicêmico - popularmente chamado de açúcar no sangue - , essa afirmação pode ter mesmo um fundo de verdade. Antes de ser diagnosticado com diabetes tipo 1, Valnei não tinha nenhum controle alimentar. 

“Eu não me preocupava com o que estava comendo, se era ou não saudável. Antes do diagnóstico, percebi que estava indo muito ao banheiro e bebendo muita água, até o dia em que desmaiei e fui levado às pressas para o hospital, com o açúcar elevado”, contou o açougueiro.   O caso de Valnei não é exceção. Segundo o endocrinologista e pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Eduardo Couri, existem cerca de 14 milhões de pré-diabéticos no mundo, atualmente. “São pessoas com disposição para desenvolver a doença e que não sabem disso. No Brasil, são 12,5 milhões de diabéticos confirmados”, afirmou o pesquisador.   Valnei tem diabetes tipo 1 e, por isso, além de fazer atividade física e mudar a dieta, ele também precisa de doses diárias de insulina – hormônio que ajuda a metabolizar o açúcar no organismo. “Barriguinha, pressão e colesterol elevados são sinais de alerta. Por ser uma doença silenciosa, ela é negligenciada”, destacou.

A endocrinologista e professora do curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Mariana Lopes, destaca que a pessoa com a doença precisa redobrar a atenção com os pés, no uso de calçados adequados e meias, além de ser recomendado que o pacientes realizem exames com regularidade.   “Como a sensibilidade diminui, os riscos de um machucado aumentam. Ele pode estar pisando em um local muito quente e só perceber muito depois, por exemplo. Além disso, é necessário cuidado com a alimentação, atividade física regular e ir ao médico com frequência”, disse.  Perfil de risco  De acordo com dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), divulgada neste ano, o percentual de homens que apresentaram diagnóstico de diabetes aumentou 54% entre 2006 e 2017. Em mulheres, a variação foi de 28,5% no mesmo período.   Ainda segundo a pesquisa, o risco de diabetes aumenta proporcionalmente com a idade, principalmente entre idosos com mais de 65 anos (24%), além de ser maior entre pessoas com menor escolaridade, que frequentaram o ensino básico até oito anos (14,8%).   O Ministério da Saúde apontou que o diabetes matou 406.452 pessoas no Brasil entre 2010 e 2016. Em 2016, 61.398 brasileiros foram vítimas fatais da doença crônica, número que é 11,8% maior do que o registrado em 2010. Segundo projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS), o diabetes vai se tornar a sétima causa de mortalidade até 2030.   A OMS também destacou que adultos com diabetes têm risco 2 a 3 vezes maior de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral do que os não portadores da doença. Além disso, com o tempo, o diabetes pode danificar o coração, vasos sanguíneos, olhos, rins e nervos.  Sintomas e diagnóstico  A endocrinologista do Hospital Santa Izabel, Alina Feitosa, explica que o diabetes mellitus tipo 1 tem como principais sintomas o aumento da vontade de urinar, fome e sede excessiva e emagrecimento, “decorrentes da produção insuficiente de insulina ou da redução da capacidade de ação da insulina, o que causa um aumento da glicose no sangue”. No entanto, como explicou a médica, o diabetes tipo 2 não apresentam sintomas iniciais extremos, o que faz com que a doença agrida o organismo de maneira silenciosa.   Já o diagnóstico de diabetes acontece a partir de três exames: glicemia de jejum, hemoglobina glicada e curva glicêmica. Segundo Alina, o mais comum deles é o primeiro, que mede o nível de açúcar no sangue, devendo obedecer os valores de referência de 70 a 99 miligramas de glicose por decilitro de sangue (mg/dL).   A Secretaria de Saúde da Bahia, afirmou por meio de nota que “o diabetes é uma doença crônica, cujo acompanhamento dos pacientes cabe a Atenção Básica dos municípios”. Ainda segundo a pasta, “o agravamento da doença e a eventual necessidade de amputação é reflexo da dificuldade de acesso da população a um posto de saúde e ao tratamento”.   