Acesse sua conta

Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Recuperar senha

Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre

Alterar senha

Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.

Dados não encontrados!

Você ainda não é nosso assinante!

Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *

ASSINE

‘Como deixaram o ódio falar por eles?’, questiona testemunha de linchamento

Mulher intercedeu por Moïse e ainda tentou pedir ajuda a dois guardas municipais, sem sucesso

  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de fevereiro de 2022 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: João Gabriel Alves/Estadão Conteúdo

Moïse Mugenyi Kabag não teve a menor chance. Por mais que os acusados pela morte do congolês no último dia 24 de janeiro digam que queriam apenas dar um “corretivo” no jovem de 24 anos, quem viu de perto as imagens de vídeo que chocaram o Brasil garante, ele foi vítima de ódio e violência extrema. O fim de noite daquela segunda-feira tinha tudo para ser um momento de descontração para uma auxiliar de serviços gerais que passava pelo local tornou-se um pesadelo. Em meio à brisa amena e a temperatura que arrefeceu dos 31º à tarde para 28º por volta das 22 horas, ela levou os dois primos pequenos para beber refrigerante na barraca Tropicália. 

Lá, viu o congolês ser assassinado brutalmente com socos, chutes e até golpes com pedaço de madeira e taco de beisebol. Foi ela quem buscou socorro, ao chamar dois guardas municipais próximos, mas eles ignoraram seu pedido, segundo ela relatou ao jornal Extra. Quando apelou aos agressores que parassem, ouviu como resposta que aquilo era um corretivo em um ladrão. “Não sei, não sei mesmo como aquelas pessoas não se colocaram no lugar de Moïse. Como deixaram o ódio falar por eles? Quando eu vi a vítima naquele estado, eu só consegui pensar no desespero da mãe dele, de estar esperando ele em casa, de estar agoniada, sem informações, de receber a notícia que o filho dela estava morto”, relembra.

Em depoimento à polícia, a mulher narrou que viu uma funcionária do estabelecimento, uma senhora, muito nervosa, e que a mulher chegou a comentar com ela que já tinha pedido que parassem de bater em Moïse. No entanto, ela não foi atendida. Foi quando ela pediu auxílio aos dois guardas municipais.

“Eu quis sim que eles (agressores) parassem. Mesmo que ele estivesse assaltando, deveriam chamar a polícia, e não agredir o rapaz da forma que fizeram. Eu não me meti mais na hora, pois estava com duas crianças”, contou. “Fiquei com medo deles fazerem algo comigo também, por isso acionei os guardas municipais que estavam no local, mas eles simplesmente não foram ver. Deixaram que o Moïse apanhasse ainda mais”, recorda-se.

Angustiada com a sessão de espancamento, a testemunha pediu auxílio ao marido, que a esperava na areia. Ao retornarem ao quiosque, ela viu o congolês amarrado. Ele, um militar, percebeu que a vítima já estava quase sem vida.

“Eu fui até a areia e chamei o meu esposo, para que ele talvez, como homem, pudesse conversar e pedir pra que parassem (de bater) também. Chegando lá, já encontramos a vítima amarrada. Foi a hora que tentamos ajudar”, conta. “Eu não sei ver alguém apanhando, precisando de ajuda e, simplesmente, fingir que não estou vendo. Penso que pode ser algum amigo, alguém da minha família. Penso também na dor da família ao ficar sabendo o que aconteceu”, comenta ela.

O marido da auxiliar de serviços gerais contou que a mulher chegou a verificar a pulsação de Moïse e logo percebeu que estava bem fraca. Já havia pouco o que fazer. Em seu depoimento na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), o militar relatou que um dos homens repetiu para ele o que havia dito à sua esposa: "nem olha, pois ele estava roubando". 

Durante as investigações, pela descrição das testemunhas e por meio das imagens das câmeras de segurança do quiosque apreendidas pela polícia, a pessoa que tentou intimidá-lo foi o barraqueiro Brendon Alexander Luz da Silva, de 21 anos, conhecido como Tota, lutador de jiu-jítsu. Foi ele quem derrubou Moïse, aplicando um golpe conhecido como double leg. 

Depois que o casal alertou os agressores sobre o grave estado da vítima, o trio demonstrou nervosismo e um deles começou a fazer massagens cardíacas. À pedido da mulher, o congolês finalmente foi desamarrado. O militar iniciou as manobras de ressucitação na tentativa de salvar Moïse, mas ele já estava morto. 

Quando perceberam que haviam cometido um assassinato, os agressores se afastaram do local, contou o casal aos investigadores. Brendon chamou o Samu e, quando os paramédicos chegaram e perguntaram o que tinha acontecido, o barraqueiro disse que o corpo já estava lá há 40 minutos. Ele foi visto saindo do local num carro de aplicativo. Somente após a chegada do Samu, dois policiais militares chegam ao local. 

Além de Brendon, os outros agressores também foram identificados pela DHC e já estão presos. São eles: o garçom Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, de 27 anos, vulgo Dezenove; e o camelô Fábio Pirineus da Silva, o Belo, 41. A Justiça manteve as prisões temporárias dos três suspeitos de terem espancado Moïse até a morte. Eles passaram por audiências de custódia no início da tarde de quinta-feira, na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte.

As prisões de Fábio, Aleson e Brendon foram decretadas no plantão judiciário, na madrugada de anteontem, pela juíza Isabel Teresa Pinto Coelho Diniz, após pedido feito pela DHC. No parecer, a promotora Bianca Chagas escreveu: “Frise-se, ainda, que as imagens comprovam toda a ação delituosa em seu mais alto grau de crueldade, perversidade e desprezo pela vida – o bem jurídico mais importante de todo ordenamento”.

Parentes do jovem congolês afirmam que foram intimidados por dois policiais militares do 31º BPM (Recreio) que atenderam a ocorrência. Eles contaram que a primeira vez teria sido logo após a morte de Moïse, quando estiveram no quiosque Tropicália, em busca de informações sobre o crime. A situação teria se repetido no último sábado quando um grupo fez um protesto na Barra. Ele chegou ao Brasil ainda criança, acompanhado de seus irmãos. No país, ele e sua família foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro.

‘Era tranquilo’ O cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro Alauir de Mattos Faria, que atua no 41º Batalhão (Irajá), prestou depoimento nesta quinta-feira, 3, à Delegacia de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro. Faria era apontado como dono do quiosque Biruta, que funciona no mesmo imóvel do quiosque Tropicália, onde ocorreu o crime. Segundo seu advogado, Lennon Correia, Faria tinha perdido o contato com o congolês, mas enquanto conviveu com ele considerava-o um rapaz tranquilo e que não arranjava confusão.

"Ele (Faria) recentemente não estava frequentando muito o quiosque, por isso não estava tendo contato com o Moïse. Ele não sabe dizer como era o comportamento recente do Moïse. O que relatou é que até dois anos atrás, quando ele tinha um pouco mais de contato com o Moïse, ele era um rapaz muito tranquilo e nunca tinha arranjado confusão com ninguém", afirmou Correia.

O advogado de Faria afirmou também que seu cliente não é dono, mas amigo do dono do quiosque. “O quiosque parece que é de um senhor chamado Celso, que é amigo do senhor Alauir, e a gerente é a senhora Viviane, que é irmã do senhor Alauir. O senhor Alauir de vez em quanto ia para o quiosque para ajudar a irmã dele nos trabalhos do quiosque. Por isso ele é conhecido na região, mas não é o dono”, afirmou.