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De Negrume a Irmão: Lázaro teve uma vida marcada por reviravoltas

Pastor, deputado, vereador e cantor faleceu aos 54 anos

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 21 de março de 2021 às 08:28

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Agência Câmara

Olhando para a trajetória de Irmão Lázaro é possível ter noção do quanto a vida pode ser complexa, cheia de idas, vindas, arrodeios e reviravoltas. Antônio Lázaro da Silva morreu na noite da última sexta (19) como cantor gospel e vereador de Salvador eleito pelo Partido Liberal (PL). Mas ele não era só isso. Ou pelo menos não foi. Sua vida foi marcada por várias outras coisas: dos tambores do Olodum à Síndrome do Pânico desenvolvida durante a luta contra o vício em cocaína. Do medo de ter o mesmo destino de seu irmão mais velho, fuzilado pela Polícia, às pregações com tom redentor. Do Melô do Pompompom ao Eu Sou de Jesus. De Lázaro Negrume ao Irmão Lázaro. Complexo. Paradoxal. Assim como é a vida.

Lázaro não teve uma infância fácil. Filho de policial militar e uma empregada doméstica, contou em uma de suas entrevistas a canais evangélicos que não foram raras as vezes em que faltou comida em casa. O grande vazio, no entanto, veio quando seu irmão mais velho, envolvido com drogas, morreu baleado por um policial. A morte do irmão fez com que a sua criação fosse mais rígida. Dono de um astral elevado e um sorrido sedutor, Antônio precisava fugir um pouco da rigidez e encontrou na música uma maneira de escapar. 

Sua carreira musical começou aos 18, quando comprou seu primeiro violão. Depois veio o baixo. Dos dois, as primeiras oportunidades em bandas. Primeiro, a Terceiro Mundo e logo depois, por volta de 1988, foi baixista de Edson Gomes na banda Cão de Raça. A juventude e início da vida adulta também trouxe os primeiros contatos com as drogas: da cervejinha ao cigarro, os primeiros tapas em um baseado... até as fileirinhas de cocaína. Até então, tudo era diversão.

O apogeu veio com a força do tambor e levada de timbal: no Olodum. Início dos anos 1990. A voz de Lázaro era tão forte, carinhosa e doce quanto o som dos tambores que subiam e desciam ladeiras no Pelourinho. Assessora de comunicação do Olodum por 7 anos, a jornalista Wanda Chase aponta que não consegue chamá-lo de Irmão Lázaro. Antes dessa persona que carregou até os últimos dias, ele era Lázaro Negrume. No mínimo, Lazzinho. Foi assim que chegou ao Pelourinho - local onde uma paixão gringa deu origem a seu grande sucesso.

"'No Pelô conheceu uma inglesa, se apaixonou e compôs a canção e gravou “I Miss Her”. Que o povo passou a chamar de 'Melô do Pom Pom Pom'. Foi um estouro, sucesso no Brasil e fora do país. O romance com a inglesa não vingou, mas o destino trabalhou para que acontecesse um dos momentos mais bonitos da vida de Lázzaro . O Olodum foi fazer um show em Londres, a ex-namorada soube e foi assistir. No meio do show, Lázzaro Negrume chamou-a ao palco e os dois cantaram juntos a canção que ele fez para ela."', contou Wanda Chase.

O Melô do Pom Pom Pom não foi importante somente para Negrume. 8ª faixa do disco 'Liberdade', lançado em 1996, I Miss Her tornou-se uma das mais conhecidas do Olodum e deu mais um passo rumo à eternidade 11 anos depois, com a performance de um outro Lázaro, o Ramos, no filme Ó Paí Ó, de 2007.

Em nota, o Olodum afirmou que Lázzaro Negrume marcou sua história e eternizou a canção. O grupo afirmou que ele foi dono de uma voz potente e um sorriso que encantou milhares de pessoas ao redor do mundo.

O Olodum trouxe fama, viagens, dinheiro, sexo e tudo que Lázzaro Negrume sempre quis. Ele nunca escondeu que gostava de aventuras e adrenalinas. A cocaína o ajudava a sempre buscar mais e mais - virou um vício e tirou quase tudo que tinha. O sucesso ricocheteou e o chão do negrume desmoronou. Irmão Lázaro era Lázzaro Negrume no Olodum e gravou um dos maiores sucessos da banda (Foto: Acervo Olodum) Sai Negrume, entra o Irmão Charlston Soares morava na Avenida Cardeal da Silva, na Federação, e frequentemente se deparava um rosto conhecido pelas redondezas. Ou quase isso. O sorriso daquele homem magérrimo não era estranho. Lembrava algum rosto familiar. Em sua vida privada, Lázaro escutava de um homem que tinha uma pequena banquinha de lanches próxima à Facs na Federação que Jesus tinha um plano para ele. Lázaro afirma que já tinha tentado se apegar a outras doutrinas: frequentou terreiros de candomblé, centros espíritas e diz que não achou o seu propósito em nenhuma dessas religiões.

Charlston foi fiador de um amigo que abriu uma Igreja em cima do antigo bar do Johnny, em 1998. Lázaro volta e meia aparecia nessa Igreja. Noutras vezes, ia para a Igreja da Pituba ouvir as pregações do pastor Rogério Dantas. Começou a cantar músicas gospel na Igreja e Charlston convidava Lázaro para cantar nos congressos e eventos que realizava Bahia afora. Foi assim que ele deu os primeiros passos para retomar a carreira. Gravava pequenas fitas cassete e vendia como permuta para cantar em igrejas pelo Estado. Charlston recorda que o acordo era simples: ele recebia o convite para tocar, pedia para o responsável pela Igreja se comprometer a ficar com 30% das fitas que tinha, e rumava no Ford Fiesta que conseguiu comprar.

