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Gabriel Galo
Publicado em 9 de dezembro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
É assim a impermanência da vida. Disse, lá no quando o calendário ainda era BC, Heráclito de Éfeso, o pai da dialética: “a única constante é a mudança”. Ou seja, o que hoje é, amanhã sei lá, entende? Ou não.>
Nesta pegada, na largada de 2019, as quadradas mesas redondas se apressavam em apontar o Cruzeiro, então atual bicampeão consecutivo da Copa do Brasil, como time a ser batido. Não era para menos. Estrelas no elenco, contratações bombásticas, títulos recentes, um técnico badalado, estádio de Copa do Mundo como casa... O que poderia dar errado?>
Ora, tudo. Especialmente porque nunca devemos desconfiar da incompetência de dirigentes esportivos. Esta é, pois, a permanência que derrota Heráclito.>
O Cruzeiro, nos últimos anos, se tornou agente de tenebrosas transações. Condenado frequentemente na Fifa por comprar e não pagar, inflou a folha de pagamentos a uma das mais altas do país. Fez do endividamento galopante a fonte de investimento para os bons resultados recentes, comprometendo grossas partes de receitas futuras.>
Só que esta fórmula tem prazo de validade. Quando os efeitos nocivos destas operações tomam conta, varrem ao abismo as instituições que topam vender a alma ao atraso. Ainda mais quando se consideram outros aspectos que, somados, conseguiram alçar o time de Tostão e Dirceu Lopes a um dos mais odiados do país.>
O plano de sócios do Cruzeiro é dos mais limitantes em termos de participação da torcida. Não há direitos, senão, alguns descontinhos aqui e ali, em ingressos e lojas. É a lógica do torcedor-consumidor, nada a mais do que isso. Sua participação, portanto, é tão interessante quanto sua capacidade financeira. Num ano de decepções, terminou com números insignificantes.>
A rotatividade de técnicos também foi a tônica. Quatro técnicos reconhecidos estiveram com as pranchetas em mãos: Mano Menezes, Rogério Ceni, Abel Braga e Adilson Batista. Este último, num troca-troca trapalhão que obteve o inglório aproveitamento de 0%.>
Acima de tudo, o corpo diretivo do clube mineiro virou antro de propagação de escândalos de corrupção e outros crimes mais. A gestão Itair Machado manteve-se envolta em sucessivos casos não republicanos. Demitido em outubro, quem voltou para tentar salvar o clube foi Zezé Perrella, notório dirigente e ex-Senador, e que também carrega consigo uma longa ficha corrida e uma língua imparável.>
Numa reta final em que a tranquilidade deveria ser a premissa para evitar um rebaixamento cada vez mais inevitável, Zezé atirou ainda mais gasolina no fogo. Exalou impropérios e afirmações esdrúxulas que colocou o Cruzeiro como inimigo número 1 da nação boleira do país.>
Num macro-cenário em que colocar-se como vítima das circunstâncias é tentador demais, indo para a batalha contra os ‘outros’, as cenas deploráveis pós-rebaixamento são o fechamento ideal para ilustrar a impossibilidade de lidar com a derrota. O que mais fere o ego dos torcedores é que não resta dúvidas de que o time fez por onde e mereceu a queda.>
No fim, uma lição: nada é bom o suficiente para superar sem traumas a interferência destrutiva de dirigentes de futebol.>
Gabriel Galo é escritor>