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Fernanda Santana
Publicado em 7 de dezembro de 2019 às 09:19
- Atualizado há 2 anos
O corpo de José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, chegou, na madrugada deste sábado (7), à cidade de Mulungu do Morro, na região da Chapada Diamantina. O enterro do criminoso considerado a maior carta do "Baralho do Crime" da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) será nesta tarde. A região teve festas canceladas e a segurança foi reforçada após ameças de ataques de traficantes.
Apontado como líder da facção Bonde do Maluco (BDM), o então bandido mais procurado do estado, foi morto na última quarta-feira (4), em uma área rural do estado do Mato Grosso do Sul, onde vivia em condição de foragido, após ter seu esconderijo descoberto pelos policiais. Chácara onde Zé de Lessa foi morto, junto com mais quatro comparsas, no Mato Grosso do Sul (Divulgação) O corpo foi trazido de avião até Salvador, segundo o coordenador regional de Polícia Civil de Seabra, Marcus Araújo, e depois seguiu, por estrada, até Mulungu. Zé de Lessa nasceu num povoado conhecido como Recife, em Carfanaum, também na região da Chapada. Desde a morte do criminoso, pelo menos oito festas foram canceladas, depois que áudios supostamente gravados por comparsas serem transmitidos. Líder do BDM, José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, nasceu em Carfanaum, cidade do centro-norte do estado (Foto: Reprodução) Nas gravações, eles ameaçam qualquer evento que desrespeite o enterro do “Veinho”, como era chamado. De acordo com Marcus, no entanto, nenhum barzinho ou comércio de Seabra deixou de funcionar depois das ameaças.“Ontem, a cidade estava normal. As festas foram canceladas por medo, mas temos um esquema especial na região”, explicou por telefone.Esquema de segurança Não haverá esquema especial de segurança para o enterro, exceto o que já está em curso desde os primeiros áudios vazados.
Coordenador da Polícia Civil de Irecê, responsável pela área onde acontecerá o enterro, Almir Fernandes afirmou que há companhias de polícia especializadas na região.”“O que acontece é que já tem um esquema de reforço. Já tem um esquema normal envolvendo a PM, e toda a região no entorno. Mas esquema para enterro não terá”, frisou.Alerta Com a morte de Zé de Lessa, foi emitido um alerta pelo Serviço de Inteligência (SI) da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para que os agentes ficassem atentos a possíveis ataques do BDM em todo o estado.
A intenção é deixar os agentes em stand-by no final de semana, quando há uma redução do efetivo. “Não estamos falando de um bandido qualquer e, sim, do líder de uma das maiores facções do estado e que costumava agir com muita violência”, disse uma fonte da SSP ao CORREIO e que preferiu não revelar o nome. Uma das ações recentes da facção resultou na morte de uma pessoa e outras duas feridas em São João do Cabrito.
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Zé de Lessa foi morto num confronto na manhã de quarta-feira (4) pela polícia, no estado do Mato Grosso do Sul, e era o Ás de Ouros do Baralho do Crime da SSP, um arquivo que reúne os principais criminosos do estado. Ele tinha envolvimento com ataques a bancos, assaltos a carros-fortes, sequestro e tráfico de drogas. Zé de Lessa estava escondido no Paraguai. Em 2018, ele conseguiu fugir de uma caçada policial.
Procurada, a assessoria de comunicação da SSP negou o alerta e informou que o policiamento no estado não será reforçado. Apesar disso, a fonte disse ao CORREIO que a possível represália do BDM foi o principal assunto de uma reunião que aconteceu na tarde desta sexta-feira (6) com agentes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A reunião acontece, habitualmente, todas as sextas para discutir as ações no final de semana com assuntos de repercussão, como chacinas, crimes sexuais e casos de repercussão.
“A nossa preocupação é com a taxa de homicídios que pode subir por causa dos seus soldados e com outras ações de costume da facção como ataques a ônibus, bloqueio de pistas e explosões de instituições financeiras”, disse a fonte ao CORREIO.
A fonte contou ainda que um dos pontos da reunião é saber quem será o sucessor de Zé de Lessa. “Ainda não há um nome forte, alguém do grupo que esteja em evidência, que seja conhecimento do departamento (DHPP). Por isso vamos nos reunir para cruzar as informações de cada área de atuação nossa e mapear os nomes que podem chegar à liderança da facção”, declarou a fonte.
O outro assunto é a ação dos rivais. Com a morte de Zé Lessa, a estrutura da facção tende a declinar. “O que a gente sabe é que tudo passava por ele. Era um centralizador. Agora, a tendência é um ataque dos rivais, o que é óbvio. Atualmente, o maior rival é o CP [a facção Comando da Paz] e vai procurar o lugar mais vulnerável. Mas tem lugares que são impossíveis, como na Mata Escura, pois os soldados de lá estão bem armados”, explicou a fonte.
A morte do líder da BDM Centenas de homicídios e tentativas do mesmo crime, extorsão mediante sequestro, roubos a bancos, carros-fortes e transportadora de valores, tráfico de drogas, armas e munições, associação ao tráfico, falsidade ideológica e corrupção de menores.
Por esses crimes e pela violência que empregava à frente da facção Bonde do Maluco (BDM), cuja base é em Salvador e Região Metropolitana, com ramificações no interior do estado, o baiano José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, era considerado pelas autoridades públicas como o maior criminoso em atuação na Bahia. (Foto: Divulgação) Há um ano que Zé de Lessa estava numa chácara numa área de fronteira com o Paraguai muito frequentada por traficantes, entre as cidades de Aral Moreira e Coronel Sapucaia, no sul do Mato Grosso do Sul.
Os policiais chegaram até o local após Zé de Lessa e seu bando tentarem explodir um carro-forte da empresa Brink’s na manhã de segunda-feira (2).
O crime foi realizado na rodovia MS-156, entre as cidades de Caarapó e Amambai, mas os bandidos fugiram sem levar nada porque os explosivos não foram capazes de abrir a porta do veículo blindado. A polícia suspeita que tenha havido alguma falha durante a explosão.
De acordo com a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Zé de Lessa e seu bando, em 2017, já tinham cometido o mesmo crime e contra a mesma empresa. Não foi informado se naquela ocasião alguma quantia foi levada.
Desta vez, não demorou nem 24 horas para o esconderijo de Zé de Lessa ser localizado pela polícia, que desde terça-feira (3) já observava o local, aguardando o momento certo para entrar na chácara.
A propriedade rural pertencente a Alcindo Oliveira Coinete, funcionário público da Prefeitura de Coronel Sapucaia e que foi preso. Segundo a polícia, ele dava suporte logístico ao bando de Zé de Lessa e tem participação direta na tentativa de explosão ao carro-forte da Brink’, na segunda.
Muitos tiros Com mandados de busca e apreensão, a polícia invadiu a chácara nas primeiras horas da manhã e, segundo relata o delegado Fábio Peró, titular da Delegacia de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), eles foram recebidos a tiros.
“Foi muito tiro trocado”, ele disse. “Vieram tiros tanto dos criminosos que estavam na chácara quanto de traficantes do Paraguai, pois lá é divisa com o Brasil, muitos foragidos da Justiça ficam naquela região e também nos atacaram”.
A chácara tem estrutura simples, com paredes de bloco sem reboco, telhados de zinco na frente, de chão batido ao redor e próximo a ela há mais dois casebres de madeira. Dentro dela havia poucos móveis, todos simples, sem luxo algum.
Após a troca de tiros, Zé de Lessa foi encontrado com duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9 mm perto dele. Os outros bandidos não foram identificados.
Na casa morava também uma índia cujo nome a polícia não informou. Ela era mulher de Zé de Lessa e disse em depoimento que eles estavam na chácara há mais de um ano. A mulher, basicamente, era responsável por fazer a comida dos bandidos e cuidar da casa. Ela foi liberada após prestar depoimento.
Durante a troca de tiros, um bandido conseguiu fugir pelo matagal, mas acabou sendo localizado pelo Grupo de Patrulhamento Aéreo da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.
O bandido, também não identificado, estava com fuzis e uma metralhadora ponto 50, que, segundo a polícia, tem capacidade de perfurar carros-fortes e helicópteros. Segundo o delegado Fábio Peró, o criminoso foi perseguido tanto por via aérea quando por equipes que estavam em terra. “Quando nos aproximamos, fomos recebidos à bala e ele atirou inclusive no helicóptero”, disse.
Próximo ao local onde o bandido estava, a polícia encontrou diversas armas de grosso calibre, como dois fuzis 556, um fuzil AK46 calibre 762, duas escopetas calibre 12 e uma pistola 9 milímetros, além de farta munição para essas armas e coletes a prova de bala. O bandido morreu no local. O armamento, segundo a polícia, foi usado na ação criminosa de segunda-feira passada contra o carro-forte da Brink’s.
Repercussão O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, ao comentar a morte de Zé de Lessa, deu um “graças a Deus” pelo fato de a polícia do Mato Grosso do Sul ter tirado o bandido de circulação.“Estávamos há alguns anos trocando informações com a Polícia Federal e inclusive com a Polícia do Paraguai. Sabíamos que ele estava lá, trazendo droga para abastecer o BDM aqui no nosso estado e por algumas oportunidades nós tivemos quase próximos de pegá-lo”, declarou.“Graças a Deus, a polícia do Mato Grosso do Sul nessa ação conseguiu tirar ele de circulação", celebrou Barbosa, em áudio enviado ao CORREIO. O secretário está na Aústria, onde participa de viagem institucional para compra de novos armamentos.
Ele disse ainda que é um “alívio” saber da morte e que agora a polícia baiana vai verificar se há informações sobre a passagem de Zé da Lessa no MS que indique alguma nova criminalidade na Bahia.
“Para nós, é um alívio e agora é trabalhar em cima das informações que eles detém lá. Já pedimos para a inteligência [da SSP-BA] averiguar o que tinha com ele, quem estava andando com ele para ver se tem a informação de prática de outros crimes aqui no estado”, declarou.
Roubo de R$ 100 milhões Um dos maiores roubos a banco do Brasil foi comandado por Zé de Lessa. O crime ocorreu no dia 25 de novembro de 2018, em Bacaba, no Maranhão. Um grupo de 30 a 35 bandidos levou R$ 100 milhões do Banco do Brasil.
Na ação criminosa, morreram três bandidos, um deles Edielson Francisco Lumes, irmão de Zé de Lessa, atingido após sair de um veículo blindado e trocar tiros com a polícia.
Edielson, segundo a polícia, tinha a função de subchefe do grupo e repassava as ordens de Zé de Lessa à quadrilha.
Zé de Lessa era o Ás de ouro do Baralho do Crime da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, um arquivo que reúne os principais criminosos do estado. Ele começou na vida do crime fazendo assalto a instituições financeiras.
Foi preso algumas vezes e a última vez que saiu da prisão, em 2014, foi para terminar de cumprir a pena no regime domiciliar. De Coronel Sapucaia, enviava carregamentos de drogas para abastecer sua quadrilha na Bahia.
Ele criou o BDM dentro da cadeia e logo sua facção passou a ganhar destaque. Tornou-se o principal rival da facção Katiara, comandada por Roceirinho, e passou a disputar pontos de droga com o rival. Ele tem entre seus principias comparsas alguns parentes.
Ninguém sabe, ao certo, quando José Francisco Lumes virou Zé de Lessa. A alcunha, para o delegado Fábio Marques, da Polícia Federal, em entrevista ao CORREIO em dezembro do ano passado, pode estar ligada a um possível apelido do pai de Zé de Lessa - Idalécio, o genitor, seria o Lessa.
“Geralmente, o apelido é relacionado ao pai, principalmente com o pessoal do interior”, declarou o delegado, que investiga o BDM. Um exemplo desse tipo de apelido, segundo ele, é o de Paulo de Magnólia, alcunha de Paulo Pereira Amorim, preso em 2015 e acusado de assalto a banco em quatro estados.
Em 2015, o delegado Jorge Figueiredo chegou a dizer que ele era o maior assaltante de bancos e carros-fortes da Bahia.
Mas seus cinco processos encontrados pelo CORREIO no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), todavia, são relacionados ao tráfico de drogas. Nos processos, a quadrilha comandada por ele é descrita como de “extrema periculosidade”.
Por tráfico, Zé de Lessa foi preso provisoriamente em 28 de março de 2001, na Penitenciária Lemos de Brito (PLB). Em janeiro de 2002, foi condenado a cinco anos de prisão pela 1ª Vara de Tóxicos.
Em 2005, teve progressão de pena para o regime semiaberto, mas já em fevereiro daquele ano, fugiu da prisão. Meses depois, em outubro, foi preso em flagrante.
Passou pela Unidade Especial Disciplinar (UED) e, mais tarde, pela mesma PLB. Em novembro de 2006, recebeu outra condenação – dessa vez, por porte de arma.
Foram anos de idas e vindas entre as unidades prisionais da Região Metropolitana (RMS), com notícia de faltas disciplinares enquanto estava na UED. Em 2013 e em 2014, de acordo com o Ministério Público do Estado (MP-BA), foram encontrados, no presídio, materiais ilícitos atribuídos a ele: eram dispositivos de comunicação, como chips e telefones celulares.
Naquele mesmo ano de 2014, Zé de Lessa sofreu uma tentativa de homicídio na prisão. “Ele sofreu várias pauladas. Vários presos tentaram matá-lo lá dentro, exatamente porque tinha essa questão de liderança dele, pela representatividade”, lembrou ao CORREIO, em 2018, o promotor Pedro Araújo Castro, titular da 2ª Vara de Execuções Penais desde 2013.
É justamente em 2014 que ocorre o episódio mais controverso da trajetória de Zé de Lessa com a Justiça: em 15 de julho daquele ano, o desembargador Aliomar Silva Britto autorizou que ele tivesse prisão convertida em prisão domiciliar.
Na decisão, o desembargador cita que a defesa do então detento explica que Zé de Lessa estava com “uma doença degenerativa, necessitando urgentemente de realizar uma cirurgia, sob pena do seu membro superior esquerdo, o qual se encontra atrofiado, ficar com degradação irreversível”.
Pelo estado de saúde dele, o advogado Paulo César Pires alegou que havia necessidade de tratamento urgente para solução da enfermidade.
Com base em princípios como da dignidade humana, o desembargador afirma que o requerimento para realizar uma cirurgia vem sido feito “há muito tempo” e não havia nenhuma solução até o momento.
Ele conclui que o presídio não tinha as condições necessárias para prestar assistência ao estado de Zé de Lessa e que não seria “de bom alvitre” que um paciente com quadro de saúde grave ficasse a mercê da própria sorte.
Mesmo tendo decidido em favor da defesa, o desembargador avisa que não se deve “descuidar do alto grau de periculosidade” do preso. Zé de Lessa saiu e não voltou mais.
Questionado se notou algum problema numa das mãos de Zé de Lessa, o delegado Fábio Peró, que comandou a ação que culminou na more do criminoso, disse não ter notado nada de anormal. E ao que parece, Zé de Lessa atirava com as duas mãos.