Lázaro estava feliz com essa rotina, mas sempre ouvia que as pessoas paravam para escutar sua música e voz nas pregações. Então decidiu gravar um disco. Em 2000, lançou o álbum Deus É Fiel e não demorou muito para a carreira decolar. 

Já era Irmão Lázaro. A agenda tinha pouquíssimo espaço e demorava pouco tempo para fechar de 1 a 2 anos de shows e apresentações. Cresceu muito e chegou até a regravar I Miss Her numa versão gospel que quem é da Bahia já ouviu em algum lugar: Eu Sou de Jesus. Tinha uma relação muito íntima com redes sociais e falava com muitas pessoas - e, assim, começou a ter as primeiras portas abertas para a política.

Política Em 2008, já morava em Feira de Santana. Foi de lá que recebeu o primeiro convite para iniciar a carreira política. O então prefeito Zé Ronaldo (DEM) o convocou, mas não aceitou. Seis anos mais tarde, ele topou e lançou para Deputado Federal. Foi eleito como o terceiro mais votado da Bahia, com 161 mil votos. Era filiado ao Partido Social Cristão (PSC) e afirmava que defenderia a família tradicional e teria postura conservadora.

No seu primeiro cargo eletivo, chegou à câmara dos Deputados como o parlamentar mais influente nas redes sociais, com 8 milhões de seguidores distribuídos entre Twitter e Instagram. Hoje, Irmão Lázaro acumula oito milhões de seguidores (8.629.213) no Facebook; 1,2 milhão no Instagram e seus vídeos no YouTube já tiveram cerca de 300 milhões de visualizações.

"Ele era muito conhecido, a ascensão dele foi algo meteórico e não parou de crescer em nenhum dia. Era alguém que viajava muito, conhecia muitas pessoas e muitas pessoas o conheciam", afirma o Missionário Charlston, que foi seu amigo por quase 25 anos. O jeito de Irmão Lázaro era algo que contribuía para essa influência. Wanda Chase afirma que ele era um homem de jeito muito sedutor, alto astral, que prendia atenção de quem estava ao seu redor.

Se posicionava contra o aborto e, apesar de dizer que pessoas LGBTQIA+ precisavam ser acolhidas e respeitadas, dizia que aquilo não era normal e tinha nojo de ver beijos gays. Afirmava repetidamente que criava as filhas para serem mulheres e os filhos para serem homens, apesar de só ter filhas mulheres: Rafaela, Marta, Alice e Luna - as duas últimas fruto do casamento com Marivânia Souza, a última das três esposas que teve durante a vida. Rafaela deu a ele um neto, Antônio Lázaro, que tem 4 meses.

Marivânia e Lázaro estavam juntos desde 2009. Eles se conheceram alguns anos antes: o atual cunhado de Irmão Lázaro era um de seus backing vocals. A cerimônia aconteceu em Feira de Santana.

Segunda filha de Irmão Lázaro, Marta Silva afirmou que perdeu a pessoa mais importante de sua vida e descreveu o pai como a pessoa mais bondosa que já passou pela vida. Irmão Lázaro recebe um beijo da filha mais velha, Marta, em foto publicada por ela nas redes sociais (Foto: Acervo Pessoal) Durante a sua trajetória política, também se posicionou contra o aborto, o que chamava de ideologia de gênero e a educação sexual para crianças, além de ser a favor de projetos de criminalização das drogas. Ele mantinha um centro de recuperação de dependentes químicos desde 2011, chamado Casa Terapêutica Sentimento Novo - localizada na Estrada de Oliveira dos Campinhos, no município de Santo Amaro.

O tempo no PSC o aproximou do presidente Jair Bolsonaro, que foi a público lamentar a morte de Irmão Lázaro. O sucesso na Câmara fez com que tentasse uma vaga no Senado pela Bahia, mas foi derrotado por Jaques Wagner (PT) e Ângelo Coronel (PSD), em 2018. Dois anos mais tarde e se lançou com sucesso para Vereador de Salvador já pelo Partido Liberal e conseguiu uma vaga na Câmara.

Coronavírus Durante a pandemia, Irmão Lázaro fez uma série de lives em seu Instagram e seguia com suas pregações - além da atividade parlamentar. Circularam boatos de que ele afirmou que só pegaria covid-19 "quem era do diabo", durante uma pregação em Feira de Santana. A família rechaça o boato.

O vereador começou a apresentar sintomas da doença no início de fevereiro, até ser internado em UTI no dia 25 de fevereiro. Era aguardada uma transferência para o Hospital Aliança, em Salvador, que não aconteceu. Irmão Lázaro passou os seus últimos dias na  na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Matheus, em Feira de Santana. 

Faleceu aos 54 anos por complicações geradas pelo coronavírus. O sepultamento aconteceu no cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, na tarde do último sábado (20) e teve apenas a presença de familiares e amigos próximos. O Prefeito Bruno Reis compareceu à cerimônia.

Lázaro é um nome de origem hebraica, e significa "Deus ajudou". As pregações de Irmão Lázaro deixaram a impressão de que ele fazia jus ao próprio nome. Em Terra, deixou o legado de uma história complexa, contraditória e às vezes até polêmica - tudo isso sob o véu de um sorriso e voz que cativavam as pessoas. Seja como Negrume ou Irmão. Com um ou dois 'Z'.