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Do Estúdio
Publicado em 23 de maio de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Democratizar a produção artística, descentralizar a distribuição de recursos, promover a diversidade cultural e se aproximar de agentes culturais comunitários se tornaram objetivos presentes no trabalho da Fundação Gregório de Mattos, em Salvador. A possibilidade de expandir essas produções e fomentar o fazer artístico na capital deram origem ao programa Arte em Toda Parte, que prevê uma série de editais, abrangendo desde projetos de economia criativa à iniciativas comunitárias, sempre com oficinas gratuitas de orientação para elaboração das propostas. O programa desenvolveu entre 2013 e 2018 cerca de 260 projetos, com mais de R$17 milhões aplicados, contemplou mais de 6 mil profissionais da área cultural e dinamizou os mais diversos espaços da cidade. Fábrica de Musicais é um dos editais que integram o programa. Lançado em 2018, traz como proposta a formação de um Núcleo de Produção de Teatro Musical no Teatro Gregório de Mattos, Centro de Salvador, que fosse capaz de traduzir a identidade cultural soteropolitana, valorizando as vertentes cênicas e musicais predominantes na cidade. O projeto contemplado precisava ocupar toda a estrutura do TGM durante sete meses, promovendo oficinas, bate-papos e ensaios. A primeira proposta selecionada foi inscrita pelo Coletivo 4 e trouxe o diretor João Falcão para a montagem do espetáculo “Sonho de Uma Noite de Verão na Bahia”, uma adaptação do clássico de Shakespeare que coloca o Carnaval da Bahia como um cenário de encontros e desencontros amorosos. Marília Castro é atriz, produtora e integrante do primeiro coletivo contemplado pela proposta. Ela, que vê em Salvador muita matéria-prima para um bom musical, acredita que limitações técnicas impediam uma produção eficiente, situação que ganha nova página a partir do lançamento do Fábrica de Musicais. “Temos artistas bons e somos uma cidade musical. Faltava o acabamento técnico, não só de especialização dos artistas, mas equipamentos, tudo o que envolve os grandes musicais”, analisa. Castro vê o resultado do edital como algo que vai reverberar no futuro da cidade e acredita que a montagem do “Sonhos de Uma Noite de Verão na Bahia” vai dar um novo norte para as produções baianas futuras. Pintura Mainha de Todos Os Santos feito como parte do Programa Arte em Toda Parte - ANO III (Foto: Antônio Chequer) Como previsto no edital, o projeto promoveu uma agenda que ia além da produção do espetáculo: “Tivemos ganhos importantes. Oficinas, uma equipe técnica formada por microfonistas, técnicos de som, profissionais que se tornaram aptos a trabalhar em musicais. Muita gente foi treinada. Além do apoio técnico para os artistas, o grande ganho foi ter trazido toda essa dimensão do que é um musical. A partir desse projeto muita gente está capacitada em Salvador para atuar em musicais ou outras coisas”. Todo o trabalho se converteu em sucesso de público. O projeto levou uma lotação inédita para o Teatro Gregório de Mattos, com capacidade máxima em todas as 24 apresentações. Ainda este ano será lançado o Fábrica de Musicais - Ano II. Outro edital contemplado no programa é o Arte Todo Dia. Lançado em 2014, o objetivo é conceder apoio financeiro a eventos de arte e cultura de pequeno porte, realizados em Salvador ao longo do ano. O Gerente de Produção Cultural da FGM, Felipe Dias Rêgo, define três objetivos centrais deste edital: descentralizar, democratizar e pluralizar o acesso ao recurso público. A partir de uma análise de política cultural desenvolvida pela Fundação, criaram o Arte Todo Dia como uma possibilidade de inclusão de produções que estão iniciando no cenário cultural da cidade: “É um edital de acesso, de inclusão, que visa iniciativas de pequeno porte. O objetivo é profissionalizar artistas, produções e produtoras emergentes. Queremos incentivar a participação de grupos e coletivos culturais que estão iniciando a carreira”, explica Felipe. Isso foi determinante para definir quem poderia concorrer aos editais: pessoas físicas, Micro Empreendedores Individuais (MEIs) e empresas privadas sem fins lucrativos. A primeira edição contou com recursos de R$500 mil e viabilizou a realização de 28 propostas em 43 bairros. Resultado: impactou um público de mais de 13 mil pessoas. Nos anos posteriores os números seguiram positivos. Em 2017 foram financiados 30 projetos e um público de 373.792. Em 2018, 29 projetos financiados e 16.341 pessoas atendidas. Para 2019, as inscrições seguem abertas até o dia 24, através do site www.artetododia.salvador.ba.gov.br. A ideia é contemplar três projetos de cada uma das dez regiões administrativas de Salvador, dando continuidade ao conceito Bairro a Bairro: “A gente vem trabalhando um conceito buscando essa desterritorialização. Isso garante um acesso e um fomento