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Conheça Patrícia Braille, baiana que criou o #PraCegoVer e revolucionou a acessibilidade

Professora de Marechal Rondon celebra sucesso de audiodescrição que tem adesão até do Google; veja a forma certa de descrever imagens nas redes sociais

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  • Da Redação

Publicado em 27 de outubro de 2019 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O batuque riscado das bengalas pelo corredor do Colégio Iceia, no Barbalho, costumava desviar a atenção da aluna do magistério Patrícia Silva de Jesus, em 1996. Entre uma olhada e outra ao quadro-negro, seguida de alguma anotação apressada no caderno, a moça tentava imaginar como era a vida dos colegas que percutiam o chão enquanto caminhavam no escuro. 

Certo dia, para matar a curiosidade, cruzou o corredor e entrou na chamada sala de recurso, onde os cerca de dez estudantes com deficiência visual da unidade tinham apoio pedagógico. Empolgada com os novos e fascinantes amigos, que nem ao menos sabiam como era seu rosto, Patrícia meteu a cara nos livros e aprendeu sozinha a ler em braille.

Embora a linguagem analógica tenha mudado sua vida dali por diante, foi no ambiente digital, já como professora, que se tornou uma personagem muito importante para aqueles que não enxergam. Em 2012, já ‘rebatizada’ Patrícia Braille, criou o #PraCegoVer, hashtag que tornou as redes sociais um ambiente mais acessível e já foi indicada até a prêmio fora do país, onde também já começou a ser utilizada (ver abaixo).

Para surpresa da pró que vive em Marechal Rondon, periferia de Salvador, a ideia teve adesão de gigantes como Google e Coca-Cola, além de páginas de governos, que tiveram leis criadas ou modificadas em favor da inclusão. #PraCegoVer: Fotografia. Encostada em parede amarela, à direita de uma porta azul, está Patrícia Braille, vista da cabeça até a cintura. Ela usa uma blusa cinza, sem mangas e com decote em vê. Está de braços cruzados, tem os cabelos castanhos até os ombros e sorri tranquilamente, usando batom bordô (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ideia Mas o que fez a pró ‘vidente’ enxergar seu futuro ligado à ausência de visão? “Tenho muitos amigos e ex-alunos cegos, então não me permitia postar sem descrever as imagens. Contudo, não tinha que ser algo apenas meu. Eu precisava convencer outras pessoas sobre essa necessidade”, relembra Patrícia, 39 anos, que lançou a hashtag num 4 de janeiro, data de nascimento de Louis Braille, para ser um marco do projeto visionário.“Eu pretendia sensibilizar apenas meus amigos, mas quando percebi, estava promovendo uma revolução na maneira como grandes e pequenas marcas se relacionam com seu público. Até hoje me emociono ao me ver parte disso”, comenta a pró, que já viajou o país dando palestras e consultorias sobre acessibilidade digital.Formada em Letras pela Ucsal e especialista em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva pela Uneb, Patrícia teve como balão de ensaio do projeto um antigo blog pessoal -- o Patricitudes, lido principalmente por amigos cegos --, no qual publicava fotos descritas. “Me veio uma inquietação: preciso conquistar mais pessoas. Não basta ser apenas eu escrevendo para amigos. Tem que ser mais”, relembra ela sobre a transferência da descrição para as redes sociais, com o advento da hashtag.  #PraCegoVer: Fotografia tirada do alto. Sorrindo, olhando para a câmera, Patrícia Braille segura uma máquina de datilografia Braille (Foto: Marina Silva/CORREIO) Tal qual a roda, a invenção do #PraCegoVer é tão simples como importante. Quem garante é a técnica judiciária do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-5) Ângela Lima, 38, que foi, lá nos anos 90, uma das novas amigas de Patrícia no Iceia. Cega desde bebê, por conta de um glaucoma, ela explica como ocorre a aplicação prática da hashtag.

“Aquelas fotos que eram publicadas sozinhas passaram a vir acompanhadas de um texto com o que contém na imagem. Isso pra nós cegos, que utilizamos as redes sociais, é muito importante. As imagens que eram acessíveis só aos que enxergam, passaram a ser acessíveis também para nós”, resume Ângela, antes de defender o uso do recurso por instituições públicas e privadas.

Adesão Isso, aliás, já vem acontecendo de forma gradativa. No final do mês passado completaram dois anos que o Google Brasil aderiu oficialmente ao #PraCegoVer, lançando inclusive um vídeo institucional sobre o assunto. E nem precisa pesquisar no Google pra saber que a medida é importante. 

Segundo o IBGE, são 33.989 cidadãos totalmente cegos na Bahia (0,24% da população) e 476.059 pessoas – quase uma Feira de Santana, que tem 495 mil habitantes – com grande dificuldade de enxergar (3,40% têm baixa visão).

Mas além de beneficiar os deficientes visuais, o #PraCegoVer também ajuda pessoas com dislexia, deficiência intelectual ou déficit de atenção a compreender certas imagens.

Ao enxergar a importância social do projeto, muitos governos começaram a aderir ao movimento. No ano passado, foi aprovada em Fortaleza (CE) a Lei nº 10.668, que prevê que as publicações feitas pela Prefeitura e Câmara locais devem trazer a hashtag.

No início desse ano, o prefeito ACM Neto sancionou a Lei 9.436, modificando norma antiga e tornando obrigatória o #PraCegoVer nas redes sociais da Prefeitura, órgãos e Câmara Municipal. As redes sociais do governo da Bahia, além do Senado e governo de São Paulo, só pra citar alguns exemplos, também aderiram, e há centenas de outros casos Bahia e Brasil afora.