Também no documento, a Sesab destacou que “a Bahia possui 78,34% de cobertura da Atenção Básica, considerando os 417 municípios, mas ao retirar do cálculo o município de Salvador, este número sobe para 87,87%”.    Confira dicas de especialistas para manter manter uma alimentação saudável e controlar a glicemia  Para quem tem diabetes, a alimentação é fator crucial no tratamento. A orientação dos especialistas é aumentar o consumo de alimentos naturais e reduzir ao máximo a ingestão de produtos industrializados. Frutas, verduras, legumes e grãos são os mais recomendados.   Segundo a professora de Nutrição da Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC), Thaís Viana, o farelo de aveia é um dos alimentos com melhor resultado na redução da glicemia e um dos mais flexíveis, podendo ser usado com diferentes tipos de alimentos.   “Um dos erros mais comuns de quem tem o diabetes é substituir o pão pelo biscoito de água e sal, achando que isso ajuda. Os feitos dos dois são muito parecidos, então, não adianta trocar um pelo outro. É preciso abrir mão dos produtos industrializados e consumir in natura, além de preferir produtos integrais”, disse.   Saladas também devem estar entre as prioridades de quem diabetes. Os alimentos crus são mais recomendados que os cozidos, porque contêm maior quantidade de fibra. Segundo a endocrinologista Alina Feitosa, outro mito está relacionado às frutas, que, ao contrário do que muitos pensam, não é um problema.  Os pacientes chegam no consultório achando que não podem comer frutas ou beterraba, por exemplo, porque são doces, mas esses alimentos têm fibras que ajudam a absorver a frutose. É importante procurar um especialista para evitar esses mitos”, afirmou Feitosa. Quanto a questão dos horários das refeições, os diabéticos devem seguir a mesma orientação de quem não tem a doença. Respeitar o café da manhã, o almoço e a janta, além de fazer lanches durante os intervalos, comendo a cada 3 horas. A especialista apontou que longas horas sem comer devem ser evitadas porque podem provocar queda de glicemia.   Grãos, como castanhas, nozes e amêndoas devem ser consumidos com moderação por causa do teor de gordura. A pipoca está liberada porque tem fibra, mas desde seja consumida com quantidade mínima de sal. Raízes como batata-doce, aipim, e inhame são também uma boa pedida.   Já o leite deve ser sempre desnatado e o queijo branco. Os sucos devem ser substituídos pelas frutas naturais e os famosos chás devem ser ingeridos com moderação porque não há comprovação científica de que são eficientes. As frituras precisam ser evitadas, porque elevam a quantidade de calorias, e o óleo substituído pelo azeite de oliva, que, aquecido na temperatura correta, não satura os alimentos.   Quando o assunto são as proteínas, peixe e frango devem ter prioridade. “O peixe tem gordura insaturada e, por isso, deve ser consumido, pelo menos, duas vezes na semana. Já o frango tem menos gordura que a carne vermelha”, disse Thaís.  Lista de alimentos que ajudam o diabético a manter uma alimentação saudávelFarelo de aveia; Frutas naturais; Legumes e verduras crus; Raízes como batata-doce, aipim e inhame; Peixe; Frango; Leite desnatado; Queijo branco; Pipoca; Grãos, com moderação. Saiba onde buscar atendimento  De acordo com a Secretaria de Saúde, “o procedimento de amputação é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e todas as unidades hospitalares públicas, privadas e filantrópicas que possuem habilitação vascular são capazes de realizar o procedimento”. Ainda segundo a pasta, “em Salvador, as unidades sob gestão estadual que realizam o procedimento são: Hospital Geral Ernesto Simões Filho, Hospital do Subúrbio, Hospital Geral Roberto Santos, Hospital Ana Nery, Hospital Geral do Estado e Hospital Eládio Lasserre.  

*com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier