Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Mario Bitencourt
Publicado em 22 de dezembro de 2017 às 02:00
- Atualizado há 2 anos
A construção da barragem de rejeitos da Bahia Mineração (Bamin), empresa pertencente ao Eurasian Resources Group, do Cazaquistão, localizada em Caetité, no sudoeste baiano, virou alvo de contestação por parte de comunidades rurais e do Ministério Público da Bahia (MP-BA), que, devido a problemas ambientais e omissões, fez uma série de recomendações à empresa.
O estudo de impacto ambiental para a obra da barragem, parte da estrutura da Mina de Pedra de Ferro da Bamin na região, omitiu comunidades onde moram cerca de 2 mil famílias que serão afetadas pelo empreendimento, aponta a promotora Luciana Khoury, coordenadora do Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco.
A barragem está prevista para ser construída numa Área de Preservação Permanente (APP) onde está o Riacho da Pedra de Ferro, utilizado por comunidades rurais. A Bamin recebeu autorização da Secretaria estadual do Meio Ambiente (Sema) para retirada de vegetação numa área de 688 hectares (cada hectare é equivalente a um campo de futebol), onde estão nascentes do riacho. No último dia 3 de outubro, Luciana Khoury emitiu recomendação à Bamin na qual afirma que “os estudos de impacto ambiental foram omissos quanto ao diagnóstico ambiental e seus impactos nos meios físico, biótico e socioeconômico”, e que a empresa “não levou em conta riscos associados à sua implantação sobre as comunidades direta e indiretamente atingidas”.
Para a promotora, há “necessidade de realização de Estudo de Impacto Ambiental para que se possa determinar com segurança o grau de interferência da atividade em pauta no meio ambiente, assim como as medidas reparatórias e mitigadoras que deverão ser adotadas caso seja instalado o empreendimento da forma pleiteada”.
No documento, a promotora recomenda ainda que a Bamin não realize “supressão, mantendo intacta a vegetação nativa em toda a extensão da APP do Riacho Pedra de Ferro, onde recai a proposta de implantação da barragem de rejeito”, e que altere “a localização da barragem de rejeito da pilha de estéril [rocha sem minério] e demais instalações que afetem as comunidades locais”. Riacho onde a Bamin já implantou delimitações relacionadas a projeto (Foto: CTB/Divulgação) Complementos O MP-BA recomenda ainda a realização de estudos complementares de impacto ambiental da obra por parte da Bamin, algo que já tinha sido solicitado à empresa em 2009, na época dos estudos, pela Sema, porém, as recomendações ficaram depois como condicionantes para a realização do empreendimento, mas nada foi feito.
Um relatório do final do ano passado da Secretaria de Meio Ambiente de Caetité aponta que os estudos de impacto ambiental da barragem de rejeitos sempre foram alvo de contestação por parte das comunidades locais, as quais se dizem ignoradas pela Bamin.
A Prefeitura de Caetité diz que a Bamin, no Relatório de Impacto Ambiental (Rima), afirma que serão impactados diretamente pelo empreendimento povoados de Guiripá e Brejinho das Ametistas, destacando as comunidades de Cana Brava, Açoita Cavalo, Açoita Cavalo II, Fazenda da Mata, Fazenda da Mata de Baixo, Rio da Faca, Rio da Faca de Cima, Fazenda das Flores, João Barroca e Brejo.“Porém, existem localidades que serão afetadas diretamente com a implementação da mina e que não são destacadas neste documento, entre elas Araticum, Casa da Roda, Olho D’água dos Pires, Rancho do Meio, Baixa Preta, Barra dos Crioulos, Barriguda, Cachoeira de Baixo, Pedro Antônio, Novo Horizonte, Cachoeira de Cima, Pau Ferro, Piripiri, Poço Cumprido, Rega Pé e Tabuas”, cita a prefeitura.Famílias removidas E mesmo que a obra não tenha sido iniciada, as comunidades locais vêm passando por remoções de áreas. Entre novembro de 2008 e outubro de 2009, a Bamin fez com que 52 pessoas de 18 famílias das comunidades de Açoita Cavalo II, na região de Brejinho das Ametistas, se deslocassem para uma área suburbana em Guiripá.
Uma das famílias removidas foi a de dona Maria Cleide da Silva Souza, 42 anos, que saiu de casa com o marido e mais três filhos menores de idade. Em Guiripá, sem ter área para plantar, ela disse que teve de viver com R$ 110 que recebia por mês: R$ 60 de uma pastelaria e R$ 50 de serviços domésticos que realizava numa casa residencial.
