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Vinicius Nascimento
Publicado em 10 de junho de 2020 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Há serviços que nem uma pandemia pode parar. A segurança pública é um deles. E isso obriga que policiais militares fiquem distantes de seus familiares. Só que a saudade dói e, como diz Luiz Gonzaga, tem remédio: cantar.
E aí a gente faz o que pode para driblar essa saudade de painho, mainha, maninho e, em alguns casos, até de Mozão. A pandemia força a ter criatividade para estar próximo de quem se ama, ainda que de longe. As famosas lives e videoconferências estão em alta, mas nem todo o mundo é chegado em tecnologia. É o caso de Flailton Oliveira, que fez sucesso nos últimos dias ao aproveitar uma brechinha no trabalho para tocar sanfona na porta da casa dos pais, que já não vê há 90 dias.
Major da Polícia Militar da Bahia, Flailton Oliveira nasceu no pequeno povoado de Pedras Altas, que hoje pertence a Capim Grosso, mas, na época, era uma parte de Jacobina. Por isso defende com unhas e dentes que é jacobinense de nascença. Após alguns anos na capital, ele foi convidado, em 2015, para assumir o comando da 24ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM) em Jacobina. Aceitou de bate-pronto.
Ora, além da honra de comandar a polícia em sua cidade natal, era mais tranquilo ficar ao lado de pai Chico, 93, e mãe Huda, 82. Mesmo com idade avançada, a dupla vive entre Jacobina e Feira de Santana, onde tem um imóvel. Quando a pandemia explodiu, calhou de eles estarem na Princesinha do Sertão - a 220 km de Jacobina.
"Eu sou 'cedeiro'. Acordo todo os dias à 6h30 da manhã e minha primeira diligência é ligar para saber como eles estão. Antes da pandemia, eu me programava para almoçar, tomar café ou jantar com eles pelo menos uma vez na semana. E a minha última diligência também é ligar para eles, para desejar uma boa noite", conta o major. Flailton descansa ao lado da mãe, Erenita Maria, e do pai, Francisco Rosa, antes do início da pandemia (Foto: Arquivo Pessoal) Há quase três meses sem ver os pais, teve uma hora que a saudade apertou. A relação de Flailton com painho e mainha é bem íntima: é o mais novo dos quatro filhos homens do casal, que ainda tem duas mulheres. Foi um dos últimos a sair de casa e criou um vínculo forte com os seus.
Quando viu uma brecha, ele não pestanejou: pegou o carro, dirigiu os 220 km e surpreendeu os pais com uma versão de 'Gostoso Demais', de Dominguinhos: "Tô com saudade de tu, minha mãezinha. Tô com saudade de tu, meu paizinho. Seu olhar carinhoso, seu abraço gostoso, passear com vocês".
O olhar carinhoso da mãe Huda no vídeo não faz a menor questão de esconder a felicidade em ver o filho, que ainda encaixou um versinho para seu irmão Erenildo, o Maninho, que mora com os pais.
O vídeo circulou pelo WhatsApp, e a repercussão positiva surpreendeu o major, em meio a casos de violência policial em destaque na mídia, como os assassinatos de João Pedro, no Rio de Janeiro, e George Floyd, nos Estados Unidos, além de um caso recente na Bahia em que um policial agride uma mulher durante abordagem contra aglomeração em Teixeira de Freitas, no sul do estado."Nós somos treinados para todo o tipo de situação, mas não podemos esquecer o lado humano, social. Eu não esperava que o vídeo tivesse tanta repercussão, mas quero aproveitá-la para deixar essa mensagem de que nós, policiais, estamos aqui para servir à sociedade", conta.Música A música entrou bem cedo na vida de Flailton, bem antes dele ser um aluno que chegou até o último ano do curso de História na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) ou de ser aprovado para fazer o Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Polícia Militar.
Ainda em Pedras Altas, na infância, teve acesso à fanfarra de seu povoado. Tocou caixa de repique, corneta e outros instrumentos. Tudo isso foi criando, à época, no menino, o gosto pela música. Outra paixão desde sempre foi o forró. E foi um forrozeiro quem deu o empurrãozinho para que ele começasse a tocar sanfona.
Em Salvador, Flailton trabalhava no setor de Relações Públicas da Polícia Militar e recebeu a missão de preparar um arraiá para os cadetes que estavam fazendo o curso de formação. Tinha alguns contatos e conseguiu falar com Targino Gondim, que topou fazer a festa.
"Até hoje tem cadete que me agradece. Hoje em dia já tem capitão daquela turma e sempre eles recordam", diz. Major Flailton aprendeu a tocar sanfona com sanfoneiros de Jacobina e região (Foto: Arquivo Pessoal) Targino tocou com uma sanfona branca, que encantou os olhos do major. Ele já tinha vontade de aprender a tocar e sempre escutava que "era muito difícil" - o que dava mais motivação."Poxa, eu vim de um povoado pequenininho. Meus pais não tiveram estudo e consegui tanto... esses desafios me motivam. Encostei em Targino e perguntei se era muito difícil. Ele me disse que tinha que ter manejo. Aí eu decidi que ia aprender", conta.Desde então são cinco anos de prática. Modesto, ele afirma que ainda está aprendendo e conta com sanfoneiros de sua região para pegar dicas e seguir estudando. A sanfona já faz parte do quartel: não são raras as vezes que ele toca um forrozinho para desestressar seus subordinados após alguma missão.
Esse clima leve é motivo de orgulho para o policial, que utiliza a música para dar um tom diferente ao seu trabalho e ainda conta com ela como uma parceira na hora de driblar as barreiras impostas pelo coronavírus na vida pessoal.
*com supervisão da subeditora Clarissa Pacheco