Entre as grandes marcas, além de Google e Coca-Cola, empresas nacionais e internacionais também já estão na onda de Patrícia Braille, entre elas, Avon, Nestlé, Petrobras, Revlon, Bradesco, Samsung, Phillips, entre muitos outros.

“Quando percebi, estava promovendo uma revolução na maneira como as grandes e pequenas marcas se relacionam com seu público. Até hoje me emociono ao me ver parte disso”, diz Patrícia, que chegou a ser convidada pela multinacional Shell para pensar numa forma de espalhar a ideia pela América Latina. 

Hashtag começa a ganhar o mundo E se a Shell já planeja espalhar a ideia por onde distribui petróleo, a hashtag também tem começado a invadir outras praias. O método de áudio-descrição já está sendo usado em Portugal, mas com uma ligeira ‘tradução’. “Lá é #ParaOsCegosVerem. Eles acharam uma imoralidade falar ‘pra’”, observa Patrícia, achando graça do purismo.

A professora e consultora baiana vem monitorando periodicamente o uso da ferramenta, já feito também em inglês (#ForBlindToSee) e alemão (#SelbstBlindeSehen). 

“Quando a Shell entrou em contato comigo para levar o projeto para outros países da América Latina, eu propus #ParaQueElCiegoVea ou #PaQueCiegoVea”, comenta Patrícia sobre o projeto que ainda não deslanchou.

Em 2017, o #PraCegoVer quase recebeu uma premiação internacional da Unesco. O projeto foi indicado, através de uma carta de apoio do Itamaraty, para concorrer ao UNESCO King Hamad Bin Isa Al-Khalifa Prize, que premia projetos pelo uso criativo da informação e tecnologias de comunicação para aprimorar o aprendizado, o ensino e o desempenho geral da educação. “Só de ser indicada já foi um prêmio”, afirma a pró, alegre pelo reconhecimento.

Mas, certamente, não há recompensa maior que o agradecimento de quem foi beneficiado, como o jornalista e estudante de produção cultural Ednilson Sacramento, 56. Ele começou a perder a visão depois dos 30 anos, por conta de uma retinose pigmentar, e hoje, completamente cego, comemora a visibilidade que o #PraCegoVer ganhou.“Sem sombra de dúvidas, o advento da hashtag acendeu uma zona que estava em silêncio na área da comunicação”, destaca Ednilson, que conheceu Patrícia quando ela trabalhava no setor de braille da Biblioteca Pública dos Barris.“Recebia dela muitas informações e orientações sobre diversos assuntos que diziam respeito à inclusão da pessoa com deficiência visual, sobretudo na época que eu estava perdendo a visão”, lembrou ele, que concedeu à professora título honorário de “embaixatriz da inclusão da pessoa cega no mundo cultural”. Por essa o Itamaraty não esperava.

***

Veja passo-a-passo de como descrever imagens do #PraCegoVer Coloque a hashtag #PraCegoVer. Anuncie o tipo de imagem: fotografia, cartum, tirinha, ilustração... Comece a descrever da esquerda para a direita, de cima para baixo. [Essa é a ordem natural de escrita e leitura ocidental. Mude se achar que é necessário]. Informe as cores: Fotografia em tons de cinza, em tons de sépia, em branco e preto. Se a foto for colorida, não precisa informar. Você já vai citar as cores dos elementos da imagem. Descreva todos os elementos de um determinado ponto da foto e só depois passe para o próximo, criando uma sequência lógica. Descreva com períodos curtos. Se dá para informar com três palavras, não precisa usar cinco. Comece pelos elementos menos importantes, contextualizando a cena, e depois afunile até chegar ao clímax, ou seja, o ponto chave da imagem. Evite abreviações e preste atenção se a pontuação está correta. Evite adjetivos. Se algo é lindo, feio, agradável a pessoa com deficiência é quem vai decidir, a partir da descrição feita. ***

CORREIO usará #PraCegoVer em redes sociais Depois deste Correio24h passar a disponibilizar a ferramenta Audima, que converte os conteúdos escritos do site em áudio, com locução natural, melhorando o acesso para pessoas com deficiência visual ou dificuldade de leitura, o CORREIO dá, a partir deste domingo (27), mais um passo para tornar o veículo ainda mais inclusivo, com a adesão do #PraCegoVer em nossas redes sociais. #PraCegoVer: Fotografia. Num salão de paredes azuis que tem uma projeção de slide do #PraCegoVer num telão, duas fileiras de pessoas, todas de pé, estão com vendas nos olhos. Ao centro, Patrícia Braille, que comanda a atividade, sorri enquanto posiciona um dos participantes (Foto: Wladmir Pinheiro/CORREIO) Esta semana, parte da redação participou de um curso com a própria Patrícia Braille, no auditório da Rede Bahia, para conhecer a história do projeto e saber como fazer, da melhor forma, a descrição de imagens para produtos editoriais digitais e redes sociais.

“O Facebook e o Instagram são as redes sociais mais usadas no Brasil atualmente. E embora tenham probleminhas de acessibilidade, é perfeitamente possível criar conteúdo acessível nessas plataformas”, afirmou Patrícia, que também mostrou como funciona a linguagem braille e promoveu dinâmicas de grupo para demonstrar as dificuldades enfrentadas, no dia a dia, por um deficiente visual.

As ações começam pelo Instagram e serão estendidas às demais plataformas assim que toda a equipe que utiliza as redes sociais estiver devidamente capacitada.