Outra fonte de sustento era o Bolsa Família, por meio do qual ela recebe R$ 240 desde 2012. Já o marido, trabalha como descarregador de caminhões – recebe R$ 20 por cada serviço. Os filhos deles têm 13, 5 e 2 anos.
“A Bamin deu indenizações variadas para as famílias. Teve gente que ganhou R$ 30 mil, outros R$ 200 mil. Eu e meu marido recebemos R$ 50 mil e compramos uma casa, só que ficamos sem área para produzir, e aí em 2014 a Bamin cedeu uma área deles para a gente plantar, na Fazenda Lapa, a 4 km de Guiripá”, conta ela.
Pouca água Mas, segundo Maria Cleide, a área da fazenda, dividida em 4 hectares para cada família, não dá para produzir muito porque no poço artesiano cabe apenas 10 mil litros de água.“A gente tem de revezar no uso da água. Eu mesmo, só consegui produzir alho até o momento, e comecei a plantar cebola, mas não sei se vai dar certo”, avaliou ela.O caso está sendo acompanhado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na Bahia, cujo coordenador estadual, Gilmar Santos, relatou que outras comunidades da região também estão passando por problemas semelhantes, com relação às obras de construção da Ferrovia de Interligação Oeste Leste (Fiol).
Outra obra Com aproximadamente 1.527 km de extensão, a Fiol ligará o futuro porto de Ilhéus, no litoral Sul, a Figueirópolis (em Tocantins), ponto em que se conectará com a Ferrovia Norte Sul.
Na Bahia, as obras da Fiol são divididas em Fiol 1 (Ilhéus/Caetité) e Fiol 2 (Caetité/Barreiras), as quais estão orçadas em R$ 6,4 bilhões. A obra visa o escoamento de produtos diversos, como os grãos produzidos pelo agronegócio no Oeste baiano e o minério, como o ferro da Bamin.
Fotos cedidas pela CPT mostram casas da zona rural de Caetité rachadas, supostamente, por causa das obras da Fiol. Uma delas chegou a ser atingida em 23 de agosto de 2013 por um pedregulho de cerca de 300 kg que atravessou a parede e ficou na sala da casa, situada a cerca de 100 metros das obras da Fiol.“Na hora, não tinha ninguém em casa. Disseram que iam fazer as explosões e mandaram a gente sair. A casa tinha dez meses de construída. Eles tinham feito uma pequena reforma antes, já por causa das rachaduras. Depois a pedra caiu e está aqui até hoje”, disse o dono da casa, o lavrador Elicarlos Ferreira da Silva, 38. O lavrador Elicarlos com o pedregulho de 300 kg que, literalmente, voou de obra da Fiol e invadiu sua casa (Foto: Divulgação/CTB) Silva informou que entrou com ação na Justiça contra a Valec, empresa do Governo Federal responsável pelas obras da Fiol, pedindo indenização de R$ 150 mil para construir outra casa. Outras pessoas que também se sentem lesadas entraram com processo na Justiça para pedir indenização por causa das rachaduras nos imóveis.
“Estamos esperando providências da Fiol e da Bamin com relação a essas casas, mas não nos deram respostas. As famílias estão tendo de sair das casas sem receber indenizações e morar de favor”, afirmou Gilmar Santos, da CPT-BA. Moradores de comunidades rurais de Caetité criticam obra da Fiol e pedem diálogo (Foto: CTB/Divulgação) Outro lado A Valec, em nota enviada ao CORREIO, admitiu que “durante algumas detonações para desmonte de rocha em cortes, ocorreram danos em algumas casas próximas aos locais de detonação” e informou que logo após isso houve reunião de conciliação entre a empresa e a comunidade local, intermediada pelo Ministério Público Federal (MPF).
“Houve acordo para a construtora reparar os danos diretos, além do compromisso de mitigar futuros prejuízos e impactos nas casas e aos moradores. Contudo, a construtora responsável por sanar os danos não executou os reparos de imediato”, informou a Valec.
Ainda segundo a estatal, “recentemente, a construtora procurou a comunidade para realizá-los, mas foi informada de que os representantes jurídicos da comunidade orientaram para que nada fosse executado, uma vez que já havia uma ação judicial de reparação dos danos materiais e dos danos morais.”
“Sendo assim, quanto aos demais questionamentos (indenizações, valores pagos, etc), informamos que não temos comprovação de que a construtora tenha feito ações nesse sentido. Aguardamos o trâmite da ação judicial movida pela comunidade”, finaliza a nota. A Bamin não respondeu aos pedidos de informação.