maior a esses primeiros momentos de uma produção cultural”, defende Felipe. Baile Experimento realizado por meio do Edital Arte Todo Dia III (Foto: Irará) Gregórios completa a sequência do programa “Arte em Toda Parte”. Lançado no ano passado, o edital visa a seleção de projetos estruturantes inovadores, com foco em Artes Visuais, Circo, Dança, Música ou Teatro. Felipe Dias Rêgo conta que o que fundamenta o edital Gregórios é o caráter estruturante: “Buscamos dentro deste edital trabalhar um conceito que traga sustentabilidade para a cadeia produtiva da produção cultural, que possibilite financiar projetos, que movimente a produção, que trabalhem com intercâmbio, com formação, com circulação. Projetos que deixem legados para a cidade”. O exemplo está em um dos contemplados no Ano I, o Transformação. Trata-se de um projeto formativo de artistas transformistas, que estão tendo cursos continuados sobre Transformismo, como controle vocal e movimentação em palco. “É uma formação profunda para esses artistas, que vai culminar depois em um espetáculo. Não é um trabalho que passa apenas pela exibição de um resultado artístico. Isso já é válido, mas o processo que leva até essa chegada ao palco, ao público, o legado que isso deixa para o mercado, para nós é muito importante”, exemplifica Felipe sobre o caráter estruturante do edital, que no primeiro ano atingiu um público de 15 mil pessoas e financiou oito projetos. Para este ano, as inscrições seguem abertas até o dia 31 de maio, através do site www.gregorios.salvador.ba.gov.br. O fomento ao audiovisual também é pensado na Fundação. O projeto Salvador Filmes contemplará uma série de ações estratégicas para fomentar e dinamizar o setor na capital baiana, no intuito de torná-lo mais competitivo. Para isso, serão pensados o aprimoramento de conteúdos, produtos e serviços, estimulando as potencialidades do setor, promovendo cidadania cultural e buscando estruturar e potencializar políticas públicas para o audiovisual no município. As principais ações do projeto são a análise diagnóstica da situação do setor audiovisual, com base nos estudos já realizados nos últimos 4 anos, desenvolvimento e implantação de plataforma digital do audiovisual de Salvador que contemple todas as informações competitivas para o setor relativas a profissionais e fornecedores do audiovisual soteropolitano, projetos e conteúdos locais, núcleos criativos, editais e outras oportunidades de financiamento, espaços e projetos de formação profissional. Está previsto ainda no escopo do projeto a iniciativa de inserir a capital em Acordos, Protocolos, Redes Colaborativas e Associações de Film Commissions e Eventos nacionais e internacionais, além de garantir a assistência a cinco cineclubes que serão implantados pela FGM, dinamizar e operacionar o projeto Cinema na Praça, traçar um plano intersetorial visando a situar Salvador como destino privilegiado para a produção audiovisual, ocupar e operacionalizar o escritório do Projeto Salvador Filmes a ser estruturado pela FGM. O Salvador Filmes será desenvolvido, inicialmente, ao longo de 12 meses. A empresa do setor do audiovisual será selecionada por meio de um processo licitatório na modalidade técnica/preço, que ocupará escritório estruturado pela FGM em sua própria sede.
Gestão cultural O Programa Viva Cultura é outro edital que possibilita a produção artística na cidade. Trata-se de uma política de isenção fiscal, de fluxo contínuo, que segue aberto até o dia 31 de outubro através do site www.vivacultura.salvador.ba.gov.br. O programa de incentivo à cultura permite que contribuintes de IPTU e ISS possam ter isenção fiscal mediante patrocínio de projetos culturais. A partir disso, empresas e pessoas físicas podem se tornar patrocinadoras de projetos culturais aprovados pela lei. O Viva Cultura integra o Sistema Municipal de Cultura (SMC), instituído a partir da Lei 8.551/14, decretada em janeiro de 2014 pelo prefeito ACM Neto. O Sistema é um instrumento de articulação, gestão, fomento e promoção de políticas públicas, além de informação e formação na área cultural e nasce com o objetivo de promover o fortalecimento das ações de cultura, a democratização dos processos de decisão relacionados ao setor, além de cuidar da transparência e efetividade na aplicação dos recursos públicos na área. Assessora de Gestão Estratégica da Fundação Gregório de Mattos, Viviane Vergasta Ramos acredita que o Sistema atua na estruturação da cena de produção cultural da cidade, através do fomento às cadeias produtivas. “Fica possível a institucionalização da cultura a partir da participação social, dos programas de fomento e incentivo, das ações que fazem com que a cultura ocupe espaço de centralidade no programa de governo do município”, defende Viviane. Apresentação do grupo Pé de Circo por meio do Programa Arte em Toda Parte - Ano II (Foto: Divulgação) O SMC é composto pelo Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), que reúne representantes do poder público e da sociedade civil, assumindo as funções de articular, pactuar e deliberar sobre as políticas culturais de Salvador, discutindo e propondo ações de políticas públicas para a cultura na cidade. O Conselho tem o poder de, por exemplo, analisar editais públicos oferecidos pela Fundação Gregório de Mattos: “O projeto ‘Arte Todo Dia’ passou a dar o destaque aos territórios depois de uma avaliação feita em conjunto pelo Conselho e pela FGM. A gente se preocupa também em investigar o que está acontecendo na cidade, quem faz arte nos bairros” conta Etenoel Cruz, presidente do CMPC, que avalia o trabalho do conselho como mais uma ferramenta para a sociedade ganhar voz quando o assunto é cultura. “A educação cultural e a política pública cultural tem que ser de fato executada nesses locais. A gente acha, por exemplo, que os Carnavais de bairro tem que ter também os artistas daquela região. É uma pauta que queremos trabalhar com os organizadores da festa”, antecipa. A sociedade civil tem representação no conselho através de dez membros oriundos de segmentos culturais e dez de territórios de Salvador, que são eleitos para o cargo. Artes Visuais, Audiovisual, Circo, Culturas Identitárias e Inclusivas, Cultura Popular, Dança, Literatura, Música, Patrimônio Material e Imaterial, além de Teatro, são segmentos contemplados nas áreas da Cidade Baixa, Subúrbio e Ilhas, Liberdade/São Caetano, Centro/Brotas, Cabula/Tancredo Neves, Pau da Lima, Valéria, Cajazeiras, Barra/Pituba e Itapuã/Ipitanga, com cada categoria tendo um representante titular e um suplente. Os representantes do poder público foram indicados pelo prefeito ACM Neto, com diferentes secretarias e órgãos da gestão municipal, como a Secretaria de Cultura e Turismo, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Educação, entre outros. Os mandatos dos membros do Conselho duram dois anos.
Junto à Fundação Gregório de Mattos, o Conselho atua ainda na produção do Plano Municipal de Cultura (PMC). O projeto é um instrumento de gestão do Sistema em conformidade com a Lei 8.551/2014 e trata-se de uma ferramenta de planejamento e execução de políticas públicas de cultura por um período de dez anos, incluindo diretrizes, objetivos, metas, ações, prazos de execução e indicadores de resultados para o acompanhamento. Em 2017, foi elaborado o Diagnóstico do Desenvolvimento Cultural de Salvador - disponível no site da FGM - que fundamenta o processo de elaboração do Plano. Uma consultoria técnica especializada foi contratada em 2018 para dar continuidade ao trabalho. Em agosto foi concluída a Etapa 1 do Plano, uma análise da situação atual. Segunda edição do Salvador Mapping, que misturou arte e tecnologia na capital baiana por meio do Edital Gregórios (Foto: Camilo Lobo) O projeto conta com um calendário de ações que auxiliam no processo de construção, como as oficinas para elaboração de diretrizes, objetivos e metas do Plano de Cultura de Salvador, ocorridas entre setembro e outubro na Escola de Administração da UFBA. Outro evento que contou com a participação da Comissão foi a Palestra sobre Planos de Cultura, Execução e Monitoramento, ministrada por José Oliveira Júnior, da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte e pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural. Ainda em setembro, em uma audiência pública na Câmara Municipal de Vereadores, informações sobre o processo de construção do Plano foram apresentadas à sociedade. Concluída a fase de consulta com o Conselho entre janeiro e fevereiro deste ano, o documento seguiu para consulta pública e contribuições da sociedade em abril. 380 pessoas foram cadastradas com 586 contribuições - resultado possível graças às atuações da FGM, do CMPC e das Prefeituras-Bairro (PB). Cinco monitores percorreram as PB nos primeiros dias de abril, explicando o que o Plano, qual a sua importância, e tirando dúvidas da população. As contribuições recebidas vão passar por uma avaliação e selecionadas as que estiverem alinhadas às diretrizes e objetivos do Plano para serem incorporadas ao documento. O passo seguinte é o envio ao prefeito, e depois envio à Câmara de Vereadores para ser submetida à avaliação da Casa, emendas, nova consulta pública, votação, aprovação e posteriormente ser sancionado como lei.
Etenoel Cruz enxerga o Plano como uma grande ferramenta para se debruçar sobre a investigação da produção cultural e artística nos bairros de Salvador. Viviane Vergasta complementa essa visão e acredita que o documento influenciará não apenas na produção cultural da capital, mas na estruturação da política pública da cidade: “Ele promove a cidadania cultural, desenvolve a economia criativa e atua na valorização da produção simbólica da cultura e das suas transversalidades”.
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